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Riquezas do conhecimento por conaturalidade – I

Para julgar retamente das coisas, o homem deve utilizar ora o conhecimento por conaturalidade, ora o adquirido por meio do estudo. Um conhecimento não pode excluir o outro.

São Tomás de Aquino, num trecho da Suma Teológica, qualifica muito bem a relação da sabedoria com dois aspectos do conhecimento na alma humana:

Dois conhecimentos que se complementam

“Como já temos dito, a sabedoria importa certa retidão do juízo segundo razões divinas. A retidão do juízo pode acontecer de duas maneiras: ou segundo o uso perfeito da razão, ou por certa conaturalidade face às coisas que tem que julgar. Assim, vemos que por um discurso da razão, julga retamente das coisas pertencentes à castidade quem estudou a ciência moral, mas, por certa conaturalidade com ela, julga retamente da castidade quem a pratica habitualmente.”1

Portanto, um é o conhecimento teórico, adquirido pelo estudo da ciência; outro é o conhecimento por conaturalidade.

A palavra “conaturalidade” já indica por si uma afinidade de natureza. Contudo, São Tomás aprofunda o conceito, explicando como a repercussão da virtude no homem que a pratica fá-lo conhecê-la operativamente, por um conhecimento interno.

O Doutor Angélico não acrescenta, porque ele está estudando a sabedoria enquanto tendo sede no homem, mas creio que seria lógico acrescentar que fora do homem também se pode conhecer, por exemplo, a castidade de outro modo, analogamente experimental: estudando os costumes dos outros e, por conaturalidade, vendo neles o que a castidade tem de bom e a impureza de ruim. Também esse é um modo que conduz ao conhecimento por conaturalidade.

Tanto o homem casto como o não casto podem ver, nos outros, o esplendor da pureza e a hediondez da impureza.

Fica, assim, bem claro que Deus deu ao homem as duas vias de conhecimento, e não é lícito optar por uma excluindo a outra, como se escolheria, por exemplo, viajar a uma determinada cidade de trem ou de automóvel. Neste caso, um meio de transporte excluiria inteiramente o outro, pois não se pode viajar, ao mesmo tempo, em estrada de ferro e de rodagem.

Para julgar retamente das coisas, o homem deve utilizar ora um tipo de conhecimento, ora outro, complementarmente.

Ninguém pode dizer: “Conheci por conaturalidade, portanto não preciso conhecer teoricamente.” Ou: “Conheci teoricamente, portanto não preciso conhecer por conaturalidade.” Esses métodos devem, com prevalência ora de um, ora de outro, acompanhar-se para proporcionar a cognição completa.

Faz parte do dom de sabedoria dar ao homem a possibilidade tanto de sentir retamente, quanto de observar por conaturalidade.

O equilíbrio de todo o sentir com as virtudes gera o senso católico perfeito

Na Idade Média, tomada como um todo, isso reluz muito, porque a arte medieval apresenta, por conaturalidade, o que a Escolástica proporciona por raciocínio. Assim, tudo o que se compreende por uma via, sente-se pela outra.

O homem medievo, mesmo quando analfabeto, olhava para a catedral e via um nicho onde tal carpinteiro fez determinado adorno, e é uma parábola. Mais adiante, num vitral, ele via representada toda a história do Profeta Jonas. E assimilava aquilo tudo.

Em geral, quando se fala que as catedrais eram o livro do analfabeto, refere-se a esses fatos do ponto de vista da instrução, e é verdade. Mas estou me referindo a outro aspecto: é um equilíbrio de todo o sentir com as virtudes cardeais e teologais, que constitui propriamente uma afinidade, a qual é preciso saber sentir até o fim para tomar o senso católico completo.

Em certas igrejas há, sobre pedestais, imagens dos Apóstolos ou outros Santos, cada qual encimada por um dossel.

Lembro-me de que, ao notar pela primeira vez aquele dossel sobre cada Santo, tive uma espécie de frisson2 de alegria e admiração. Não atinei imediatamente com a razão de ser daquele sentimento, e pensei em perguntar a alguém, tão logo terminasse a Missa. Mas concluí ser inútil… Teria que elaborar sozinho a resposta.

