viernes, septiembre 20, 2024

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Evolução da Civilização Ocidental – I

Apresentando uma ampla e penetrante visão de conjunto de diversos temas, entre os quais o feudalismo, a família, o rei, a plebe, Dr. Plinio expõe interessantes aspectos da evolução da Civilização Ocidental.

Ao considerar o aparecimento da sociedade feudal, deparamo-nos com o seguinte panorama:

Carlos Magno foi um perfeito rei guerreiro e católico

O Império carolíngio foi uma construção grandiosa, não só apoiada, mas instituída pela Santa Sé. Carlos Magno, por meio de vitórias brilhantes no decurso de uma vida militar e política que se poderia chamar, grosso modo, de milagrosa, consegue salvar boa parte da Europa dos ataques simultâneos vindos do Sul, pelos mouros que penetravam através do Mediterrâneo na Península Ibérica, atacavam o território da Espanha e de Portugal contemporâneos, entravam pelos Pireneus e chegavam ao coração da França, até Poitiers.

Não que Carlos Magno tenha vencido os maometanos. Essa vitória se consumou na Península Ibérica pela expulsão do último rei mouro, Boabdil, Rei de Granada, e com a posse dessa cidade por Isabel de Castela e Fernando de Aragão.

O ímpeto de se situarem além dos Pireneus e de ir, se fosse possível, até Aix-la-Chapelle e o Reno, isto foi quebrado. E, por causa disso, as potências do Ocidente, com exceção da Espanha e de Portugal, não tiveram que pensar no problema mouro.

Mas, pelo contrário, houve problemas também muito difíceis no que diz respeito ao Oriente. As hordas de germanos que sucessivamente invadiam a região posteriormente chamada Alemanha, o território da Áustria às margens do Reno e do Danúbio, em última análise eram verdadeiras ondas desalentadoras. Porque quando Carlos Magno vencia uma onda de bárbaros, substituía-se esta por outra e mais outra, sem que pudessem calcular quantas havia por detrás. Portanto, não se sabia quanto duraria essa guerra.

Ele combateu como perfeito rei guerreiro e católico que, sem saber se haveria uma possível vitória final contra aquelas ondas sucessivas, assumiu esta posição: “Não sei se isso é vencível, mas se posso vencer com o que tenho ao menos para o dia de hoje, hoje eu vencerei. Ainda que eu seja esmagado amanhã, hoje vencerei e essa vitória oferecerei a Deus por meio de Nossa Senhora. Vamos lá e ataquemos!”

Mas seus filhos se mostraram incapazes de resistir aos invasores

O perigo germânico estava quase completamente dominado quando se anunciou outro risco: os reis navegadores, os vikings, os normandos, começaram a entrar pelo Norte da França. A França tem vários rios navegáveis que constituíam “estradas” fáceis e cômodas para aqueles navegantes muito ágeis vindos do Báltico, que entravam, desciam, atacavam e pilhavam.

Quando Carlos Magno morreu, encontrava-se na presença desse perigo que ele não sabia se seus filhos venceriam ou não.

David Santos Domingues
A rendição de Granada – Palácio do Senado, Madri, Espanha

Filhos que não valiam nada, para os quais ele transmitia um império pesado como o mundo, e que começaram por dividir o império que ele deixara uno. Filhos tão nulos que, em uma das “canções de gesta”, se insiste muito em Roland — o grande guerreiro e braço direito de Carlos Magno — que era sobrinho do Imperador; mas não figuram os filhos de Carlos Magno. Em nenhuma “canção de gesta” eles são mencionados. Quer dizer, não os tomavam em consideração para nada.

Os descendentes de Carlos Magno se revelaram incapazes de acionar o Império como uma grande máquina de guerra simultânea contra os árabes e germanos. O Império foi dividido em três fragmentos: a parte ocidental ficou com Carlos, o Calvo; a parte central, que ia desde a Itália até a foz do Reno, compreendendo os territórios das atuais Holanda e Bélgica, um tanto da Alemanha, Suíça, a Lotaríngia, pertencia a Lotário; e a terceira parte, a oriental, ficou como Rei Luís, o Germânico. Esses três reis, nos respectivos territórios, não foram capazes de organizar uma resistência eficaz.

