A temperança é uma virtude cardeal cujo efeito próprio é auxiliar cada uma das demais virtudes a exercer-se perfeitamente. O vício oposto, a intemperança, foi especialmente desencadeada na sociedade em fins da Idade Média, mas a Revolução Industrial imprimiu-lhe um ritmo vertiginoso.
Devemos considerar os elementos constitutivos da intemperança, enquanto produzida artificialmente pela Revolução Industrial.
Um processo lento que se torna vertiginoso no início do século XX
O papel da Revolução Industrial, como desencadeadora de todas as intemperanças, fica mais claro se tomarmos em consideração que a temperança é uma virtude cardeal cujo efeito próprio, conjugada com as demais virtudes, é auxiliar cada uma delas a exercer-se perfeitamente. Por exemplo, a fortaleza, em certo sentido, pode existir em um homem sem a temperança: um grande batalhador, um corajoso, um Ferrabrás, tem elementos muito característicos da virtude da fortaleza; porém só a praticará com perfeição se for temperante.
A intemperança foi especialmente desencadeada em fins da Idade Média. Portanto, quando a Revolução Industrial arrebentou já havia séculos de intemperança estabelecidos. Apesar disso, ela imprimiu, à sua maneira, um ritmo vertiginoso àquilo que já vinha mar alto. A análise de algumas fotografias dos Estados Unidos, no início do século XX, pode nos ajudar a compreender o modo pelo qual a Revolução Industrial produziu esse efeito.
Em termos de História francesa, poderíamos situar o início da Revolução Industrial no reinado de Luís Filipe1. A máquina a vapor e coisas congêneres tiveram uma expansão muito lenta no começo, não sendo suficiente para desatarraxar logo os costumes. Este fenômeno verificou-se também nos Estados Unidos. A partir de certo momento essa Revolução foi tomando intensidade e, em 1850, já estavam postas todas as condições para seu amplo crescimento. E meio século mais tarde, ao despontar o século XX, ela já tivera tempo à vontade para se desenvolver.
Entrada dos Estados Unidos na Primeira Guerra Mundial
É muito pitoresco notar, pelos trajes desse período, como a velha Europa mantinha ainda “acorrentados” os Estados Unidos que, por si, queriam ir muito mais longe. Um exemplo característico é o passeio das famílias pela praia. Embora já indicasse um desejo de entrar no mar, os vestidos lembram as senhoras nas ruas de Berlim, na mesma época.
Percebe-se, no contexto histórico geral, que a psicologia americana era louca para avançar muito mais nesse tempo, mas como as senhoras de Berlim, e também as de São Petersburgo, Viena, Paris, Londres, andavam todas assim, as norte-americanas não ousavam ir além.
Quando este prestígio da Europa, que funcionava como freio da intemperança, se rompeu? Com a entrada dos Estados Unidos na Primeira Guerra, como grande potência mundial. De maneira que, se quiséssemos classificar as consequências históricas desse conflito, sob o ponto de vista de ambientes e costumes, diríamos que o grande acontecimento, com a queda da Áustria, do último Sacro Império, foi, em certo sentido, a ruína da Europa inteira diante do poderio norte-americano.
Comunismo, ecologia, nudismo
Notem a contradição entre os trajes e as atitudes das mulheres nesse ambiente campestre. Esse jogo já cheira ao esporte, ao estádio, a tudo quanto conduz à masculinização da mulher. Entretanto, nas roupas a influência da velha Europa se impõe.
A humanidade preparava-se para os efeitos da Primeira Guerra Mundial. Porém, quando eclodiu a Segunda Guerra Mundial, os maiôs já tinham invadido as praias e as pessoas se preparavam para os efeitos do comunismo.
É interessante considerar que essa presença junto ao mar e esses prazeres campestres têm um bisneto: a ecologia. Não quer dizer que a pessoa seja ecologista por passear no campo. Contudo, trata-se de uma reação contra o costume das pessoas, no século XIX, de ficarem todo o tempo em casa, fechadas, com horror às excursões. Essa reação, feita de um modo intemperante, provoca uma explosão cujo bisneto é a ecologia.
E pelo modo como eles viam a natureza, os trajes tinham que dar no nudismo. Por exemplo, o traje campestre de uma alemã de tempos anteriores que faz um passeio no mato é adequado a essa finalidade. Mas a mulher que passeia no mato sem a indumentária apropriada, de repente quer encolher a saia ou qualquer outra coisa, etc. É forçoso.
Eu acho que a vida social é, talvez, dos vários aspectos de uma sociedade, o mais indicativo de uma psicologia, de uma mentalidade. E como tal tem uma importância histórica enorme, mais como documento do que como acontecimento. Mas como acontecimento também tem muita importância.
Saudação de um mundo sem tradição
Então chegou o automóvel! É interessante nas primeiras corridas de carro notar o estado de espírito do triunfo. Estão todos triunfantes e querendo se mostrar, como se participassem um pouco da proeza dos competidores. Não havia heroísmo nenhum dentro disso. Não arriscaram a vida em nada.
É a alegria vivaz de quem saúda o advento de uma era nova, como que dizendo “Viva o progresso!” É a despedida do passado, a ruptura com a tradição e a saudação de um mundo sem tradição.
As pessoas saúdam nisso um estado de espírito despreocupado, prático, libertado de considerações sentimentais ou metafísicas do século passado, livre dos vínculos tradicionais que ainda amarravam o homem às regras de educação difíceis, complexas, às normas de agir subtis, etc. É a técnica se libertando do pensamento.
Outro efeito da Revolução Industrial, que não aparece nessas fotografias, é a arte moderna. A arte procurou adaptar-se à Revolução Industrial, e nessa adaptação ela encontrou um modo sofismado de se reduzir ao caixotão e às formas simplicíssimas. Isso ainda não havia surgido no tempo em que foram tiradas essas fotografias.
Na foto do concerto de banda, nota-se a seriedade ainda existente antes da Primeira Guerra Mundial, misturada com os costumes futuros.
Tudo isto iria desaparecer. Não devemos transformar essas considerações num histórico da alma norte-americana, mas procurar os efeitos da Revolução Industrial sobre tudo isso.
Esses trajes, que as pessoas usavam só no campo, tornaram-se depois a indumentária para viajar em trem, ônibus, automóvel a toda velocidade, em suma viver no regime de negócios americano. Todos os ritmos da Revolução Industrial convidavam para isso.
(Extraído de conferência de 10/9/1986)
1) Reinou de 1830 a 1848.