Surgiu, então, a objeção vinda ex potestatis tenebrarum3: “Não é isso não! Essas coisas todas suas são fantasias sem sentido. Ninguém de bom senso se põe esses problemas. Todo mundo que está nessa igreja viu esse dossel e não pensou o que você está pensando. É só você para querer dividir um fio de cabelo, de comprido, em quatro… Esse é você! O resultado é que você não presta atenção nas coisas apetecíveis e concretas da vida. Você agora deveria voltar para casa, pensando em como subir na vida. Você não está subindo, mas está voando sem destino nessas névoas em que vive.”

Minha réplica: Eu sinto que amarei menos a Nossa Senhora, à Igreja, a Nosso Senhor, se tomar a mentalidade que me está sendo oferecida. Portanto, não a tomo! Vou continuar nessa névoa. Um dia descobrirei a verdade.

Uma pergunta guardada como um tesouro

Não joguei fora aquela pergunta. Guardei-a como um tesouro que em certo momento deveria reluzir.

Muito tempo depois me veio clara e normalmente a resposta, como um prolongamento da conaturalidade. Aquela alegria foi sentida por conaturalidade e a pergunta é a dessa conaturalidade que se debruça curiosa; não, porém, uma curiosidade de mico, e sim de quem olha para um lago profundo, não consegue ver o fundo e espera um dia de sol para ver melhor, só isso. Aparece o dia de sol, olha-se e fica-se vendo como é o fundo do lago. Tudo feito com calma, serenidade.

Essa é uma regra de ouro da Idade Média: ponha as contrapartidas em harmonia e terá um edifício que, tanto quanto permite a fraqueza humana, não cairá.

Enfo (CC 3.0)
Porta dos Apóstolos – Catedral de Valência, Espanha

Eu me agrado em ver um tetozinho em cima de cada Apóstolo pela ideia de que o Apóstolo, perdido na vastidão da igreja, fica meio diminuto e fora das proporções de um homem. Este não habita normalmente em coisas dessa vastidão, mas é feito para morar onde existe uma altura proporcionada a ele. Se eu tivesse que estar no alto dessa coluna, sentir-me-ia mais em casa e protegido pelo próprio Deus sob um tetozinho.

Eis uma primeira razão do dossel, mas ela não explica tudo. Há sob aquele pequeno teto — imaginando-me ainda ali — uma atmosfera a qual posso impregnar com minha própria personalidade e ser eu mesmo ali dentro. E quando eu for um homem adulto, que governa a família, ter minha coisa ali governada por mim, impregnada por mim, formada por mim. Isso não é um desejo de domínio feroz; é um modo de ser da sociabilidade. Foi aquilo a que dei algo de mim mesmo, que recebeu e me retribuiu. Essa permuta é a sociabilidade.

Sociedade orgânica é isso. São essas várias realezas, a partir do pai de família e chegando até o rei; essas várias naçõezinhas — a família é uma micronação — encaixadas umas nas outras, formando, a partir da família patriarcal, um município e daí por diante.

Os Santos não são autômatos

Por fim, o dosselzinho ajuda a compreender melhor a própria intercessão dos Santos.

Algumas pessoas têm a impressão de que um Santo funciona como uma espécie de autofalante ou telefone junto a Deus; que não se move por si mesmo em nada. O fiel que o invoca apenas fala através dele, e o Santo repete para o Altíssimo, que gosta de ouvir aquela voz a qual amplia a do devoto, cujos méritos não são suficientes. Nesta perspectiva, Santa Teresinha do Menino Jesus seria apenas o meu “telefone carmelita” junto a Deus, nada mais.

Ora, isso assim não é verdade. O Criador deixa certo governo pessoal aos Santos nas graças que pedem e distribuem, porque é de acordo com sua divina vontade que, mesmo no Céu, eles não sejam como zumbis ou autômatos.

Portanto, conforme eu saiba mover as cordas intelectivas e sensíveis do Santo, posso obter mais ou menos dele. Também isto é simbolizado pelo dosselzinho: uma espécie de pequeno reino que ele tem por vontade do Rei Celeste, onde ele fará sempre um uso reto dessa atribuição, dessa pequena realeza encaixada e, com sua originalidade, moverá a Deus de acordo com seus desígnios divinos. Isso porque Deus não quis ter autômatos, e sim seres vivos a seu serviço.

