Se o “Rei-Sol” houvesse atendido à mensagem do Sagrado Coração de Jesus, transmitida através de Santa Margarida Maria Alacoque, ele teria evitado a Revolução Francesa, e a História do mundo seria outra.

No prefácio de um álbum sobre Versailles, Jean d’Ormesson1 faz o seguinte comentário:

Luís XIV, precursor da Revolução Francesa

Atrás da arte e da beleza de Versailles, há toda uma sociedade e toda uma política. Trata-se de desferir o último golpe contra o feudalismo, de reduzir a meros súditos os grandes senhores. De fixar as bases da burocracia monárquica, de abafar sob o brilho das festas as tentações de fazer fronda, de independência e de revolta… Por detrás da epopeia da arte clássica e da monarquia legítima, já se faz prenunciar a revolução burguesa que explodirá no fim do século seguinte.

Gustavo Kralj
Busto de Luís XIV
Sergio Hollmann
Aparição do Sagrado Coração de Jesus a Santa Margarida Maria Alacoque Catedral de Lisieux, França

Quer dizer, portanto, Luís XIV foi precursor da Revolução Francesa. E é bem exatamente isso.

Luís XIV em Versailles se coloca no alto de uma curva que não faz senão subir desde os primeiros capetíngios, e desta situação elevada já se percebe, numa perspectiva longínqua, os frutos do centralismo, do rebaixamento dos grandes e o reino dos escritórios instalados por Colbert…

É o Estado moderno, democrático, nivelador e ditatorial.

Em Versailles, entretanto, a pessoa quase sagrada do rei e sua corte bastam para obturar o horizonte…

Essa é uma expressão muito interessante do d’Ormesson: “Bastam para obturar o horizonte”. Quer dizer, para tapear, para disfarçar o horizonte.

Versailles é um mundo fechado dominado pelo rei. Não somente há um só Versailles, mas Versailles é o todo da França…

Ou seja, a centralização absoluta. Tudo esplêndido, o palácio é magnífico, mas a autoridade do rei serve para disfarçar a autoridade dos burocratas e dos burgueses que vêm subindo.

Isso é muito interessante porque se percebe uma coisa curiosa: um rei que não tivesse brilhado como Luís XIV não conseguiria disfarçar tanto a Revolução que subia, de maneira tal que o brilho dele serviu para tudo quanto viria depois.

Recusar ou aceitar uma graça pode fazer girar a História

Poder-se-ia perguntar se ele, sendo sensível ao recado de Santa Margarida Maria e atendendo ao Sagrado Coração de Jesus, não teria desfeito essa trama. Então, que momento histórico extraordinário esse em que ele recebeu o recado e, talvez depois de uma curta reflexão interna, disse não. Poderia ter dito sim, e talvez estivesse a um passo de dizer sim, mas disse não. A História do mundo mudou…

Ao contrário do que dizem alguns, que tudo depende do andamento da sociedade e os indivíduos influenciam pouco, etc., vemos como um ato interno de recusa ou de aceitação da graça pode girar a História do mundo. É lúgubre!

Gustavo Kralj
Luís XIV recebe uma comitiva persa – Palácio de Versailles, França

Para quem conhece este assunto, isso constitui um véu de tristeza ao visitar Versailles, pensando que o feudalismo teve ali seus últimos estertores, que foi sepultado no meio de um mundo de festas, que os maiores nomes do feudalismo eram rebaixados a uma condição brilhantemente servil diante do rei, e que este constituía o vazio em torno de si sob o pretexto de subir sozinho. Mas ninguém sobe muito sozinho sem ter feito o vazio em torno de si. Este é um princípio que não falha.

Compreende-se que ele, com sua grandeza real, brilhante, magnífica, estava fazendo os funerais da França do Ancien Régime2.

O pior foi que isso se espalhou depois para todas as cortes do mundo. Todo rei queria ser um pequeno Luís XIV. Até mesmo no século XIX, o Rei Luís II da Baviera, meio desequilibrado, ainda construiu castelos com a ideia de ser uma espécie de Luís XIV. A figura deste monarca modelou tudo, e com isso o mundo monárquico caminhou num passo só para o mundo democrático. Mas caminhou com as próprias pernas!

