A Providência permitiu que os verdadeiros católicos ficassem num aparente abandono. Quando eles tiverem sofrido com amor todas as dores que Deus lhes envia, chegará a hora em que se levantarão para dizer a este mundo todas as verdades, produzindo as mais inesperadas conversões e prostrando por terra os homens mais insolentes.
Os estudos de opinião pública indicam que todos os fenômenos que se passam na alma humana ocorrem, mutatis mutandis, nas sociedades, e não apenas numa geração, mas ao longo de várias gerações, de maneira que um ciclo de civilização faz em quinhentos anos o que se passa na alma de um homem em cinquenta ou em cinco anos. As civilizações têm grandes ascensões, grandes estabilidades, grandes harmonias porque vivem muito tempo. Em geral, quando morrem, isso acontece dentro do fracasso e da catástrofe.
O Ocidente foi dizendo “não” ou “talvez”
A civilização medieval pode ser comparada a um homem, e o processo acima descrito foi precisamente o que se deu na Idade Média.
A Idade Média, tão bela, nobre, rutilante, Deus a amou com todo o amor, era a obra-prima d’Ele. Nem a Cristandade do tempo dos mártires tinha sido tão pulcra quanto a Idade Média em seu apogeu.
Em determinado momento a Idade Média disse “não” ou “talvez”, “daqui a pouco”… E então a Providência passa a se colocar, por assim dizer, de joelhos diante dela, enviando sucessivos Santos, Ordens religiosas, Doutores, dando seguidas graças. Às vezes, esses Doutores retardavam o processo, e conseguiam até paralisá-lo, salvando muitas almas, mas não lograram absolutamente evitar que a Revolução fosse corroendo e abafando a civilização medieval, como a figueira brava circunda a árvore e a estrangula, tirando-lhe completamente a seiva que lhe dá a vida.
Compreendemos, assim, a razão pela qual parece haver um determinismo de vitória do mal, ao longo desse processo. É porque o Ocidente foi dizendo “não” ou “talvez” a todos os Santos que surgiram e, com isso, acumulando o castigo e o travo da hora última. Mais ainda – e é o mais terrível –, como o “não” não era completo e dentro da civilização do Ocidente muita gente tinha uma certa atitude de alma boa, muitos movimentos bons apareciam, a Providência retardava um pouco e permitia isso para que essa era da História da Igreja fosse, apesar de tudo, manifestando toda a sua beleza.
Assim foram sucessivamente aparecendo os grandes Santos, Doutores, missionários, estabelecimentos católicos, as grandes encíclicas, os notáveis movimentos de reação, belezas estas que a Igreja foi mostrando na medida em que ela ia sofrendo e sendo prostrada, mas tirava de si energias novas para novos tormentos, até chegarem as aflições e as energias extremas.
Santa Mônica e a conversão de Santo Agostinho
Raciocinando agora no sentido inverso, poderíamos aplicar a uma alma o acima dito sobre uma civilização, e notar como isso é parecido com a história de Santa Mônica. À medida que Santo Agostinho se afastava dela, essa santa mãe ia se tornando mais ardente, arrebatadora no suplicar a Deus e no pedir a seu filho rebelde que se convertesse, mais irresistível em cada contato com ele, porque ela aprimorava seus dotes maternos e recursos para salvar aquela alma. Agostinho resistia e ela se julgava derrotada, não compreendendo que, enquanto ele ia se infamando, ela ia tirando de dentro de si recursos e belezas novas, e dando novas glórias a Deus; e que a aceitação dela, num ato de conformidade e resignação a cada derrota, após cada “não” dele, marcava uma nova beleza para ela. Enquanto o filho ia dizendo “não” a Deus Nosso Senhor, que era, assim, “vencido” em Agostinho, Ele ia vencendo em Santa Mônica, a ponto de ela se tornar tão vencedora que, por assim dizer, venceu o próprio Deus.