O Santo tem uma espécie de arbítrio dentro dessa concessão de favores. Esse é o ponto que estou querendo ressaltar. Ele, por assim dizer, é um senhor, governa um aspecto da distribuição das graças, porque a intercessão é feita à maneira dele.

Por exemplo, a Santo Elias e a Santa Teresinha pediríamos uma graça de modos diversos.

Suponhamos que um de nós, após a morte, seja canonizado e veja, do Céu, a seguinte cena: Passa perto de uma imagem dele uma boa mãe de família, lavadeira, que lavou a roupa dos clientes num rio, mas deixou uma peça ser levada pela correnteza, e está muito aflita.

Ela vê a imagem e pede: “São Fulano, fazei-me encontrar essa roupa!”

Pode ser que, no Céu, um de nós sorria e diga a Nossa Senhora: “Minha Mãe, veja, ajude-a.”

Imaginem, agora, uma Santa que também tenha sido lavadeira durante a vida — para quem esse problema da roupa que foi rio abaixo toma outra importância —, a quem a pobre mulher suplique: “Santa Fulana, patrona das lavadeiras, ajudai-me!”

Não tem muito mais possibilidade de ser ouvida? Sim, pois a Santa tem uma conaturalidade com aquele gênero de problemas!

Isso ilustra tanto da intercessão dos Santos, da distribuição das graças na Igreja, é tão bonito, tão adequado!

A flecha da Catedral de Notre-Dame

Surge, então, a pergunta: isso nós compreendemos pela razão ou pela conaturalidade? Pela conaturalidade, da qual parte uma avenida esplêndida para raciocínios. A meu ver, se eu não tiver sentido, não entenderei inteiramente o que minha razão me diz.

Isso é cheio de razoabilidade que o raciocínio depois referenda. Mas ele não é indispensável para o indivíduo estar certo disso. Alguém pode ter percebido a razoabilidade de algo e não ser capaz de pôr em raciocínios desde logo, mas estar certo da verdade que captou. Mais tarde, um livro, uma leitura, uma conversa ou a maturação do seu próprio pensamento levá-lo-ão a completar essa certeza.

Mickey Løgitmark (CC 3.0)
Catedral Notre-Dame, Paris, França

Desculpem-me por falar de minhas observações interiores, mas são as que eu conheço. Admito de bom grado que possa haver outras imensamente mais interessantes, mas dou o que tenho; é o óbolo da viúva pobre.

Por exemplo, quando eu me dei consciência da flecha da Catedral de Notre-Dame foi uma alegria enorme para mim e uma espécie de alívio. Sou grande admirador da massa daquelas torres e do que aquela fachada tem de imponente. Eu gosto tanto daquilo! Contudo, foi só com a flecha que tive certo alívio, pois ela suaviza aquele peso.

Então, o que a flecha tem de delicado, de gracioso, de fantasioso, de quase irreal dá expressão e cidadania, em minha alma, a uma série de apetências que vibram em consonância com isso e precisam de um lugar ao Sol. Assim, a fidelidade à mensagem das torres é robustecida e aliviada pelo cântico grácil da flecha.

Para minha sensibilidade — é o tal conhecimento por conaturalidade de que fala São Tomás de Aquino — as torres de Notre-Dame são imensamente planejadas, pensadas, bem colocadas, com muito bom gosto, mas se há uma coisa que elas não têm é o imprevisto.

Ora, as ordenações grandiosas deixam uma fome do inopinado, em determinado momento fica-se com vontade do imprevisto. A flecha é imprevista. E tem toda a audácia, todo o panache, o topete que me faz aderir mais inteiramente à própria torre. Mas isso meu espírito não aprende adequadamente apenas num tratado. Ou sinto por conaturalidade ou não compreendo inteiramente.

Essa é uma regra de ouro da Idade Média: ponha as contrapartidas em harmonia e terá um edifício que, tanto quanto permite a fraqueza humana, não cairá.

(Continua no próximo número)

(Extraído de conferência de 29/11/1985)

1) II-II, q. 45, a. 2.

2) Do francês: Comoção, estremecimento.

3) Do latim: dos poderes das trevas.

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