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A graça que habita a criança batizada

Quando a criança é batizada, torna-se templo do Espírito Santo. À medida que vai amadurecendo, Deus acompanha o desabrochar de sua inteligência, vontade e sensibilidade. Já nos primeiros lampejos da razão começa a existir algo da noção de culpa e a possibilidade de um pecado, pois ela já tem livre-arbítrio e responsabilidade moral. Inicia-se, então, certa luta dentro da criança, que é a batalha travada por Deus com o demônio.

Arquivo Revista
O pequeno Plinio nos braços de sua mãe, Dona Lucilia

Evidentemente, quando fui batizado eu não possuía consciência de mim mesmo, de maneira que não tenho a menor sombra de recordação do meu Batismo. Devo, como todas as crianças, ter chorado muito, e estou certo de que recebi a graça batismal porque todos a recebem quando são batizados. Isso é de Fé, de maneira que não tenho dúvida a esse respeito.

A felicidade do Limbo e a do Céu

A Doutrina Católica aconselha que a criança receba o sacramento do Batismo o mais cedo possível, entre outras razões porque pode acontecer que ela morra de um modo inopinado. Ainda que seja uma criança bem constituída e forte, ela pode falecer, por exemplo, devido a uma sufocação. E, se morrer sem ser batizada, não irá para o Céu, mas para o Limbo, que é um lugar de uma felicidade inteira, porém de segunda ordem.

Para termos ideia do que seja essa felicidade, imaginemos o seguinte: uma pessoa vai morar em Versailles, no melhor dos apartamentos, no auge do luxo, do conforto, da boa mesa, e privando com o rei continuamente. Essa pessoa pode-se dizer que reuniu em torno de si vários elementos de felicidade. Não é uma felicidade perfeita, porque na Terra ela não existe.

Tim Schapker (CC3.0)

Anjelayo (CC3.0)
Aposentos de Versailles

Mas podemos supor uma pessoa que, por desígnio de Deus, gozasse em Versailles de uma felicidade suprema: tivesse uma inteligência perfeita, uma vontade de ferro, uma sensibilidade muito proporcionada, harmoniosa, bem como todas as qualidades que tornam uma pessoa atraente e agradável. Ela seria, portanto, com exceção do rei, o centro da corte, que atrairia todo mundo em torno de si.

Havia pessoas assim tão apreciadas na corte que ultrapassavam o monarca. O Rei Luís XIV, por exemplo, tinha um primo relativamente próximo que possuía o dom da conversa fascinante; chamava-se Príncipe de Conti. Quando o Monarca estava numa sala e entrava esse Príncipe, pelo protocolo ele precisava dirigir-se ao Rei e fazer uma profunda reverência, à qual o soberano respondia com um cumprimento superior e mais discreto. E se o Rei não lhe dirigisse a palavra, ele ia para qualquer canto da sala a fim de conversar com outras pessoas. Em pouco tempo Luís XIV estava quase sem gente em torno de si, porque o Príncipe de Conti sabia conversar de tal modo que as pessoas deixavam simplesmente o Rei e iam ouvi-lo falar.

Uma das coisas que torna a nossa vida agradável é nos sentirmos agradáveis aos outros. O fato de as pessoas se regalarem com o Príncipe de Conti, desejarem e preferirem sua presença à do próprio “Rei Sol”, é mais do que ser Luís XIV, no meu modo de entender.

Esse ramo da família real era muito capaz. Os Conti construíram um castelo para eles próprios, a uma distância não muito grande do Palácio de Versailles. O castelo foi ficando tão bonito que Luís XIV mandou um recado: “Proíbo-lhes aumentar o castelo ou pôr enfeites, porque deixa Versailles na sombra.” Vemos assim como eles sabiam fazer as coisas.

Então, imaginemos um homem que, além de tudo quanto descrevi acima, tivesse o dom da conversa que o Príncipe de Conti possuía. Enfim, com um homem assim poder-se-ia imaginar um pouco o que seria a felicidade existente no Limbo.

Mas a felicidade do Céu deixa o Limbo a anos-luz de diferença, porque no Paraíso Celeste a pessoa vê face a face a Deus que é infinito e, por assim dizer, dialoga sem cessar com cada um dos habitantes do Céu. Então, é uma felicidade perfeita, infinita, que com nada se pode comparar.