Se um dia nós escrevêssemos uma História do mundo, teríamos que deslocar a história da Revolução: ela não foi, sobretudo, a história dos revolucionários que se levantaram e derrubaram, mas a história dos contrarrevolucionários que estavam em cima e se jogaram para baixo. Danton, Marat, Robespierre, etc. tiveram como precursor o “Rei-Sol”.

Recado de Nosso Senhor, por meio de uma freirinha

Na mensagem a Santa Margarida Maria, o Sagrado Coração de Jesus se referia assim a Luís XIV: “Vá dizer ao meu amigo, o Rei da França…” A certa altura a Santa transmitia o seguinte recado ao Rei:

“O Sagrado Coração de Jesus não pede senão a vossa confiança em sua bondade para vos fazer experimentar a doçura e a força de seu socorro.”

A fórmula tomada assim parece dar a entender que o rei estava precisando de socorro e tinha noção disso, e que Nosso Senhor lhe dizia que se dirigisse a Ele, e não pedia outra coisa senão a confiança em seu Sagrado Coração, para que o monarca tivesse a experiência de sua bondade e da sua doçura. Como se afirmasse: “Eu não estou pedindo sacrifício, mas rogo esse passo delicado: que creiais na autenticidade da mensagem desta freirazinha, vinda de um convento de um lugarejo — que naquele tempo devia ser de mínima importância. Acreditai nisso e tudo correrá bem.”

Entretanto, que título Nosso Senhor dava para Luís XIV acreditar nisso? Prova não saiu nenhuma, não houve milagre, não aconteceu nada.

Francisco Lecaros
Abjuração de Henrique IV – Museu de Belas Artes, Pau, França

São coisas que se passaram entre Deus e Luís XIV… É possível que o monarca tenha tido antes um sonho, indicando que ele receberia uma mensagem ou qualquer coisa assim; ou que ele tenha recebido uma dessas graças interiores com as quais o Altíssimo toca as almas, por onde estas não têm dúvida nenhuma de que foi Deus Quem as tocou. Mas vejam o sacrifício para um racionalista: em certo momento Luís XIV teve que acreditar num paradoxo, numa coisa que era quase uma aberração. O maior rei da Terra receber do Sagrado Coração de Jesus um recado, por meio de uma freirinha afundada num convento ignorado, e mudar uma atitude interior diante de Nosso Senhor: acreditar num Deus que tem pena dele… Ele, o rei onipotente, que diante do Criador, não é senão uma formiga, e que precisa ser tratado com bondade, como uma criança doente é cuidada por sua mãe, e então será socorrido! Procurem colocar diante dos olhos a figura do rei com aquele estilão todo, e compreenderão o que isso representava. Mas era preciso passar por aí… Confiança, sim, mas ajoelhado e de mãos postas, confiando que seria tratado com bondade. Não é um meio colega de Deus, não; é de cabeça baixa, de chapéu no chão, pedindo perdão.

Atitudes da população de Paris em face de dois lances da Revolução

Quando Nosso Senhor declarou a Luís XIV “diga ao meu amigo, o Rei da França…”, isso tinha provavelmente vários sentidos: em primeiro lugar é que o Rei da França, por função, era amigo d’Ele. Mas tinha um significado pessoal também, quer dizer, Ele é amigo do Rei da França. Luís XIV tinha vários lados por onde ele podia ser chamado um homem que queria bem a Deus. Porque a contradição de certas almas muito chamadas é esta: têm coisas boas que conservam no meio do horror, e às vezes levam longe isto, e era o caso de Luís XIV.

Ele tinha uma concubina que, ao perceber estar sendo posta de lado pelo monarca, recorreu à magia negra, mandando até celebrar missa sacrílega para conservar-se nesse estado de pecado com Luís XIV.

Ao tomar conhecimento disso por meios seguros, Luís XIV teve uma espécie de náusea e de horror dela, e a ruptura se tornou definitiva.

O rei, portanto, chegou ao auge da humilhação, ao perceber que a mulher com a qual ele tinha prevaricado era dessa categoria e capaz disso por ambição. Na ponta do caminho Luís XIV encontrava satanás, porque ele tinha recusado um outro caminho em cujo extremo estava o Sagrado Coração de Jesus. É uma coisa tremenda!

Então, vemos nele aspectos bonitos, e depois lados horrorosos que metem medo. Também é verdade que, para a vista de um monarquista, Luís XIV é um sol que ainda não acabou de se pôr. Porque quando os povos se deslumbram com a monarquia e manifestam o desejo de que ela se restaure, é pelo anseio de ver restabelecida uma grandeza da qual o sol foi ele.

