www.rijksmuseum.nl (CC3.0)
Família reunida em torno de um cravo (pintura de Cornelis Troost, 1739) - Museu do Estado, Amsterdã, Países Baixos

Iniciado com a eclosão da Revolução, um longo movimento de incompatibilidade progressiva do homem com as condições comuns de sua existência quebrou a ordem do universo, substituindo-a por outra fabricada pela Revolução Industrial. Todo o desvario de uma época, entretanto, foi precedido por um século de tédio e seriedade engomada que reprimiram no homem energias, as quais, uma vez desencadeadas, não tiveram contrapesos que as equilibrassem e harmonizassem.

No período de 1920 a 1930, anos da norte-americanização, com base nas invenções todo o ritmo da vida humana mudou. Não era propriamente um ritmo, mas um estilo de velocidades, ao qual correspondia outro gênero de reflexos. Todos os reflexos do homem mudaram com essa alteração de velocidade, e com isso toda a psicologia e a própria ordem moral se alterou também.

Embriaguez do brusco e da velocidade

Consideremos uma pessoa que não mora em bairro industrial nem tem contato com o mundo das fábricas, e vive num local onde os ruídos industriais não chegam senão sob a forma de produto feito para ela gozar a vida. Sem embargo disso, há uma mudança nas velocidades e nos ruídos fazendo com que ela encontre um verdadeiro deleite em saltar para velocidades extremas.

Edward Lamson Henry (CC3.0)
“Acomodação do 945” – Museu Metropolitano de Nova York

Com isso, passou a existir uma espécie de fobia da velocidade intermediária e um desejo de pular, à maneira de um macaco ou de uma fera, do completo estado de inércia para o de embriaguez na velocidade, a qual só dá aquilo que o indivíduo quer quando esse salto é brusco e lhe permite sentir inteiramente o gosto da velocidade.

Por exemplo, antigamente um trem não arrancava bruscamente, mas a locomotiva dava uma sapecada para a frente e todos os vagões estremeciam, só então o trem partia. Eu notava que meus coetâneos gostariam que fosse de outra maneira: fechassem todo o trem e houvesse um alarme, após o qual o veículo saísse em alta velocidade como um foguete. Um cretino se voltaria para uma cretina sentada ao lado e diria: “Que progresso!”

Charles Clyde Ebbets (CC3.0)
Almoço no topo de um arranha-céu de Nova York, em 1932

De início, a mudança brusca de velocidade encantava, mas depois o fenômeno evoluiu e passou a cativar o brusco em si mesmo. De maneira que também a freada passou a maravilhar. Então, curiosamente, o homem que tivera a embriaguez de partir de repente extasiava-se com a brecada repentina a qual o jogava, sem estágios intermediários, na inércia, conferindo-lhe uma espécie de participação mística no poder da máquina enquanto uma força encarcerada na natureza e que o talento humano liberou.

Inconformidade com a harmonia

Este é um dos aspectos da civilização industrial: a imersão brusca do homem em algo que lhe causa prazer.

Por exemplo, o homem foi feito para contemplar a bordo de um barco, de uma ilha ou na costa, a superfície do mar. Entretanto, num submarino ele é levado para abismos profundos que são para ele a própria imagem do terror, do perigo.

Se houvesse um jeito de o submarino descer numa velocidade doida e, ao chegar a certa profundidade, estancasse subitamente entestando com um polvo, haveria gente que ficaria encantadíssima. É a supressão das velocidades intermediárias com uma alegria enorme em frear de repente. E aí não entra apenas o poder da mecânica arrancando o homem das velocidades intermediárias, mas tirando-o de seu habitat. Com isso ele, que está farto da natureza comum, bondosa, gentil e amável, desce a abismos, os quais lhe dão a ilusão da coragem, porém não é a verdadeira coragem porque sabe não correr risco de vida.

Eryk K S Sopoćko (CC3.0)
Patrulha de “Orzel” – Livraria Nacional da Polônia

Então, nós vemos que há mais um dado a acrescentar: o sair da atmosfera comum do homem para uma atmosfera subaquática, a qual é comum aos seres com quem o homem não convive, em condições que não são feitas para ele viver, fazendo com que force sua natureza para ir até lá embaixo.