Arquivo Revista
Dr. Plinio em junho de 1994
Flávio Lourenço
Santa Ana instruindo a Santíssima Virgem – Museu do Prado, Madri, Espanha

Começa uma batalha no interior da criança

Não se pode, por relaxamento, adiar o Batismo. Compreendemos, portanto, que uma criança, logo que foi batizada até iniciar o uso da razão, não se lembre de nada. Embora seja um templo perfeito do Espírito Santo, ela não começou ainda a ter aquela consciência da graça que adquire à medida que for amadurecendo e compreendendo melhor esse dom divino.

Tal é o valor da graça que habita uma criança batizada, que houve um Santo – cujo nome não me lembro, e creio terem existido outros Santos que faziam isso –, o qual, encontrando uma criancinha recém-batizada, costumava osculá-la no peito, porque, dizia ele, era o tabernáculo do Espírito Santo.

À medida que a criança vai amadurecendo, Deus acompanha o desabrochar da inteligência dela, bem como de sua vontade e sensibilidade. Nos primeiros lampejos da razão, já começa a existir alguma coisa da noção de culpa ou não culpa. E como tal, a possibilidade de um pecado, pois ela já tem livre-arbítrio e responsabilidade moral.

Começa então certa batalha dentro da criança, que é a batalha travada por Deus com o demônio dentro de cada um de nós.

Digamos, por exemplo, que uma criança esteja brincando em seu quarto. Sua mãe, que é extremamente carinhosa, bondosa, entra no cômodo, mas a criança está com mais vontade de brincar do que receber as carícias da mãe. Notando que seu filho tem pouco desejo de estar com ela, a mãe agrada-o ainda mais para ver se o atrai.

Inspetoria Salesiana de São Paulo
Nossa Senhora Auxiliadora – Santuário do Sagrado Coração de Jesus, São Paulo, Brasil

A criança pode ter um pequeno ato de má vontade em relação à mãe, que é o ponto de partida de uma série de implicâncias que continuam até a morte.

Pelo contrário, se a criança se vence, passa os braços em torno do pescoço da mãe, diz: “Oh, mamãe!” e beija-a, ela quebrou em algo uma unha do demônio que este queria cravar nela. E, desta forma, ela começou a tomar uma atitude enérgica contra seus próprios defeitos, que pode ir até o extremo da velhice. Portanto, nos primórdios da vida espiritual já está presente alguma coisa que puxa a pessoa para o bem ou para o mal. Em geral, se prestarmos atenção, notaremos que toda a vida da criança é cheia de coisas dessas.

Minha alma estava como que colada à alma de Dona Lucilia

Recordo-me de que, sendo criança, restabelecendo-me de uma enfermidade, certo dia o médico disse à minha mãe:

— Ele não está mais doente, mas deve ficar na cama para se preservar um pouco e recuperar forças – eu era um menino muito fraco. A senhora alimenta-o quanto puder, dê-lhe tais e tais remédios e amanhã ou depois ele estará bom. Mamãe ficou naturalmente contentíssima.

Em minha infância, acompanhei isso a ponto de poder contar pormenores; eu tinha minha alma por assim dizer colada na alma dela. Não eram raciocínios que eu fazia, mas agia razoavelmente.

Quer dizer, a retidão que o Batismo pôs em mim levava-me a querer o carinho de mamãe e a dedicar-me a ela como ela se dedicava a mim. Eu sentia uma alegria em estar com ela, como não tinha com ninguém. E, embora eu estivesse ainda abalado, se me dissessem: “Você ficando bom, Dona Lucilia vai fazer uma viagem”, eu preferia permanecer de cama me restabelecendo, e que ela não viajasse.

Nessas circunstâncias, havia uma porção de atos de carinho dela para comigo, aos quais de um modo geral – não a cada um deles – eu deveria corresponder com afeto amoroso. De maneira que quanto mais ela se dava, mais eu me entregava a ela e a união de nossas almas começasse perfeitamente nesta ocasião, embora eu fosse um menininho.

E posso dizer que se não andei perfeitamente – não me lembro de nenhuma falta, mas pode ter havido –, andei quase perfeitamente. Isso me ajudou muito a que, mais tarde, quando fui posto diante do fenômeno religioso na Igreja do Coração de Jesus, a minha alma estivesse retamente aberta para aceitar aquela temática, mais ou menos como uma planta que respira o ar bom e disso ela vive.

Essa retidão preparou uma retidão muito maior: diante do Sagrado Coração de Jesus, do Coração Imaculado de Maria, da Liturgia católica, da Missa, do órgão, da Santa Igreja. Assim, passo a passo, Nossa Senhora me ajudou e me dispôs de maneira a que eu chegasse a ser, melhor ou pior, quem sou hoje.

(Extraído de conferência de 25/6/1994)

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