jueves, noviembre 14, 2024

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A farsa do “comunismo mitigado”

Já em 1945 Dr. Plinio denunciava a manobra do comunismo soviético para enganar a opinião pública mundial, fazendo- -se aceitar pelos burgueses anestesiados, dispostos a qualquer capitulação para gozar de uma paz ilusória e efêmera.

Williams, Albert Rhys (CC3.0)
Lenin

Divulgação (CC3.0)
Passeata durante a Revolução Russa, em 1917

Grigory Petrovich Goldstein (CC3.0)
Manifestação dos “guardas vermelhos” junto ao Palácio de Inverno, em Petrogrado

A propaganda comunista tem divulgado com insistência a afirmativa de que o regime que atualmente vigora na União Soviética já não é o de Marx, nem mesmo o de Lenin, mas uma forma social mais mitigada, em que já se admitem os grandes direitos essenciais da pessoa humana e, sobretudo, a liberdade de consciência, a família e a propriedade.

Política do avestruz

Essa afirmação propagada de mil modos, diretos ou indiretos, tem produzido sobre a opinião pública efeitos até certo ponto contraditórios, mas todos eles favoráveis à expansão do comunismo.

Muitos dos que admitem o fato como verdadeiro, e que tendem para um regime socialista realizado sem as sangueiras e os excessos do comunismo, se voltam com uma curiosidade simpática para a URSS, na esperança de encontrar ali, prestigiado pelo êxito econômico, científico e militar, a fórmula de “meio termo” ideal, para a qual, consciente ou inconscientemente, tendiam de todo o coração.

Não faltam as fotogravuras, os relatórios, as reportagens de todas as procedências e todos os feitios que acreditam, junto a esse público muito especial, a notícia de que a administração soviética alcançou em todos os planos, artístico, literário, financeiro, administrativo, um sucesso pleno. É fácil perceber as vantagens que a expansão bolchevista aufere com semeadura tão copiosa em terreno tão predisposto.

Dr Fridtjof Nansen (CC3.0)
Vítimas da fome na Rússia, em 1921

U.S. National Archives and Records Administration (CC3.0)
Corpos de prisioneiros dos nazistas encontrados pelas tropas norte-americanas em Weimar, Alemanha

Outros há que, cansados de guerras, de tragédias, de privações, querem por fim divisar os horizontes róseos com que contavam para logo depois da vitória. Desejosos antes de tudo de tomar fôlego, deixando para amanhã os problemas de amanhã, querem gozar em paz estes dias de distensão e, por isto, estão dispostos a praticar, em todos os sentidos, a política do avestruz, fechando os olhos a todas as questões graves e gozando com despreocupação a vida.

Para esses sorri, como a mais mimosa das esperanças, a ideia de que a Rússia abandonou o comunismo e pratica um socialismo pacífico e mitigado. Morreu o nazismo. E morreu também o comunismo. A face da Terra está limpa de extremismos sanguinários. E os homens de temperamento benigno e costumes doces podem vivoter­ pacificamente sob o sol da vitória, muito certos de que as disputas ideológicas não os conduzirão jamais às soluções drásticas de direita ou de esquerda, aos trágicos conflitos ideológicos e aos desenlaces sangrentos e espetaculares que tantos pesadelos lhes provocaram em outros tempos.

Quando a propaganda comunista lhes pinta Stalin, não mais de rosto sanhudo e longa adaga mortífera em punho, mas de semblante sorridente, tendo nos lábios, emaranhado poeticamente entre os fios enovelados de seu bigode, o raminho de oliveira, eles se agarram a esta perspectiva como a uma tábua de salvação. E se defendem de todas as demonstrações em sentido contrário, com a energia com que uma pessoa bem acomodada para um delicioso sono se defende contra o importuno que a quer tirar da cama, sob a alegação de que se ouvem barulhos de uma ambiguidade inquietante no sótão ou na porta da rua.