Matar a curiosidade? Sem dúvida para alguns, talvez até para muitos. Porém há mais: é a evasão de qualquer coisa de proporcionado, de harmônico, de condizente com nós mesmos de que o homem foge quando está reputando a normalidade insípida, e quer ter experiências colossais, mas não maravilhosas.

Flávio Lourenço
Cenas Militares do Ancien Régime – Museu de História Militar, Viena

Se oferecessem ao homem a possibilidade de encontrar no fundo do mar um jogo de luz à maneira da Gruta de Capri1, e lhe dissessem que as águas, batendo no submarino, produziriam um som harmônico que lhe faria lembrar o minueto de Boccherini2, talvez ele desceria com menos ênfase, porque há algo nele profundamente inconformado com a harmonia da natureza, e não se satisfaz enquanto não sacie nele esse desejo entranhado de desarmonia.

Deror_avi (CC3.0)
Gruta de Capri, Itália
Samuel Holanda
Filho Pródigo Museu do Prado, Madri

Incompatibilidade com as regras de cortesia

A partir do momento em que passou a dominar a natureza, o homem deixou de tê-la como amiga e começou a achá-la monótona. É um fenômeno psicológico curioso parecido com aquele pelo qual os filhos, ao atingirem a época da puberdade, principiam a considerar monótonos os pais e o ambiente da casa paterna. O filho pródigo da parábola do Evangelho tinha algo disso. Lança-se na aventura porque todas as vivacidades, a amizade, todo o clima da casa paterna não o contentam mais. Houve qualquer coisa que se desatarraxou nele e o levou a querer outras coisas, ainda que seja o monstruoso. No caso do homem do século XX há mais: ele só se consola encontrando o monstruoso. E é à procura disso que ele vai.

Daí decorre também a incompatibilidade com as regras de cortesia, pois estas têm velocidades intermediárias. O que o homem contemporâneo gosta é o cumprimento simplificado: “Oi! Como vai, bicho?” Porque é uma simples interjeição, e o episódio de que ali se saudaram está feito num sinal, o resto são velocidades intermediárias que ele não pode suportar. Pelo contrário, ele tem a sensação de que aquilo que um cumprimento pode dar – e que na ótica dele não é o respeito nem o afeto – possui muito mais sabor se sorvido num golinho assim.

Antigamente era costume, ao menos em São Paulo, as famílias tomarem o lanche da noite. Então, cerca de meia hora antes de se recolherem, os empregados punham a mesa, traziam docinhos, bolinhos, broinha de fubá ligeiramente temperada com anis, biscoitos de polvilho, alimentos fáceis de digerir e de sabor muito discreto, que preparavam o sono agradável.

Nessa hora, conversava-se sobre temas amenos, brincava-se um pouco com as crianças que ainda estivessem acordadas ou com o cachorrinho da casa. Depois todos se despediam e cada um ia para os seus aposentos.

Isso, para as mudanças das velocidades, considerava-se uma coisa completamente inútil. Mais prático era ter um jantar forte, comido depressa e sem conversar, para fazer tudo rápido, numa velocidade que não é a habitual do homem, e mastigando de maneira a deixar por demais evidente a função fisiológica.

Visitor7 (CC3.0)
Interior do elevador no Edifício Bradbury, Los Angeles
National Photo Company Collection (CC3.0)
Josephus Daniels e Henry Ford, entre os anos de 1908 e 1919

A ruptura com a normalidade

No sistema cinematográfico, “hollywoodizado”, vêm sanduíches compostos de vários andares que o indivíduo corta de alto a baixo. Nota-se que ele está com as mandíbulas cansadas e, ao mesmo tempo, falando com a sua namorada que o acompanha em idêntico passo. Ambos de chapéu, botas e, mesmo que seja a última refeição do dia, pouco importa, estão como que a cavalo, porque a posição psicológica do homem e da mulher é de estarem a cavalo o dia inteiro, atendendo um clamor interno pelo qual sacrificam as velocidades intermediárias e saem do comum aprazível, agradável, amável, para se jogarem no corre-corre e na aflição de um mundo transformado por eles, em que um certo poder da máquina acompanha como uma matraca tudo quanto fazem.