Uma coisa que chama a atenção é a diferença entre a conduta da população de Paris por ocasião das guerras de religião no século XVI, e depois no fim do século XVIII e início do XIX, durante a Revolução Francesa.

No tempo das guerras de religião, a população de Paris foi o grande baluarte da Religião Católica, para impedir que Henrique IV subisse ao trono como rei oficialmente protestante. Porque o problema da guerra era este: se ele, como oficialmente protestante, poderia ser Rei da França. E os católicos sustentavam que não; e uma parte ruim da população, bem entendido, todos os protestantes também, sustentavam que podia.

Gustavo Kralj
Luís XIV tendo ao fundo o Palácio das Tulherias – Palácio de Versailles, França

Paris ofereceu uma oposição invencível ao protestante Henrique IV. Aliás, é preciso dizer, essa oposição foi muito reforçada pelas tropas que Felipe II mandou para Paris. Afinal, vendo esta ultracatolicidade da população de Paris, Henrique IV assistiu a uma Missa — se não me engano em Notre-Dame ou em algum outro lugar público — para dar a entender que ele tinha se convertido. E teve esse dito cínico: “Paris bem vale uma Missa.” Daí por diante ele fingiu estar convertido, o tempo inteiro.

Entretanto, no fim do século XVIII não foi propriamente a população de Paris, mas uns aventureiros com um contributo de uma parte dessa população que fizeram a Revolução Francesa. Mas o grosso da população parisiense assistiu semi-indiferente, intimidada e desagradada a tudo isso até o fim.

Como é que Paris mudou tão enormemente?

A recusa de um convite

Se Luís XIV tivesse aceitado o convite de Santa Margarida Maria, ele restauraria a Paris do tempo das guerras de religião; não se pode pensar numa Revolução Francesa nesse clima. Creio que essa Revolução não teria arrebentado; as águas correriam para outro lado, simplesmente.

Em sentido contrário, a Paris da recusa dele foi a da Revolução Francesa. É uma coisa tremenda!

Nessa Revolução chegaram a promover esta blasfêmia: no dia seguinte ao assassinato de Marat, os revolucionários arrancaram-lhe o coração e ergueram uma espécie de altar improvisado, onde o expuseram, tendo embaixo a seguinte frase: “Sacré coeur de Marat, priez pour nous” — sagrado coração de Marat, rogai por nós. Como a dizer “não é o Coração de Jesus que vale, é o coração de Marat”.

Ora, quando consideramos a figura do Santo Sudário, vemos ali, segundo o dito de Bossuet, un Dieu brisé, rompu et immolé — um Deus ferido, quebrado e imolado —, mas com que majestade!

Embora Jesus esteja deitado, tem-se a noção do que seria Ele de pé. O busto ereto, o Corpo perfeito, o peito largo e o tronco que à medida que se aproxima dos quadris se torna mais estreito; a proporção perfeita entre a cabeça, os ombros e o tronco. Um aspecto que, para mim, aumenta a majestade d’Ele é o tamanho da cabeça. Por constituir exatamente a parte mais nobre, o fato de ser, a meu ver, quase um pouco grande para o conjunto, ainda é uma excelência na majestade e na nobreza.

O nariz, apesar de ter sido deformado pelas pancadas, reflete ainda uma lógica, uma coerência que chega até o último extremo. Toda a fisionomia d’Ele é lógica, coerente e, é preciso dizer, de uma severidade extraordinária!

Aquela boca que emitiu tantos ensinamentos, disse palavras tão carinhosas a Nossa Senhora, proferiu orações tão inexprimivelmente magníficas, não é verdade que, no Santo Sudário, essa boca parece estar fazendo uma censura? Esses olhos fechados estão ou não estão fitando a cada um de nós? É uma coisa evidente! É a majestade do Redentor que, através da face do Homem-Deus, julga quem está olhando e convida ao pedido de perdão e à penitência.

Pois bem, atrás desse peito pulsou um Coração Divino que seria revelado depois aos homens como símbolo do amor e da mentalidade d’Ele, e que fez a Luís XIV o convite que nós conhecemos…

(Extraído de conferência de 13/8/1991)

1) Jornalista e literato francês.

2) Do francês: Antigo Regime. Sistema social e político aristocrático em vigor na França entre os séculos XVI e XVIII.