Pfc. W. Chichersky (CC3.0)
Primeiro encontro do líder soviético Josef Stalin com o Presidente Harry S. Truman durante a Conferência de Potsdam, Alemanha, em julho de 1945

É bem evidente que o comunismo poderá fazer o que entenda enquanto o burguês anestesiado dorme o seu sono delicioso. É todo um setor de anticomunistas ferozes que adormece aos sons dos corifeus da propaganda vermelha, com vantagem não pequena para a política de Stalin.

A Rússia visa obter simpatias internacionais

Em outros tempos, o fogo exerceu sobre o homem uma misteriosa atração. Muito antes de nascer a graciosa fábula de Ícaro – herói gentil e imprevidente que voava até o Sol, ali queimava suas asas de cera, e caía em terra onde ficava apenas até que novas asas lhe permitissem tentar mais uma vez a funesta aproximação com as chamas –, já que os meninos queimavam os dedos no fogo, e se, menos pacientes do que Ícaro, deixavam de repetir a experiência quando por fim se convenciam de que fogo queima, a atração pelo elemento ígneo não desaprecia neles. Adultos, continuavam a brincar com outros fogos. O fogo das paixões. O fogo da política. O fogo do dinheiro. E muitas vezes não se convencem de que fazem mal, nem mesmo veem que o fogo os devorou.

Penso em tudo isto, quando vejo certos argentários que brincam com fogo. Por motivos que não vêm ao caso enumerar, fingem crer na hipocrisia dos propósitos comunistas, e dão largas à propaganda soviética colaborando com seus corifeus.

Army Signal Corps Collection in the U.S. National Archives (CC3.0)
Da esquerda para a direita: Clement Attlee, Harry S. Truman e Josef Stalin, com seus respectivos conselheiros, em Potsdam, Alemanha, em julho de 1945

Para quê? Devem ter para isto vantagens extraordinárias, lucros extraordinários, digamos. Desnorteados por seu exemplo, muitos são os que pensam que realmente o comunismo hoje é outro. E, assim, é com o próprio apoio dos elementos ultraburgueses que o comunismo vai fazendo silenciosa e rapidamente seu caminho…

Evidentemente, se a propaganda soviética insiste tanto nessa afirmativa de que a URSS vive hoje um regime diferente, é porque ela visa estabelecer um sistema de simpatias internacionais que não poderia ter, caso ainda se proclamasse de modo oficial comunista. Até aqui, a URSS pouco se importou com que o mundo pensasse de sua política. Sucediam-se no antro russo os fatos mais surpreendentes. Grandes matanças de generais, de diplomatas, de figuras de relevo do Partido Comunista ali se passavam soturnamente.

O próprio Stalin procedeu a uma “depuração” de correligionários que foi, em última análise, uma “São Bartolomeu” comunista. Essas sangueiras espetaculares, produzidas por motivos de bastidores, impressionavam mal. Com uma palavra de explicação, a URSS poderia ter elucidado seus motivos, desfazendo assim esta impressão. Nunca tomou este trabalho que, entretanto, ser-lhe-ia fácil se os motivos do Sr. Stalin eram confessáveis.

E, se não eram confessáveis, que crédito nos merece hoje sua palavra? Que passado a apoia? Um passado de mistérios e de violências. Positivamente esta base não inspira fé.

A propaganda comunista mente

Mas voltemos à propaganda russa. Até há algum tempo, tão indiferente era esta propaganda ao público ocidental, que se mantinha o mundo todo, metodicamente, na ignorância de tudo quanto lá se passava. De algum tempo para cá, vemos que se abatem diante de nós os muros da temível fortaleza, e desvendam aos nossos olhos jardins risonhos e floridos. A Rússia fez cessar o mistério, e faz questão de pôr todo o mundo ao corrente de sua realidade inteira. Imprime, irradia, telegrafa, disca em todos os países que ela agora se abrandou.

Por que tanta insistência depois de tanta indiferença? Manifestamente, seu empenho denuncia algum interesse. E esse mesmo interesse a torna suspeita.