Os agricultores que ocupavam esses territórios sentiram necessidade de cada qual se defender contra os bárbaros ou os árabes que avançavam. Então, o problema para eles deixou de ser a defesa de um império e passou a ser a defesa de seu próprio lugar, com as suas plantações, suas criações de gado, suas fontes de renda, portanto, com sua capela, o Santíssimo Sacramento, as imagens santas, as relíquias, que eles não queriam deixar cair nas mãos dos invasores, muçulmanos e pagãos.

Como nasceu o feudalismo

Naturalmente, no interesse dessa resistência comum contra o inimigo eram solidários os proprietários das terras e os homens que nelas trabalhavam. Assim, diante desse inimigo comum, a coligação das duas classes sociais — os proprietários e os trabalhadores manuais — se fez muito viva.

E os trabalhadores manuais, tomando consciência de que eles precisavam quem os comandasse, adotaram um princípio instintivo — descoberto por eles não por meio do raciocínio, mas do instinto de conservação —, fundamental da sociedade orgânica.

Num território onde se exercem várias autoridades e o território é atacado, essas autoridades devem unir-se para a defesa comum contra o adversário. Mas se, por morte em guerra ou por outra razão, as autoridades falham e fica uma só autoridade, todos os poderes exercidos até então pelas várias autoridades que havia no lugar se fundem nas mãos da única autoridade existente; esta toma em mãos os poderes e dirige a guerra.

Então, concretamente, uma grande área de plantação se encontra sob a jurisdição de um alto funcionário do império, sob cujas ordens está um grande proprietário que dirige e domina o local. Se o alto funcionário do império foge, para organizar o corpo da resistência só resta o proprietário, e a solução é fundir nas mãos dele todo o poder que o funcionário imperial exercia junto com o direito de propriedade que aquele homem tem.

Assim, pelas circunstâncias e pelo instinto de conservação daquele povo, o proprietário da antiga área, promovido a governador, teoricamente continua a prestar obediência ao imperador, mas ele localmente é quem manda. Assim nasceu o feudalismo. É o regime que soma o direito de propriedade ao direito de governo local, sob a direção de um governo real; no momento é um governo paraplégico, incapaz de se mover, mas que em tese existe e tem esse direito, e quando as circunstâncias permitirem o exercerá.

David Benbennick (CC3.0)
Castelo de Conwy, Reino Unido. Em destaque, estátua de Roland – Praga, República Checa

Vitor Toniolo

Por toda parte começam aparecer esses pequenos chefes locais teoricamente obedientes ao rei. Mas, para o camponês, o rei é uma figura meio mítica. O que vai mandar, dirigir, o que tem que resolver a briga de um homem que roubou a vaca do outro, e daí para fora, é o proprietário que ficou no lugar. E para os camponeses quem conta é esse proprietário, que passa a ter um título de senhor feudal.

Surge o castelo

Aquelas populações locais naturalmente constroem junto com o senhor feudal uma fortaleza para resistir ao inimigo quando ele voltar. Essa fortaleza chama-se castelo.

Nesse castelo se localiza a capela, que é tudo quanto há de mais sagrado, que deve ser salva acima de tudo. Então a casa do capelão e a capela se encontram no âmago do castelo, da fortaleza. E quando o inimigo chega, os que moram no lugar fogem para dentro do castelo, onde vão encontrar Deus, presente no Santíssimo Sacramento, os sacramentos da Igreja concedidos largamente para eles porque o vigário os distribui, ouve as confissões, celebra a Santa Missa, enfim, dá-lhes toda a orientação religiosa, estimula-os para a luta como um dever santo, fala-lhes do Céu que vão ganhar se morrerem defendendo a Religião, sempre tão atacada quando é assaltado o feudo.