Os elevadores nos arranha-céus também tiveram nisso o seu papel. Não se podia subir num prédio de vinte andares a pé, ninguém aguenta. Com a evolução dos elevadores, num instante se subia e noutro instante se descia. Para as pessoas bem na moda, a melhor hora do elevador não era aquela em que ele subia, mas quando descia. A descida brusca produzia nas pessoas mal habituadas um pequeno arzinho no estomago. Era mais uma vez a fratura das velocidades intermediárias e normais.

Rindo, uma velha senhora dizia para outra:

— Ih, senti uma coisa….

— Olha, medo a gente sempre tem, hein!

Um homem de negócios, sem qualquer relação com elas, que estava pensando nos assuntos dele, e se devia a si mesmo uma afirmação de sua varonilidade, sem se meter na conversa, dava um ligeiro sorriso de doce desdém, como quem diz: “Isso acontece com ela, mas eu já não sinto isso assim porque mudei a minha personalidade para ajustá-la a esse novo modo de ser diário, a essa forma nova do universo, em relação ao qual sou um homem que enfrenta, esmurra tudo, continuamente numa batalha.” Era o business man, que é o estágio mais desenvolvido do cowboy quanto à ruptura com a normalidade.

Naquele tempo, se o elevador subisse fazendo barulho, o business man gostaria ainda mais, porque teria mais a noção de algo da máquina, e ele precisava ser acompanhado de um ruído mecânico o dia inteiro, exceto na hora de dormir, quando então ia sozinho para uma cidade dormitório, deitava-se em uma cama supermacia e caía meio desmaiado, com os nervos em frangalhos, mas não reconhecendo isso, julgando estar no seu apogeu, na sua apoteose.

Isso veio se transformando num desejo de conhecer uma velocidade como que absoluta a qual se desprende da natureza e nos conduz para um mundo de uma pressa, uma eficácia, uma subtaneidade que impressionava profundamente. Essa disposição leva o homem a perceber que a natureza tem uma porção de forças com as quais ele pode compor um mundo inteiramente diferente do atual, produzido pela Ciência.

CBS Radio (CC3.0)
All Star Jazz Band, em 1944

Busca da diversão sem a harmonia

Sem dúvida isso cansa, mas a época das psicoses ainda não começara, o mundo estava sacando em um banco de uns cinco mil anos de existência calma e, portanto, com muito para gastar ainda, antes de ficar neurótico. Tratava-se de buscar a diversão e o prazer enxotando a harmonia. Foi quando surgiu o jazz-band.

O jazz-band é a música sem harmonia, onde tudo é uma surpresa um pouco dada a caretas e que convida para a gargalhada. É uma música completamente sem seriedade. Tem-se a impressão de que aqueles instrumentos – elaborados não mais para fazer ouvir o belo, mas o inesperado – são, em matéria de som, o que é o polvo para o tripulante do submarino. Era como se um demônio tivesse deformado a antiga harmonia, cortando-a sem quebrar, e mandasse tocar.

Tudo isso levava as pessoas a evadir-se para uma prodigiosa aventura da qual tinham apetência. E se um senhor respeitável quisesse parar a orquestra e dizer: “Minhas senhoras, meus amigos, meus caros jovens, eu queria fazer ver como tudo isto é uma coisa inaceitável…”, ele se tornaria o mais impopular possível. Se tivesse cometido um crime, ele não ficaria tão desmoralizado quanto fazendo isso.

Começaram a aparecer algumas coisas que punham mais em relevo para o homem essa ideia de forças soltas na natureza as quais lhe permitem preparar o dia de amanhã. Eram progressos modestos, mas que causavam grande sensação na São Paulinho de então. Por exemplo, a solda autógena. Era comum, no início, porque depois tudo se torna banal, duas ou três pessoas pararem a fim de olhar alguém soldar trilhos de bonde. E o operador vaidoso por sentir-se uma espécie de ente mitológico manejando aquela coisa.