Stalin será um pífio estadista se não tiver olhos para ver tudo isto. Se eu estivesse no lugar dele, encontraria prontamente meios para desmoralizar os burgueses, rançosos e obstinados, que persistissem em negar crédito às minhas palavras. Eu lhes lançaria o mais amável dos desafios. Pediria à aristocrática Câmara dos Lordes, aos rotundos burgueses de Wall-Street, aos argutíssimos Cardeais romanos, aos ardentes totalitários de Serrano Súñer2, que se constituíssem em comissão e que viessem ter à Rússia. Eu lhes daria o direito de se fazer acompanhar de todos os detetives, de todos os fotógrafos, de todos os cameramen que entendessem de levar. Eu os hospedaria em conforto esplêndido e lhes imporia apenas uma condição: além de todas as visitas que fizessem por sua iniciativa particular, não deixassem de comparecer ao calabouço para ouvir os presos, aos hospitais para ouvir os doentes, aos lares mais modestos para falar a sós, ouvido colado na boca dos pobres. Para lhes tirar qualquer pretexto para recusarem meu convite, prometia-lhes como recompensa a vida e a liberdade dos poloneses reclamadas com tanto espalhafato pelos ingleses e americanos nos últimos dias. O que a violência não conseguira, eu o concederia em aras da reconciliação.

É em suas mãos que eu colocaria não os ramos, mas os galhos de oliveira da nova paz. E eu quereria ver quem, depois disto, poderia duvidar de que realmente eu fizera da Rússia de Lenin, ainda cheirando a sangue e a pólvora, o panorama pastoril, delicado, ameno, que Watteau3 por certo pintaria se ainda estivesse vivo.

Não é preciso grande argúcia para inventar esse meio de esmagar a contrapropaganda burguesa. Desde o tempo das cavernas, sabe-se que o homem, acusado de praticar coisas desonestas em sua gruta, casa ou palácio, faz questão de abrir sua morada e quiçá seus arquivos aos detratores para lhes intimar que demonstrem sua acusação. Será Stalin tão obtuso que não o perceba? A propaganda comunista diz-me que não. Mostra-o até como um gênio. E eu fico neste dilema:

a) Stalin está evidentemente empenhado em demonstrar que o comunismo de hoje é brando e pacífico como pomba;

b) o único meio capaz de fazer vencer essa demonstração está ao alcance de qualquer espírito primário, e ele não o emprega;

c) isto posto, ou ele não tem visão de estadista, e a propaganda comunista mente quando diz que ele é um gênio;

d) ou, a despeito de suas palavras, há na Rússia realidades que contrariam gravemente sua acusação, realidades tão evidentes e tão graves que ele não as quereria esconder a seus visitantes. E neste caso a propaganda comunista mente quando afirma que o comunismo mudou.

Mente num caso, mente noutro caso. Não vejo como sair desse dilema.

Veremos no próximo artigo como essa suspeita se agrava na leitura dos próprios documentos da propaganda de Moscou.

Um comunismo “evoluído”

Diz-se que o comunismo, hoje em dia, já não tem suas antigas doutrinas e, portanto, já não incide na condenação dos Papas. É isto verdade?

Antes de tudo o que pode significar exatamente a afirmação de que o comunismo de hoje já não professa suas antigas doutrinas? Em rigor, nada.

Divulgação (CC3.0)
Visita do Ministro Ramón Serrano Súñer a Berlim, em outubro de 1940

Suponhamos que alguém dissesse: “O protestantismo já não sustenta seus antigos erros e, portanto, um católico pode ser protestante.” Que significaria tal afirmação? Coisa alguma.

Com efeito, chama-se protestantismo a certa doutrina minuciosamente exposta pelos respectivos corifeus, e condenada pela Igreja.

Se os protestantes abandonarem essa doutrina não se dirá que o protestantismo evoluiu e se tornou católico. Dir-se-á que o protestantismo morreu e seus adeptos se converteram. Não evoluiu o protestantismo, doutrina com erros característicos e próprios. Abandonar suas teses é sinônimo de morrer, para uma doutrina. Porque as doutrinas têm seus nomes e seu conteúdo ideológico correspondente, e elas devem logicamente abandonar sua primitiva denominação caso seus adeptos abandonem suas primitivas ideias.