É sabido que algum tempo antes de Santo Agostinho se converter, ela procurou um bispo que, vendo-a chorar pela conversão do filho, disse: “Vai-te em paz, mulher, e continua a viver assim, que não é possível que pereça o filho de tantas lágrimas.”1 Algum tempo depois, Santo Agostinho começou seu processo de conversão. Nota-se nisso o progresso da alma dela e as sucessivas vitórias de Deus na vencida. Se considerarmos essa história como sendo a de Santo Agostinho, ele terá sido o grande vencido. Se, ao contrário, fizermos dessa história a de Santa Mônica, oh! glória. Ao cabo de mais de trinta anos de tribulações e derrotas, essas lágrimas tiveram um tal preço que alcançaram de Deus a conversão do maldito, do inconversível, o qual, convertido, tornou-se um luzeiro para a Igreja.
Ela saboreou ainda na Terra a alegria da conversão do filho, e chegou a ter com ele aquele famoso colóquio numa pequena hospedaria na cidade de Óstia, perto do mar, onde estavam alojados até um navio partir para Cartago, onde tinham resolvido morar. Eles falavam, junto a uma janela, a respeito das coisas de Deus e a conversa foi tão alta que tiveram juntos um êxtase, no qual Santa Mônica tinha praticamente alcançado o fim de sua vida; pouco depois, em Óstia, ela morreu.
Qual é a natureza dessas renúncias? Ela não teria sido santa se, caso Deus lhe tivesse perguntado: “Mônica, aceitas que teu filho ainda prevarique e continues a rezar por ele, sem te revoltares?”, ela não tivesse dito com estas ou outras palavras ainda mais preciosas: “Estou disposta, Senhor!”
Quem sabe se na sua agonia isso não lhe foi perguntado? Era preciso chegar até lá. Nisso estava a beleza de Santa Mônica. Se ela ficou santa foi porque ou disse explicitamente ou estava disposta a isso, bem entendido, se recebesse da Providência as graças excepcionais que os grandes lances supõem.
Como aconteceu a Jó, todas as desgraças se abateram sobre a Igreja
Então compreendemos que se olharmos a Santa Igreja Católica na sua essência, ao longo desses tempos, temos a impressão de que ela é uma derrotada. Porém, nós poderíamos fazer uma história de tudo quanto de belo tem aparecido na Esposa de Cristo, desde Lutero até nossos dias, e chegar à conclusão sublime de que Deus foi vencedor, pois a Igreja foi manifestando cada vez mais a sua pulcritude porque o adversário foi mostrando cada vez mais a sua infâmia. Haveria de chegar um momento extremo em que, tanto a beleza da Igreja Católica como a infâmia do adversário se manifestariam na sua plenitude, dentro da desolação extrema.
A partir do momento em que esses dois auges estivessem manifestados, poder-se-ia dizer que essa competição estaria encerrada, e o relógio de Deus marcaria meia-noite. Chega a hora de mandar os Anjos vingadores, porque a Esposa de Cristo tinha terminado essa fase histórica mostrando toda a sua pulcritude; e daí por diante será varrida a face da Terra, virá a grande tempestade, o grande castigo, a grande glorificação da Santa Igreja.
Qual é a forma de beleza que a Igreja veio manifestando ao longo desse tempo? Foi dado aos seus inimigos fazerem com ela o que o demônio fez com Jó.
Narram as Sagradas Escrituras que o Criador disse ao demônio: “Reparaste no meu servo Jó? Na Terra não há outro igual; é um homem íntegro e reto, que teme a Deus e se afasta do mal” (Jó 1, 8). E o demônio retrucou que se o Onipotente permitisse que ele o atormentasse de todos os modos, veria como levaria Jó a pecar. E Deus, então, deu ao demônio licença para atormentá-lo em tudo, exceto tirar-lhe a vida (cf. Jó, 1, 9-11; 2, 3-6).
Do mesmo modo, aos adversários da Igreja foi permitido tudo, exceto uma coisa: ela continua a existir, mantém-se viva. Todas as desgraças se abateram sobre ela e, ao longo das gerações, gradualmente, cada vez mais a Igreja foi afundando, e com ela também os varões apostólicos, os verdadeiros homens de Deus foram perdendo a glória, a celebridade, a honra, sempre mais perseguidos e isolados, entretanto, cada vez mais dignos e conscientes da missão que representavam, descendo de ocaso em ocaso até nossa época.
