Santo Tomás de Aquino jovem - Igreja de São Domingos, Osuna, Espanha; Parque Nacional de Yellowstone, Estados Unidos

A pessoa com espírito verdadeiramente católico é muito hierárquica, pois em todas as coisas procura os arquétipos aptos a encaminhá-la para Deus Nosso Senhor. Eis o ponto fundamental de toda verdadeira formação católica, nos termos que podem interessar ao homem de nossos dias.

São Tomás apresenta cinco provas racionais da existência de Deus. Destas provas uma das menos tratadas pelos autores de vida espiritual é a chamada “quarta via” 1. Esta procede de um princípio muito bonito que tentarei explicar agora.

As qualidades existentes em determinado ser procedem de seres superiores

Exprimindo-me em termos meramente físicos, se eu analiso um azul-claro percebo que deve haver uma cor intensamente azul da qual este azul tênue não é senão uma mistura. O fato de existir o azul tênue é uma prova de que em algum lugar do mundo há um azul-marinho intenso, carregado.

Gabriel K.
Madonna dei Raccomandati – Catedral de Orvieto, Itália
Royal Collection (CC3.0)
Elisbeth I no dia de sua coroação Coleção Real, Londres, Inglaterra

Então, poderíamos afirmar, de algum modo quase alegórico, que todos os azuis existem porque há um azul – que, numa linguagem também inadequada, chamaríamos de absoluto – do qual todos os outros são dimanações.

Esse princípio abre o nosso espírito para outro mais genérico: sempre que uma coisa tem uma qualidade em determinado grau, ela só existe porque há algo mais perfeito do qual ela participa. O ser dotado de qualidade em grau menos alto participa de algum modo dessa mesma qualidade existente em grau supremo em outro ser.

Suponhamos que alguém vá à Inglaterra e encontre várias senhoras finas, distintas. São senhoras da boa burguesia antiga e tradicional da Inglaterra. Donde receberam as influências que as tornam tão finas? De uma classe social superior, a nobreza, que ainda tem muito mais finura do que essas senhoras da burguesia. Portanto, a finura delas é a participação da finura das senhoras nobres. E essas senhoras da nobreza, de quem receberam esta finura? De uma rainha, o protótipo da finura, que possui essa qualidade como em sua fonte. Há burgueses finos porque existem nobres, e nobres porque há reis.

Num país com a vida cultural bem constituída, se vemos homens muito cultos chegamos à conclusão de que esse país tem excelentes universidades e deve contar com grandes sábios, porque não pode haver tantos homens cultos sem a existência de um foco em uma universidade dotada de alguns sábios, pelo menos. Quer dizer, deve haver sempre focos de irradiação de qualidade dos quais os outros participam.

Assim está organizado o universo. Todas as qualidades existentes em determinado ser procedem de seres superiores.

Pirâmide de arquétipos

Deste princípio São Tomás tira a seguinte conclusão: se existe numa criatura uma qualidade qualquer, deve haver um ser extrínseco ao universo criado que tenha essa qualidade em grau infinito.

Com efeito, o exemplo da rainha não explica tudo, pois quem lhe deu tal predicado? Se chego apenas até a rainha, tenho uma pirâmide truncada. Deve existir um Ser de quem ela tenha recebido aquela qualidade, o qual, por sua vez, a possua de modo absoluto e infinito, e não a tenha recebido de ninguém. Este Ser no qual todas as coisas excelentes existem de um modo perfeito e infinito é Deus.

Assim, o fato de haver no mundo coisas belas, nobres, elevadas, harmônicas, ordenadas demonstra a existência de Deus. Demonstração esta muito importante para se compreender o verdadeiro feitio do espírito católico e o dinamismo do amor de Deus.

Nisso está, inclusive, a prova da existência dos Anjos, pois é preciso haver criaturas que tenham de um modo arquetípico essas qualidades, e é de arquétipos em arquétipos, ora maiores, ora menores, que as coisas se difundem.

O arquétipo é um tipo que tem certas qualidades de um modo ultracaracterístico, saliente e pleno, tanto quanto cabe em uma criatura. Então podemos ter tanto um rei quanto um porteiro, como um guerreiro ou um professor arquetípico.

Arquivo Revista
Dr. Plinio recebe a Sagrada Eucaristia em 1990

Quando existe um arquétipo, florescem em torno dele muitos homens possuindo em grau menor as qualidades desse arquétipo, participadas dele. E para que as qualidades existam no gênero humano é preciso haver uma pirâmide de arquétipos.

Todas as qualidades presentes nas criaturas existem em Deus de modo infinito

Porém, para além do gênero humano deve haver Anjos que possuam determinada qualidade com uma densidade muito maior do que nós, homens, temos. E depois é preciso que haja Deus. Quer dizer, prova-se a existência dos Anjos com o mesmo argumento da existência de Deus.