Isto faz lembrar a anedota de um museu em que estava exposta uma velha espada com o cartaz: “Pertenceu a D. Pedro II”. Com o tempo, o caruncho devorou sub-repticiamente o punho de madeira da velha arma, e a direção do museu o substituiu por uma peça nova. O cartaz continuou. Passados mais alguns anos, a ferrugem tinha inutilizado a lâmina. A direção, solícita, providenciou lâmina nova. Tudo mudou. Uma só coisa ficou. Foi o velho cartaz: “Espada que pertenceu a D. Pedro II” … Assim também no comunismo teriam mudado as ideias, e com elas os programas e o espírito dos seus partidários. Não seria tão grotesco chamar isto de comunismo, quanto continuar a atribuir a D. Pedro II a propriedade da espada do museu?

Divulgação (CC3.0)
Retrato do Imperador D. Pedro II, em 1850 Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro

Se o protestantismo pudesse evoluir a ponto de aceitar todos os dogmas católicos, sem deixar de ser protestante, a consequência seria que o Catolicismo, sem deixar de ser católico, poderia vir, por um movimento igual e contrário, a assumir toda a doutrina protestante. Se um comunista pode continuar a se dizer legitimamente comunista, tendo embora abandonado a sua ideologia, seria forçosamente legítimo que um católico se dissesse católico embora deixasse de professar o Catolicismo.

Fê-lo, por exemplo, o Sr. Salomão Ferraz. É só perguntar a qualquer teólogo o que pensa desta atitude. Ela não é menos bárbara, em termos doutrinários, do que essa do comunismo que continua a ser comunismo e que, entretanto, passa a ser católico. E se um católico acusa de deslealdade o “Bispo Católico Livre Brasileiro”, Salomão Ferraz, com que direito toma a sério qualquer “comunista-católico”?

Sim, dir-se-á. A expressão “comunismo” é inadequada aos vermelhos que deixaram de ser comunistas. A expressão evoluiu de modo impróprio, mas designa hoje, embora indebitamente, uma corrente inteiramente diversa. Ou pelo menos consideravelmente mais diversa.

A mão direita é estendida cheia de flores; a esquerda se oculta por detrás das costas

Os que hoje se dizem comunistas não têm mais as ideias de Marx. Seu programa, portanto, já não pode ser condenado pela Igreja nos termos em que ela condenou o marxismo.

“Seu programa”? Que programa? Onde está esse programa? Há um escritor, um pensador, um estadista soviético que tenha definido a nova ideologia soviética de um modo claro, preciso, palpável? Onde se concretiza essa doutrina, de modo bem nítido e tangível, para poder ser objeto de análise da parte da Igreja?

Não falta espalhafato aos sovietes. Dizem o que querem e sempre que possível agem espalhafatosamente. O vermelho é uma cor gritante. O gritante da cor parece exprimir o gritante dos gostos e dos hábitos soviéticos. Isto posto, por que não falam? Por que não se definem? Não é suspeita essa ambiguidade de doutrina?

Consideremos o problema de outro ângulo. Por toda a parte, os leaders soviéticos tomam hoje uma atitude branda em relação à Igreja, e procuram convencer os católicos de que reina plena liberdade religiosa na URSS. Ao mesmo tempo, insinuam de mil maneiras que o regime social em vigor na Rússia já não é propriamente comunista.

Ora – e todo o mundo sabe disto – se os sovietes dizem isto é porque lhes convém. Verdade ou não verdade, eles saberiam calar o fato, se não lhes conviesse. Não é em vão que conservam a Rússia como uma fortaleza impenetrável aos repórteres estrangeiros, e aparelhada com uma imprensa absolutamente escravizada ao Estado. Eles dizem tudo quanto lhes convém, e só o que lhes convém.

Isto posto, se lhes convém inculcar, com ou sem razão, que suas doutrinas evoluíram, por que não definem suas novas doutrinas? Por que não demonstram por esta forma – a única forma decente e possível –, com clareza meridiana, que não pensam hoje como pensavam outrora? Por que não promulgam de mo do oficial e público sua nova posição doutrinária?

