Não é deste mundo a concórdia sem jaça, a paz perfeita e eterna entre todos os homens. Nesta terra de exílio, as carências, as dissensões, as catástrofes são inevitáveis. E uma visão cristã da vida leva, ao mesmo tempo, a circunscrevê-las quanto possível e a resignar-se a elas porque inevitáveis.

São Luís Maria Grignion de Montfort1 nos mostra a vida dos povos como uma grandiosa, trágica e incessante guerra entre a verdade e o erro, o bem e o mal, o belo e o feio. Batalha sem a qual a existência terrena, desfalcada do seu significado sobrenatural, perderia sua dignidade.

Comentando as palavras do Gênesis (3,15): “Porei inimizades entre ti e a mulher, entre a tua posteridade e a dela. Ela te pisará a cabeça e tu armarás traições ao seu calcanhar”, observa com profundidade o grande Santo: “Uma única inimizade Deus promoveu e estabeleceu, inimizade irreconciliável, que não só há de durar, mas aumentar até o fim: a inimizade entre Maria, sua digna Mãe, e o demônio; entre os filhos e servos da Santíssima Virgem e os filhos e sequazes de Lúcifer; de modo que Maria é a mais terrível inimiga que Deus armou contra o demônio. Ele Lhe deu tanto ódio a esse amaldiçoado inimigo de Deus, tanta clarividência para descobrir a malícia dessa velha serpente, tanta força para vencer, esmagar e aniquilar esse ímpio orgulhoso, que o temor que Maria inspira ao demônio é maior do que o inspirado por todos os Anjos e homens e, em certo sentido, o próprio Deus.”

Ao longo da História, os filhos de Nossa Senhora batalharão até o fim do mundo contra os filhos de Satã. E a vitória final será dos primeiros, pela interferência da Mãe de Deus: “Deus estabeleceu inimizades, antipatias e ódios secretos entre os verdadeiros filhos e servos da Santíssima Virgem e os filhos e escravos do demônio. Os filhos de Belial, escravos de Satã, amigos do mundo (pois é a mesma coisa) sempre perseguiram e perseguirão aqueles que pertencem à Santíssima Virgem. Mas a humilde Maria será sempre vitoriosa na luta contra esse orgulhoso, e tão grande será a vitória final, que Ela chegará ao ponto de esmagar-lhe a cabeça, sede de todo o orgulho. Ela descobrirá sempre sua malícia de serpente, desvendará suas tramas infernais, desfará seus conselhos diabólicos, e até ao fim dos tempos garantirá seus fiéis servidores contra as garras de tão cruel inimigo.”

A supressão dessa luta por uma reconciliação ecumênica entre a Virgem com sua posteridade e a serpente com sua raça, rumo a uma era na qual a cessação utópica do entrechoque acarrete uma composição entre todos os direitos e interesses, uma interpenetração de todas as línguas sob um governo universal feito de fartura e despreocupação: eis a grande utopia contra a qual as massas se devem precaver; eis o regresso (ou antes, o retrocesso) à orgulhosa Torre de Babel, que de todos os modos o neopaganismo procura reerguer; eis a bandeira toda tecida de ilusão e de mentira com que, em todas as épocas, os demagogos procuram arrastar as massas insurrectas2.

1) Cf. Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem. Ed. Vozes: Petrópolis, 1961. 6ª ed., pp. 54-57.

2) Excertos do artigo Volta à Torre de Babel? Publicado em “Folha de São Paulo”, 12/8/1980.