As primeiras palavras da Salve-Rainha inspiram a quem as recita a plena confiança de que será atendido, apesar de suas misérias.
Pediram-me para fazer o comentário da Salve-Rainha. Devido ao pouco tempo de que disponho, vou comentar apenas as primeiras palavras desta bela oração: “Salve Rainha, Mãe de misericórdia…”
Rainha que tudo tem e tudo pode
Salve, em latim, é uma saudação, e passou assim para o português. Os latinos costumavam dizer salve como saudação, sem nenhum nexo e sentido com a ideia da salvação, “salvai-me”. Não é isso, é uma mera saudação. Então, “eu Vos saúdo”.
Agora vem outro ponto: “…Rainha, Mãe de misericórdia.”
Vemos aqui uma harmonia muito bonita. O autor da oração coloca antes de tudo o título d’Ela de Rainha.
Nossa Senhora é Rainha? Evidentemente, Ela o é, pois é a Mãe do Rei, e um Rei que faz tudo quanto Ela deseja.
Maria Santíssima é chamada a Onipotência Suplicante. Ela, de Si, é uma criatura humana como nós, mas a súplica feita por Ela é onipotente, porque pode tudo diante de Deus.
Assim, também enquanto suplicante, Maria é Rainha, porque Aquela que pode tudo é Rainha. Então, vem desde logo uma ideia posta ao alcance do fiel: Aquela a quem ele vai se dirigir é uma rainha; logo, Ela tem e pode tudo.
A rainha e o rei são de uma riqueza enorme. Normalmente são as pessoas mais ricas do reino, que dispõem da maior soma de poderes, honrarias e riquezas de toda ordem. Ela é a Rainha, quer dizer, tudo quanto Lhe peçamos Ela pode dar.
Ademais, Deus, que é o Filho d’Ela, concede tudo quanto sua Mãe insondavelmente perfeita Lhe pede. O resultado é que, quando pedimos alguma coisa a Ela, temos a certeza de que Ela pode dar, porque Ela tem. Isso nos leva a nos encher de confiança no nosso pedido.
Não há carinho como o materno
Mas vem logo depois: “Mãe de misericórdia.”
Mãe já traz consigo a ideia de misericórdia, porque o mais misericordioso e compassivo dos entes, numa época em que a instituição da família funcione normalmente, é a mãe. Mesmo o pai pode ser muito bom e seu afeto é indispensável para completar a educação do filho. Mas o carinho é com a mãe.
Lembro-me de ter assistido, certa vez, a uma cena minúscula em casa, entre meu pai e minha mãe.
Eu costumava, naquele tempo, sair logo depois do almoço para meu escritório de advocacia. Minha mãe me acompanhava até a porta do elevador, junto à qual tem uma escada. Às vezes eu estava com muita pressa e me impacientava com a lentidão do elevador, e descia a escada a toda pressa. Lembro-me de que, enquanto eu descia, ouvia minha mãe dizer: “Filhão, cuidado com o corre-corre.” Era um último sinal de carinho.
Mas um dia desci muito precipitadamente e esqueci um objeto em casa. Chegando na rua, senti falta do objeto e voltei para apanhá-lo. Passei ao lado de uma pequena sala de estar onde ela e meu pai costumavam ficar durante o dia. Estavam conversando, certos de que eu tinha ido embora.
Meu pai estava sentando numa poltrona e minha mãe, em pé junto a ele, dizia:
— João Paulo, hoje para o jantar eu mandei fazer tal prato. Você acha que o Plinio ficará satisfeito ou seria melhor preparar outra coisa?
Não parei para olhar, mas tive a impressão de que meu pai estava louco para tirar uma sesta, e respondeu negligentemente que estava bem.
Não satisfeita com a resposta, ela acrescentou:
— Não, mas quem sabe se fizer de tal outro jeito seria melhor.
— Também está bem — respondeu ele.
Como ele estava querendo dormir e ela continuava a insistir, ele disse:
— Bem se vê que mãe é mãe. Se fosse comigo eu diria: “Rapaz, tem aqui para jantar tal coisa, se você não quiser, vá jantar num restaurante.”
Ora, mamãe queria exatamente evitar que eu fosse para o restaurante, pelo gosto de estar e conversar comigo. É o carinho da mãe que é todo especial, único.
Mãe toda feita de misericórdia
Entretanto, não contente com esta ideia, o autor da Salve-Rainha pôs: “Mãe de misericórdia.” É uma Mãe toda feita de misericórdia.
O que quer dizer “misericórdia”? Cordis, em latim, é o coração. Miseri, os miseráveis. Portanto, para com os miseráveis Ela é “toda coração”. Os miseráveis são aqueles que não têm do que viver, estão na miséria. Porém, moralmente falando, são os pecadores que ofenderam muitas vezes a Nossa Senhora e deram a Ela razão para estar descontente. Se esses pecadores se voltarem e rezarem para Ela, encontrarão n’Ela uma Mãe de misericórdia toda disposta a atender.
Então, está tudo reunido para inspirar a maior confiança: Ela é uma rainha que tem tudo e pode tudo; é Mãe de misericórdia, “toda coração”, inclusive para os filhos mais miseráveis.
Quem pode deixar de ter toda a confiança na bondade d’Ela em que será atendido, quando faz esta oração?
(Extraído de conferência de 5/3/1992)