Depois vinham os comentários: “Até onde o mundo levará a Ciência? Que maravilhas se podem esperar, que coisa magnífica!”

Arquivo Revista
Plinio e Dona Lucilia no início da década de 1920

Arquivo Revista

Adoração de novos deuses

Os progressos da Física vinham acompanhados pelos da Química, dando lugar a indústrias fabulosas com a possibilidade de tornar acessível a todo mundo artigos que o conjunto dos homens antes não poderia possuir: pérolas falsas, tecidos que imitavam a seda, mas já não tinham nada a ver com o bicho-da-seda.

Nas conversas, as pessoas atualizadas diziam:

— Ahahah, você não sabia?

— Mas como, seda sem bicho-da-seda?!

— Ahahah, olha lá, ele pensa que seda é feita pelo bicho-da-seda. Não, senhor! Esse tecido aqui se faz com fio de vidro.

E o pobre ingênuo, que podia conhecer Aristóteles e São Tomás, mas pensava que seda só podia ser feita pelo bicho-da-seda e que vidro daria numa coisa quebradiça, mostrava sua surpresa:

— Fio de vidro!

— Ah, meu caro, você precisa nascer de novo.

Pisando naquele indivíduo porque era um ímpio que não adorava os novos deuses nem tinha ido de encontro às alvoradas da Ciência, e ainda estava se rolando nos compassos aburguesados e idiotas de outrora.

Todas essas invenções se afiguravam como algo de miraculoso. Por exemplo, a dinamite.

Diziam:

— Você com isso faz uma bomba e pode estalar uma montanha! Produz um túnel debaixo do Mont Blanc, o monte que Bonaparte realizou o prodígio de andar por cima… Hihihih, pobre Bonaparte… nós fazemos um buraco por baixo. Diga para que lado você quer perfurar, meu caro, porque tendo dinheiro – sem dinheiro não se consegue nada – tal empresa lhe faz esse túnel em questão de trinta dias. A natureza não tem mais obstáculos.

Sempre com a ideia de produzir um impacto científico por meio de uma surpresa que introduz o indivíduo, de repente, numa situação com a qual ele não contava, com vistas a preparar inteiramente o mundo para a entrada numa ordem de coisas completamente nova, dominada por forças naturais inimagináveis.

Vemos, assim, um longo movimento, iniciado com a eclosão da Revolução, de incompatibilização progressiva do homem com as condições comuns de sua existência e com as harmonias do universo. Uma quebra da ordem do universo, substituída por outra ordem fabricada pela Revolução Industrial para a qual se vai caminhando passo a passo ao longo dos séculos.

Dona Lucilia era o oposto de tudo isso

Eu senti, quando menino entre doze e dezesseis anos, em relação a todas essas coisas uma oposição enorme proveniente do meu temperamento calmo, meu modo de ser cordato e de toda a atmosfera criada por mamãe em torno de mim. Aliás, Dona Lucilia era o oposto de tudo isso, de uma oposição que ela nem fazia intencionalmente, porque nela isso transcendia o intencional.

Mas de vez em quando eu sentia como se brotasse em mim certas vibrações em cadeia, as quais me inclinavam a gostar de cantarolar – eu não cedia – tal trecho de jazz-band que vinha à mente. Ou, então, reproduzir tal barulho mecânico que ouvi. Aquilo se apresentava como tendo um certo sentido, ou porque era uma coisa muito diferente e uma vibração se desprendia de mim em cadeia, tinha apetência daquilo que ficava fervendo em mim enquanto não cantarolasse; ou porque eu percebia, em algumas coisas novas que surgiam, algo de bom, que deixava a ordem antiga meio superada.

Por exemplo, durante algum tempo usou-se serrote como instrumento de música no jazz-band. Parecia-me que, às vezes, do som do serrote se desprendiam expressões mais categóricas no aspecto sentimental, afetivo, do que a música comum. E que era preciso saber aproveitar aquilo. Daí uma certa complacência para com o serrote.