Todas as qualidades presentes nas criaturas – Anjos, homens, animais, vegetais e minerais – existem em Deus de modo infinito. Por que um brilhante brilha? Porque Deus tem, de um modo espiritual, uma qualidade cuja imagem material é o brilhante. Se Deus deixasse de existir, todos os brilhantes deixariam de brilhar porque todo o brilho dos brilhantes deflui continuamente de Deus que não brilha como uma pedra porque Ele não é pedra, mas tem uma perfeição que a pedra imita brilhando.

O perfume de uma flor é uma qualidade que, a seu modo, existe de maneira infinita em Deus, como num espírito e não como na matéria. Ao sentir o aroma daquela flor tem-se uma ideia misteriosa e inefável de algo presente em um Ser perfeito e infinito.

Passando para o gênero humano, se eu conhecesse um perfeito causeur, um homem que conversa brilhantemente, portanto agradável, interessante, atraente, gentil, enfim, com todas as qualidades possíveis, teria vontade de passar o tempo inteiro em contato com essa pessoa.

Imaginem alguém cujo repouso me descansasse, cuja ação me estimulasse a agir, cujo timbre de voz soasse para mim como uma música, cujo olhar emitisse uma luz, cuja presença fosse um calor! Pois bem, eu olharia para esse homem e pensaria: “Ele é um tão grande causeur, entretanto poderia ser mais. Em última análise, se ele tem isso deve haver alguém que tenha mais do que ele e, por fim, um Ser que possua essa qualidade em proporções infinitas. Que maravilha quando eu puder ver Deus face a face!”

Todas as coisas foram criadas e dispostas para despertar em nós o gosto pelo mais. Querer mais é o movimento contínuo da alma católica. Não só desejar mais, mas querer tudo. E porque quer tudo, não encontra a plena satisfação em nada terreno, mas a razão mostra que existe além da Terra e de um modo infinito.

Fra Angelico (CC3.0)
Fra Angelico visitado pelos anjos Museu de Belas Artes de Rouen, França

Nasce, então, a possibilidade de gostar das coisas de um modo não frustrante, porque embora todas as criaturas decepcionem, considerando-as nesta linha elas contêm um anúncio, uma promessa e um antegozo. Aí sim somos capazes de viver, tendo o espírito anti-igualitário, pois naqueles que são arquétipos vemos imagens de Deus, aptas a me atrair como a plenitude atrai a parte, mas que me encaminham depois para a plenitude das plenitudes que é Deus Nosso Senhor. Por esta forma eu me oriento para Deus. Eis como o espírito católico deve estar continuamente considerando as coisas.

Isso é viver; o resto é arrastar a vida

Esta postura diante da vida, ao invés de torná-la monótona, torna-a entretida. Tenho pena de quem não faz isso como alguém que enxerga tem compaixão de um cego. Mais ainda: se aguento tantos dissabores desde a manhã até a noite é porque este entretenimento me dá forças. Por exemplo, na hora da Comunhão pensar como este Deus perfeito e absoluto, omne delectamentum in Se habentem – tendo em Si toda espécie de sabores –, embora de modo insensível, entra na minha alma, e já nesta Terra, nesta noite, me é concedida a semente da luz que terei quando meus olhos se fecharem definitivamente para este mundo.

Esta é a impostação do espírito católico, o qual é muito hierárquico, porque em todas as coisas procura o arquétipo, a maior perfeição criada, e depois voa para a perfeição incriada.

Dou um exemplo de como se faz uma operação mental dessas. Enquanto falava, meus olhos caíram na parte de trás dessa imagem de Nossa Senhora, e me chamou a atenção a boa ordenação das dobras do manto esculpido, dando a impressão de um pano grosso que não se deixou amarfanhar nem amarrotar, mas que também não está dobradinho como para uma vitrine; são dobras aparentemente espontâneas, produzidas por um bonito movimento.

Passou-me pela mente como seria interessante estar junto ao escultor e vê-lo imaginar essas dobras. Por assim dizer, entrar na sua cabeça e ver qual o estado de espírito por onde ele excogitou isso. Para mim, ver o espírito dele produzir a dobra é ainda mais interessante do que fazê-la. Então, ter visto o escultor excogitar a dobra, esculpi-la, olhar para ela e, por fim, analisar a fisionomia do escultor e fechar o ciclo da minha observação entreter-me-ia extraordinariamente. Em vários museus europeus vi artistas pintando e gente em volta olhando os pintores, e compreendo isso.

Porém eu quereria mais. Como seria maravilhoso ver Deus quando criou o mundo! Na criação de todo o universo, que coisa superior! Deus é eterno e imutável, e vendo-O face a face, eu O verei como quando Ele estava criando o universo.

Está aí uma meditação que me eleva. Isso é viver, o resto é arrastar a vida.

(Extraído de conferência de 17/11/1972)

1) Cf. Suma Teológica I, q. 2, a. 3.