São Francisco de Sales e o calvinista Teodoro de Beza
Considerem, por exemplo, o que era um bispo na Idade Média e comparem com um no tempo de São Francisco de Sales. Este representou uma das primeiras legitimidades exiladas e calcadas aos pés na quadra da Revolução. Bispo Príncipe de Genebra, cidade feita para todas as ortodoxias e purezas. É preciso ter estado lá para compreender isso: ar limpidíssimo, o Lago Léman cristalino como uma consciência tranquila, tudo é delicado, nobre, convida à virtude. Entretanto, foi instalado ali o calvinismo mais obstinado e repugnante.
Deus suscita um bispo de uma doçura inefável, um favo de mel dentro da História, que chega a penetrar em Genebra, a se dobrar diante de Teodoro de Beza e pedir que se converta. São Francisco de Sales era condenado à morte se entrasse em Genebra. Portanto, ele arriscou a própria vida.
Teodoro de Beza contou que, em determinado momento, ao ver o bispo legítimo diante dele, palhaço ilegítimo – porque a ilegitimidade forma palhaços, quando não criminosos –, sentiu sua alma vacilar, mas depois disse “não”, e São Francisco de Sales teve que sair da cidade.
Vendo ser o sorriso inútil, o Santo apela para as tropas, mas estas são derrotadas. Ele, o bispo fracassado, entretanto morre digno, sereno, tendo realizado esta atividade típica: já que os seus não quiseram beneficiar-se de sua doçura, ele escreveu obras exalando a suavidade da Igreja e da Providência para a Cristandade inteira: Introdução à vida devota, Tratado do amor de Deus, e uma série de outras obras, transformando-se em Doutor da Igreja; Doutor desprezado, mas que nem por isso perde a face. Desce dignamente à sepultura e sobe até os Céus, sem se incomodar. Foi rejeitado, mas permaneceu fiel.
Depois de São Francisco de Sales vieram vários bem-aventurados, até aparecerem, no século XIX, os grandes santos das obras de caridade materiais. Em todas as épocas os santos fizeram obras de caridade materiais, mas os do século XIX primaram nesse assunto de um modo especial, sem que tivessem com isso relaxado, no mínimo que fosse, as obras de caridade espirituais.
Do fundo do vale se ergue o lírio mais puro
É então Dom Bosco, por exemplo, o qual faz com que até Cavour, o homem das perseguições religiosas, ajudasse a sua obra. Contudo, Cavour não se converteu, nem a Itália revolucionária, apesar de tantos outros Santos. Só em Turim havia cinco grandes Santos, entre os quais São José Cottolengo, um homem inteligentíssimo que fundou a obra da Divina Providência. Mostra-se ainda hoje sua cadeira de escritório onde Nossa Senhora sentava-Se para conversar com ele. Entretanto, São João Bosco foi rejeitado como tantos outros bem-aventurados. Todos eles morrem na aparência derrotados, mas na dignidade e tranquilidade. É a longa sucessão de derrotados a caminhar pela História, como uma procissão serena de triunfadores, sem empáfia, sem amor-próprio, sem gabolice, mas também sem o menor complexo de inferioridade, com os olhos postos em Deus e sabendo que quem está unido a Ele acaba por triunfar.
Apesar disso, o mundo vai piorando. Parece que a Providência abandonou a Contra-Revolução.
Nós não sabemos sondar até o fim os desígnios de Deus. Na realidade, Ele estava tornando possível o advento de uma época em que fosse feita a increpação última, e a bofetada derradeira pudesse soar, sonora, na face impura da Revolução desmascarada.
Por outro lado, não houve nada em que a Igreja não se revelasse belíssima. Esta é a mais alta beleza que se destila desse extremo da luta. É a epopeia da fidelidade, quando a infidelidade fez devastações que nenhum espírito ousaria imaginar; diante de cuja possibilidade teológica muitos Santos gemeram, dizendo: “A misericórdia divina não permitirá.” Aquela situação tão triste, que alguns Santos julgaram que a misericórdia divina não permitiria, verificou-se. Ficará consignado para a História que, pela graça de Nossa Senhora, houve católicos que levaram a fidelidade a um tal ponto que, nessa situação, onde muitos santos pensaram ser tal o horror que a Providência não permitiria, naqueles despenhadeiros tão profundos que se pensaria não haver vida, ali houve vida, houve fidelidade, porque houve quem esperasse o auxílio de Nossa Senhora. Por isso, algo acontecerá por onde Maria Santíssima vencerá.
