Como o Sol adquire vários coloridos e matizes durante o dia, assim a Igreja Católica ao longo dos séculos. As nações têm a missão primordial de ajudar a Igreja a expandir a verdadeira Fé, e cada pessoa que corresponda à graça a difunde em torno de si. Embora tantos povos não tenham chegado à perfeição devida, o fim do mundo não será um fracasso, pois a santidade dos homens dos últimos tempos poderá ter um tal esplendor que estes ofereçam a Deus, no fim, o que não foi dado ao longo de toda a História.
A primeira missão de todas nações, indiscriminadamente, é ajudar a Igreja a difundir a Fé Católica Apostólica Romana.
A Igreja tem ou não o direito de, entrando num país onde se praticam costumes abjetos, recorrer ao braço secular, isto é, ao Estado católico, para proibi-los?
Quem corresponde à graça a difunde em torno de si
Em nossos dias, muitas pessoas diriam não haver esse direito, pois se aquele povo possui um determinado costume, mantém-se. Mas afirmariam isso só porque não toca na sensibilidade humanitária delas. Por exemplo, na Índia, ainda nesse século, quando morriam os príncipes, as princesas viúvas eram queimadas vivas. Os ingleses proibiram. Ora, não se pode negar que eles tinham o direito de proibir.
Então, por que não teriam o direito de proibir tantas outras formas de depravação moral?
A meu ver, a Igreja pode empreender uma Cruzada num povo fiel contra os não convertidos, apenas para impedir de praticarem ali costumes gravemente contrários à Lei de Deus.
A missão de difundir a Fé Católica implica em outra obrigação. Portugal e Espanha, por exemplo, são nações descobridoras e tinham o dever de incluir missionários dentro das esquadras. Embora estas tivessem interesse comercial, pelo menos cumpriram o dever de mandar religiosos, no número e para o lugar desejado pela Igreja, pois o Estado é obrigado a servi-la no cumprimento da sua missão.
Cada pessoa que corresponda à graça a difunde em torno de si. E ela convida os outros em estado de graça a permanecerem nele e a subirem, e cria obstáculos a que o percam.
Assim como se passa com um indivíduo, uma família, pode se dar com uma nação. Uma nação que pratique de modo magnífico a virtude convida as outras a praticá-la. Considerem certas famílias da pequena burguesia ou da plebe alemã datadas ainda da Idade Média, ou mesmo de séculos posteriores com uma impregnação medieval.
Vestígios de graça e esplendor católicos em igrejas que romperam com a Santa Igreja
Algum tempo atrás folheei um álbum de uma cidadezinha alemã conservada tal qual no passado: Regensburg. São casas com aquelas traves de madeiras aparentes, cortininhas de renda, gerânios na janela. É um encanto!
As pessoas que olham o álbum são convidadas para aquele estado de espírito, tipo de mentalidade, estado temperamental, mas as doutrinas que estão por detrás e acima disso as incitam a aderir àquilo; é uma coisa natural, boa.
Por ocasião do casamento do Príncipe Andrew1, depois das cenas mais brilhantes e aparatosas, aparece uma festa numa aldeiazinha inglesa, muito engraçadinha.
A festinha aldeã é de uma inocência, de uma candura! Como eles se regalam com aqueles sininhos que tocam e cantam ao mesmo tempo! É extraordinário, um convite para o estado de graça!
Alguém me dirá: “Mas os habitantes dessa aldeia são protestantes.”
Por vezes, quando olhamos uma igreja outrora católica e hoje entregue ao culto protestante, e consideramos a construção do tempo em que ela pertencia à Santa Igreja, notamos que ainda ela atrai para a Religião Católica. Westminster é isso. Há várias catedrais na Inglaterra, como na Alemanha, assim.
Há certo tempo circulou entre nós umas fotografias apresentando uma cena belíssima da coroação do Czar Nicolau II2, dentro de uma igreja ortodoxa. Não levantei o menor obstáculo a que fossem vistas por quem quisesse, porque é evidente tratar-se de uma tradição da época da Rússia católica. Via-se ali a máscara mortuária da Igreja Católica, como quem olha a de uma rainha de indizível beleza.
Aspectos que transmitem vários matizes da Igreja
Assim como os países, também a Igreja tem as suas épocas. Por exemplo, em certos momentos da liturgia melquita há uns aspectos que nos transportam para aqueles tempos de São João Crisóstomo, por onde mais ou menos percebemos como era a Igreja naquele período. Sem dúvida era a mesma de hoje, mas irradiava um certo tipo de santidade, de perfeição moral, de amor de Deus que não morreu nela, mas tomou outros aspectos, assim como o Sol adquire vários coloridos e matizes ao longo do dia.
Uma coisa muito bonita em todos os ritos orientais da Igreja Católica, mas creio existir também nas igrejas ortodoxas, são as várias imagens de santos orando com os braços abertos.
No rito latino reza-se, em geral, com as mãos unidas, o que possui um simbolismo muito bonito, pois representa a entrega das duas mãos para serem seguradas por Deus, quando se dirige a Ele para exprimir o seu amor, seu agradecimento, sua reparação, sua súplica, à maneira do vassalo prestando ato de vassalagem.
