Desde a mais primitiva tribo de aborígenes à mais requintada corte, toda coletividade humana forma para si uma concepção particular acerca de determinadas características e aspirações. Essas ambições próprias a cada grupo é o que constitui para cada um o mundanismo.
Onde existem homens reunidos forma-se uma espécie de opinião dominante, que é o mundanismo próprio àquele grupo humano. Ainda que seja a coisa menos mundana, no sentido corrente da palavra, ou menos parecida com o mundanismo, é um mundanismo que sopra como tal.
Mundanismo, uma concepção de determinada coletividade
Por exemplo, em certas tribos aborígenes, com aquela espécie de madeira dentro dos lábios, desde que aquilo corresponda a um certo modo de sentir e de ver deles, e configure, segundo eles, o tipo humano aceito e considerado pela maioria, aquilo é mundanismo.
O mundanismo começa por ser uma concepção e uma atualização de um determinado tipo humano que, coletivamente, se tem como um tipo que o gênero humano, ou ao menos aquela coletividade, deve realizar. Seria como o ímã de atração de todo aquele grupo humano, que o mantém reunido e sobre o qual paira um consenso do tipo perfeito que aquela coletividade quer realizar. Mas, às vezes, é perfeito segundo uma concepção que sabem ser defeituosa.
Quando se define um tipo humano que não se forma em função das qualidades, mas dos defeitos ou de um pot-pourri entre as qualidades e os defeitos da coletividade, estes últimos têm mais dinamismo do que as qualidades, em virtude do pecado original. E acaba sendo que esse tipo humano sopra de um modo persecutório para quem não quer aceitá-lo. Se o sujeito recusa aquele tipo humano, ou ele se isola e toca a sua vida em separado — e assim mesmo será malvisto —, ou será perseguido. Porque ele não pode ser como uma pedra colocada no meio de um rio contra as águas e fazendo desordem.
Quando se trata da perseguição dos defeitos do tipo humano apontados em linha reta contra as qualidades, quer dizer, os bons têm um tipo humano e os maus têm outro, nós temos o sopro da moda, do mundanismo: são os maus; e temos o sopro da Contra-Revolução: são os bons.
Então, o que vem a ser o mundanismo? Vem a ser, in genere, o tipo humano preponderante, mau, que sopra contra o tipo humano bom que quer resistir.
O mundanismo e sua oposição ao espírito guerreiro
Especificamente, o mundanismo é um determinado tipo humano que nós conhecemos e que data da época da “felicidade terrena”, em que todo mundo colocou como felicidade gozar a vida na Terra. Então, é o padrão capaz de formar, por exemplo, o tipo humano consumista, para conseguir o gáudio, o deleite contínuo na vida terrena, este tipo alegre, folgazão, despreocupado, cada vez menos medieval, menos heroico, até desaparecer o heroísmo. Ora, onde já não existe o heroísmo, existe apenas o puro e suíno estado de gozar a vida.
Isso forma, na História humana, um período contra o qual o subconsumismo staliniano e fidelcastrista é uma reação em extremo oposto. Mas mundanismo é o soprar deste tipo humano, diletantista e consumista, em oposição ao espírito de cruz, de ideal, metafísico, batalhador e guerreiro da Idade Média.
Está na ordem das coisas que o tipo humano diletantista teria que acabar sendo relativista, porque ele não quer saber de outra coisa. Enquanto o tipo humano não diletantista teria que tender para a afirmação da verdade absoluta. Cada um busca radicalizar-se na sua posição.
Teoricamente, o tipo humano corresponderia à média da opinião geral, mas de fato não é, pelo seguinte: o homem, seja de que escola for, quando adota uma postura com adesão de fato, ele tende para a radicalidade. Mas essa radicalidade, que é uma resultante do pendor dele, é maior ou menor conforme a adesão que ele deu.
Em geral, a maioria não tem pendores vivos e possui uma tendência para a inércia, que é combatida pela atração do tipo humano. A maioria daria uma média bem inferior ao tipo humano. Contudo, não é tão simples assim, pois o tipo humano mediano não é feito de uma mediania compacta. Ele, enquanto mediano, tem horas nas quais ele deseja muito a radicalidade. E, portanto, gosta que em alguma medida o arrastem para essa radicalidade, ainda que seja só para admirar. E por causa disso, ele sempre é levado pelos piores do que ele, para mais longe do que ele iria por si. Mas, no fundo ele quer.
A soledade se estabelece, sobretudo, quando o tipo humano verdadeiramente católico fica só em relação ao tipo humano em vigor, que é velada ou claramente anticatólico. Assim, por exemplo, o católico autêntico poderia sentir-se isolado mesmo estando rodeado de outros católicos frouxos; seria um isolamento menos completo, mas não menos pungente do que se ele vivesse em meio a pagãos.
Tanto mais que alguns dos tipos humanos anticatólicos têm uma agressividade muito grande, velada em doçura.
O inter-relacionamento dentro das sociedades
No que diz respeito à formação do tipo humano, esta depende das circunstâncias, mas é um fenômeno tão importante que raras vezes deixa de ser verdade que a Providência e o demônio agem por detrás e por dentro dessas circunstâncias, em alguma medida. Existe uma automaticidade, sem dúvida, mas condicionada a isso.
Face a este assunto existem duas categorias de atitude. Uma é a de um tipo humano de uma sociedade, uma coletividade humana que está à procura do seu tipo. Mas quando ela está à procura, embora ainda não tenha encontrado, já sabe o que busca.
Outra atitude é a de um conjunto de homens que, sem perceber, se concerta em torno de uma certa concepção e ruma naquele sentido. Por exemplo, um grupinho de meninotes, rapazinhos de um bairro. Eles se constituem, às vezes, se imbricam muito durante o período de meninotes, mas se imbricam muito intensamente em torno de algumas coisas que são conjunções espontâneas, trazidas por circunstâncias, em torno de algo que é um tipo humano. Esse tipo humano muitas vezes é subconsciente e tende a ser realizado. Isso todo grupo tem, ainda que o tipo humano visado seja o da inércia e do desmazelo.
Posta a alma humana como é, e postas em contato essas almas entre si, levadas pelo instinto de sociabilidade, este instinto orquestra esses fenômenos todos. Há, portanto, regras fundamentais, simples, primeiras, que explicam o desenvolver desse inter-relacionamento dentro das sociedades. A respeito disso poderíamos tratar em outra ocasião.
(Extraído de conferência de 18/5/1989)