E quando se tem notícia de que os adversários vêm de longe e estão para chegar, já se vê que as portas do castelo se abrem e é um desfile de famílias que entram levando o seu gado, enfim as coisas que podem e querem salvar, as quais empilham no pátio interno onde está a capela, em torno da qual estão construídas as fortificações.

Ali dentro também mora o senhor feudal que tem que ser a alma do ataque e a alma da defesa.

Divulgação (CC3.0)

É curioso ver certas residências de senhores onde eles lutam dentro da torre de andar para andar, não têm escada e se sobe com corda. Inclusive a castelã, cuja descendente no tempo de Luís XIV vai ter todas as graças e as pompas do reinado do Rei Sol, e na época de Luís XV terá todos os charmes e as delicadezas da realeza, que agoniza lindamente em graça e gentileza, mas que naquele tempo era uma caipirona robusta, que sobe na corda com os vários nós. Quando todo mundo que está se defendendo subiu, recolhem a corda. E o adversário não tem um jeito de pendurar a corda dele nem possui escada para subir até lá; então faz fogo lá dentro para ver se incendeia o andar de cima, e os que estão em cima jogam pedras no inimigo.

Hyacinthe Rigaud (CC3.0)
Bosque de Versailles; Luís XV em trajes de coroação Palácio de Versailles, França

É uma batalha tremenda onde, às vezes, as mulheres tomam parte, não lutando, mas ajudando os homens.

Mas há ainda uma saída.

A torre tem alicerces muito profundos e frequentemente dela parte um subterrâneo que vai desembocar num lugar distante. Por exemplo, numa praia. O proprietário, que vai fugindo com os últimos que restam, entra pelo subterrâneo e sai num determinado ponto, de onde ele depois corre para o castelo de um parente, de um amigo.

Ciladas bem elaboradas

Há ciladas. Elas eram mais inteligentes que nos parecem em certos casos.

Por exemplo, em alguns lugares havia dois, três caminhos subterrâneos, e apenas um se dirigia para o verdadeiro fim. O outro dava para um lugar com uma poça de água com répteis, cobras e coisas desse gênero que podem matar aquele que se meter ali dentro; e às vezes o local era fundo e não sendo fácil dele sair. Sobretudo porque os homens avançam com armadura e caem dentro do lago com cobras. Os dentes das cobras se quebram de encontro à armadura, mas o adversário não pode tirá-la dentro daquele lamaçal. Nem quer, porque ele percebe que vai ser picado, então é uma coisa sem saída.

Assim, o invasor que escolheu mal o seu caminho, caminha para a morte.

Ou dá para uma praia com areias movediças. O sujeito chega, vê ao longe o mar, ouve o sussurro das ondas, percebe a praia com areia branca e diz: “Aquele pessoal que eu estou perseguindo fugiu por aqui.” Entra e, quando já deu um bom número de passos, ele percebe que é areia movediça. Se voltar para trás, ou ficar parado, ou for para a frente, ele se afunda. O indivíduo está liquidado.

Quer dizer, a coisa é muito complexa, muito bem armada.

O último sistema empregado: os pombos-correios. O assediado envia a um castelão amigo dele o aviso: “Eu estou sendo sitiado. No caminho do invasor está o senhor. Venha me ajudar a defender o meu feudo para não ter que amanhã defender o seu.” Ele vai depressa e os que estão cercando são atacados por detrás pelos que chegam.

De maneira que quando os inimigos estão cercando o castelo e veem um pombo-correio que parte, eles começam a jogar flechas para ver se matam o pombo-correio. Não é fácil!

Às vezes vai um pombo-correio com uma mensagem falsa, em branco, para o adversário gastar as flechas, enquanto é solto um pombo-correio que voa noutra direção.

(Continua no próximo número)

(Extraído de conferência de 24/2/1993)

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