Entretanto, é muito bonito também o gesto de enlevo de quem parou e abriu os braços, permanecendo numa posição estática. Essa postura exprime muito bem o encanto de quem admira a Deus. Corresponde a um feitio da índole oriental mais contemplativo, enquanto o nosso é mais ativo, o que não é uma vantagem, pois a contemplação vale mais do que a ação.
Agrada-me comparar entre si os vários ritos da Igreja Católica: melquita, maronita, copta, armênio…
É interessante ir à igreja dos armênios católicos, na Avenida Tiradentes3, e analisar um ladrilho que reveste a parede ao lado de fora, representando São Gregório Taumaturgo, visto pelo gênio de um armênio. São Gregório está pairando sobre as nuvens, revestido de uma túnica longa que chega até aos pés, apoiado em um báculo com uma das mãos e com a outra apontando para um bairro industrial moderno, com chaminés. A intenção foi representar o Santo protegendo, na cidade de São Paulo, os armênios que mandaram construir aquela igreja. É um gesto de rei em plena fábula, uma beleza!
Um outro pintaria o mesmo Santo numa atitude despretensiosa, humilde, rezando e fazendo um milagre. São modos de ser do espírito católico, dependendo de cada época em que Deus quer ser glorificado.
Quando todas as glorificações estiverem completas, tudo aquilo por onde o gênero humano poderia e deveria glorificar a Deus houver sido feito, cada povo tiver cantado o seu hino de louvor, com alcance regional ou universal, de acordo com a sua vocação, creio que a História poderá se encerrar.
Por outro lado, quando o Inferno tiver vomitado contra o Céu as suas últimas blasfêmias, e estas forem mais aceitas na Terra, também poderá se fechar a História.
Um punhadinho de gente que passará pelo inenarrável
Lendo no Apocalipse o que diz respeito ao fim do mundo, a Elias, a Henoc, ao anticristo, etc., tenho a impressão de que a impiedade vai reinar no mundo inteiro, e só um punhadinho permanecerá verdadeiramente fiel. Será o pináculo da impiedade, quando as piores barbaridades, as maiores infâmias serão cometidas contra Deus, mas um punhadinho vai amá-Lo como nunca ninguém O amou antes, dando-Lhe uma glória como jamais alguém O glorificou.
Então, nessa situação lindíssima, Nosso Senhor com um sopro de sua boca faz desaparecer o anticristo, queima o mundo inteiro num castigo universal, mas esses poucos não morrem. E quando sobre o mundo não houver mais nada de vivo, no meio daqueles escombros uma faixa de luz se levanta até o céu: são os justos que, reunidos, cantam as glórias de Nossa Senhora, depois de terem passado pelo inenarrável.
Grande número de teólogos admite que esses não vão morrer, devido ao muito que sofreram antes, tornando-os merecedores de serem livres da morte. E quando Nosso Senhor baixar em pompa e majestade do alto dos Céus e Se fizer ver por todo o universo, esses homens vivos irão ao encontro d’Ele, quiçá alguns com as mãos postas, outros em posição de expectação, como os orientais, e, provavelmente, outros ainda com o terço na mão.
Eles olham em torno de si, as sepulturas estão se abrindo. Uma voz magnífica chama à ressurreição a todos os mortos. Os intérpretes discutem se será a voz de um Anjo ou do próprio Nosso Senhor.
Eu seria propenso a admitir que fosse o próprio Nosso Senhor. A voz suprema d’Ele, o Homem-Deus, a Vítima que expiou e salvou a todos, clamará: “Ressuscitai, ó homens!”
Então, num instante, os ossos, as carnes, tudo se recompõe. Alguns ressuscitam na alegria, porque suas almas estavam no Céu. Outros, pelo contrário, no terror e na tristeza, pois foram condenados; aparecem pegando fogo e andando no desespero, ou jogados no chão no acabrunhamento completo.
Começa o Juízo, após o qual cada corpo acompanhará a respectiva alma em seu destino eterno.
A perfeição do gênero humano já foi realizada em duas criaturas
Por fim, põe-se a questão: Se tantos povos não chegaram à perfeição devida, o fim do mundo não será um fracasso? Porque a humanidade, considerada no seu conjunto, não terá dado a Deus aquele aspecto de esplendor e perfeição desejado por Ele ao criar os homens.
A resposta é muito simples: a santidade dos homens dos últimos tempos – que podem ser de algumas nações mais amadas e eleitas, ou de uma família de almas considerada acima das nações – poderá ter um tal esplendor que estes ofereçam a Deus, no fim, o que não foi dado ao longo de toda a História.
Mas, sobretudo, toda a perfeição a que o gênero humano possa chegar já foi realizada em duas criaturas. Uma é Nossa Senhora, superior a tudo o que nós possamos excogitar. Além e acima d’Ela, a Humanidade santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo. Aqui toda a língua se cale, porque a palavra humana não é capaz de exaltá-Lo com dignidade. Em todos os aspectos, enquanto Homem-Deus, Ele transcende completamente os nossos elogios, a nossa capacidade de admirar!
(Extraído de conferência de 5/9/1986)
1) Andrew Albert Christian Edward, Duque de York, filho da Rainha Elizabeth II. Em 23 de julho de 1986, casou-se com Sarah Ferguson, na Abadia de Westminster.
2) Nicolau II (*1868 – †1918), coroado Imperador da Rússia em 1896.
3) Em São Paulo, bairro da Luz.