Foi quando o filho pródigo estava comendo as bolotas dos porcos que ele se lembrou da casa paterna. Sendo possível dar à Igreja essa forma de glória que consiste no retorno da humanidade perdida, não era preciso que houvesse uma época histórica na qual alguém lhe desse essa glória? E se era necessário, bem-aventurados os homens que nasceram para padecer essa tristeza, esse isolamento, esse desprezo e essas delongas, para habitar o fundo desse vale. Porque é do fundo do vale que haveria de se erguer o lírio mais puro, elevar o voo a águia que mais alto voasse, e de onde uma nova era histórica recomeçasse.
Vozes puras e sem fraude, capazes de chacoalhar as colunas da impiedade
Embora se veja que o vale não poderia ser mais fundo, pode ser que a intervenção divina demore um pouco e tenhamos ainda um estertor a dar.
Nosso Senhor, depois de proferido o “Consummatum est” e tendo morrido, quando se pensava que Ele tinha dado tudo, ainda foi necessário arrancar d’Ele a última gota de Sangue misturado com água. E depois de Ele ter sofrido todas as feridas possíveis, foi preciso que Ele fosse ferido no Coração (cf. Jo 19, 30.34).
Talvez julguemos que mais nada tenha de acontecer, mas há ainda uma ponta no caminho de nossas aflições para sofrer. Será um último lance, o mais terrível. Quando será? Deixando essa incógnita, Nossa Senhora nos pergunta:
“Meu filho, tu aguentas a possibilidade de ser tanto tempo que te dê aflições, arrepios de demorar ainda mais? Suportas a eventualidade de ser bem mais do que imaginas?”
Nesse momento, se dissermos com toda a alma: “Minha Mãe, eu suporto”, talvez a nossa medida esteja cheia e Deus, afinal, intervenha.
A nós compete admirar toda a sabedoria que a Providência revelou nessa luta lenta, deixando-nos nesse aparente abandono. Tomando consciência de que fulgores dos mais belos, de uma suprema beleza da Santa Igreja Católica, se desprendem dos que permanecerem fiéis e se desprenderão ainda mais, quando chegar a hora desses se levantarem como increpadores para dizer a este mundo todas as verdades que ele não quer ouvir.
Mas esses increpadores só terão a voz capaz de fender os morros, fazendo-os saltar como cabritos, produzindo as mais inesperadas conversões e prostrando por terra os homens mais insolentes, audaciosos e orgulhosos, quando esses fiéis tiverem bebido toda a taça de fel. Tais almas poderão increpar porque se tornaram como São Bartolomeu: verdadeiros israelitas nos quais não há fraude. Serão vozes puras e sem fraude, capazes verdadeiramente de tomar as colunas da impiedade contemporânea e chacoalhá-las.
Esperemos mais um pouco, estejamos prontos a, eventualmente, esperar muito, dispostos a tudo e digamos: “Pai meu, se for possível afaste de mim este cálice. Mas faça-se a vossa vontade e não a minha” (cf. Lc 22, 42).
Assim, ainda que sejamos um punhado de almas, teremos vencido a Revolução, porque o ponto final será posto quando alguém disser um “sim” tão íntegro que acabe fechando os parêntesis, e finalizando a frase maldita iniciada por aquele que, em certo momento, disse “talvez” e começou a Revolução.
Essa última palavra de fidelidade extrema nós somos chamados a proferi-la juntos, dizendo a Nossa Senhora como Ela respondeu ao Anjo: Ecce ancilla Domini. Fiat mihi secundum verbum tuum (Lc 1, 38). Assim nós devemos afirmar: “Minha Mãe, nós somos vossos escravos. Faça-se em nós, para a glória ou para o opróbrio, para as felicidades ou para as tormentas, segundo a vossa palavra. Vamos lutar até o fim contra a Revolução. Esse é o nosso objetivo”.
(Extraído de conferência de 24/2/1974)
1) SANTO AGOSTINHO. Confissões. Livro III, c. XII.