Las Ventanas del Cielo (CC3.0)
Fogos de artifício em Ávila, Espanha

Como também uma ideia de que, a partir do momento em que se tinha descoberto a solda autógena, deveria haver um meio de fazer fogos de artifício muito mais brilhantes do que os antigos. Portanto, havia ali algo para aproveitar. E, assim, várias outras coisas dessas.

Resultado da velocidade: os desequilíbrios nervosos

Mas eu percebia, ao mesmo tempo, que se consentisse nisso entrava o resto todo junto. Logo, não podia cantarolar, não podia ceder, e deveria haver alguma coisa de ruim no serrote porque, do contrário, eles não o utilizariam; e que, portanto, precisava reagir até contra a ideia de aprimorar, porque não era legítimo aceitar a ideia de melhorar alguma coisa colhendo peixes nessa lagoa envenenada. Eu perderia minha integridade contrarrevolucionária se fosse me entregar a cogitações dessa natureza. Em última análise, faria o papel de bobo: estaria vendendo meus ouros e minhas esmeraldas por espelhinhos, como faziam os índios daqui com os colonizadores. E não estava disposto a executar esse papel.

Eu percebia que nos indivíduos que davam entrada a essas coisas constituía-se uma zona da personalidade, a não sabendas deles, onde se produzia uma forma de desequilíbrio nervoso. Contudo não deixavam transparecer, porque um homem nervoso era o auge do depreciativo. Mas as gerações que se seguiram à minha começaram a dar mostras de nervosismo. Era a concessão, e depois a adoração de certas energias que em mim e nos de meu tempo começaram a se desatar, e contra as quais eles não reagiam.

Um século de tédio e de educação engomada…

Arquivo Revista
Dr. Plinio em 1986

Qual a causa desse desatar?

Quando eu era menino, as pessoas mais velhas tinham um jeito assim: riam pouco, não se emocionavam muito, levavam uma vida a mais acomodada que se possa imaginar e, ainda quando trabalhassem bastante, procuravam disfarçar porque era um ritmo de vida no qual não cabiam grandes alegrias, movimentos, expansões, mas uma espécie de monotonia grave e ligeiramente sonolenta, correspondente à era do domínio da burguesia.

Eu via, por exemplo, quando era criança, nas casas que minha família costumava visitar como eram as salas de visita. Às vezes, chegávamos em uma hora inesperada e víamos as salas serem aberta. Eram ambientes conservados quase como sarcófagos, onde só nessas ocasiões entrava certa luminosidade, porque antes não era permitido para a luz não prejudicar os tecidos muito preciosos ali guardados. Caminhava-se sem ouvir qualquer ruído, pois os pés pisavam duas camadas de tapetes. Às vezes se encontrava uma almofada no chão, não por desordem, mas ornamental, e na qual se pisava por inadvertência quase caindo… Via-se que não tinha nenhuma importância se uma visita quebrasse um osso por tropeçar ali, desde que não rompesse um dos vários bibelôs que decoravam a sala.

Achille Devéria (CC3.0)
Príncipe Luís Felipe, em 1834

Todos se sentavam e começava a visita, mas de uma caceteação tremenda! De fato, precedeu isso mais de um século de tédio e de seriedade engomada que acumulavam energias que deveriam ter tido seus contrapesos, mas não tiveram. Estava, assim, preparada a descompressão com seus resultados. Os contemporâneos de Luís Felipe3, que substituíram o cravo pelo piano, foram os precursores do jazz-band. O cravo sorri, brinca, mas tem um som angelical e pode tocar melodias que na Terra não se ouvem. O piano, não. Ele é pesadão, um pouco sério à racionalista. A partir de Luís Felipe, cuja fisionomia correspondia a este perfil que estou descrevendo, até a ascensão dos Estados Unidos, o clima era esse e não comportava outra coisa. Simbolicamente, poder-se-ia dizer que os últimos sorrisos na Terra cessaram quando o cravo foi substituído pelo piano.

(Extraído de conferência de 18/9/1986)

1) Situada na Ilha de Capri, Sul da Itália.

2) Luigi Rodolfo Boccherini (*1743 – †1805), compositor italiano.

3) Louis-Philippe I (*1773 – †1850), filho de Philippe Egalité. Foi rei dos franceses de 1830 a 1848.