A explicação só pode ser uma: porque lhes convém agora tomar uma atitude aparentemente conciliatória, mas não lhes convém cortar qualquer possibilidade de recuar para uma atitude novamente hostil.

A mão direita nos é estendida cheia de flores. A mão esquerda se oculta por detrás das costas. O que contém ela? Podemos admitir qualquer hipótese exceto uma: rosas, positivamente não. Ninguém esconde flores. Às vezes escondem punhais.

A Igreja condenou o comunismo e o socialismo…

Continuemos a raciocinar. Afirma-se que o regime soviético hoje não é mais o que era, e que a evolução ideológica dos sovietes se dá nos fatos e não nos compêndios. Embora esse mutismo dos compêndios seja inquietante, analisemos este novo argumento. Qual a prova desta transformação concreta? Os comentários acerca da Rússia são os mais desencontrados. De todos eles – e o Legionário exibirá oportunamente trechos comprobatórios deste fato – ressalta que ninguém pode examinar à vontade a Rússia. Uma polícia vigilantíssima orienta incessantemente os passos dos visitantes, e paralisa a espontaneidade das pessoas do povo com que eles tentem conversar. Neste caso, de que valem os depoimentos a priori todos eles versando sobre uma parcela insignificante de fatos, escolhidos adrede para análise dos estrangeiros?

Admitamos, porém, que de fato o regime seja diverso do que Marx sonhou. O que demonstra isto?

Charles de Steuben (CC3.0)
Retorno de Napoleão de Elba, em 1818 (coleção particular)

Todas as grandes revoluções têm feito recuos estratégicos. Em geral, depois de um período muito agudo, elas se retraem, adaptam o país por algum tempo a um estado de coisas intermediário, e prosseguem para reformas mais arrojadas.

Foi o caso da França. Depois do Terror, veio finalmente Napoleão. Representou o Corso porventura o fim da Revolução? De nenhum modo. Ele foi, segundo se disse muito espirituosamente, la Révolution en bottes4, o grande realizador e propagador dos princípios mais vivazes e sutis da Revolução. De lá para cá, o que tem feito a Revolução senão progredir? E como se fez esse imenso progresso senão com sucessivos períodos de realização arrojada e de recuos prudentes?

Mas admitamos que não se trata de um recuo estratégico. De muito concreto, o que significa para um católico, na ordem absolutamente prática das coisas, que o comunismo se aplica muito mitigadamente na Rússia?

É preciso tomar em consideração que a Igreja condenou não só o comunismo, mas o socialismo. Isto é, toda a forma de organização social em que se hipertrofiem os direitos do Estado, em detrimento dos direitos naturais e imprescritíveis da pessoa humana.

O que pode ser um “comunismo mitigado”, senão um regime em que se violam, embora de modo algum tanto menos radical que no comunismo, os direitos naturais da pessoa humana? Porque, enfim, precisamos ser sérios, e não podemos admitir que na Rússia tudo se passe sem qualquer laivo de socialismo, e nem é o que pretendem os mais dulçurosos dentre os mistificadores soviéticos.

O regime socialista também está condenado pela Igreja. No máximo, essa evolução social provaria que a Rússia passou de um regime mais detestável para outro menos detestável. Será lícito para o católico aderir ou apoiar doutrinas erradas, só porque menos detestáveis que outras?

Pio XI definiu que os vocábulos “socialismo” e “Catolicismo” são incompatíveis, hurlent de se trouver ensemble5.

Arquivo Revista
Dr. Plinio em 1945

Assim, pois, verdadeira que fosse a hipótese de ter evoluído para um socialismo menos cru o regime soviético, nem por isso deixaria de ser incontestável que um católico não pode ser favorável a tal regime. Não é comunista, mas socialista. Então está igualmente condenado.

…mesmo se admitissem a família e proibissem o divórcio

E concluamos com uma observação muito importante.

Não se pense que é só por sua política antirreligiosa que o comunismo está condenado, ou o socialismo. Se por absurdo houvesse um Estado em que a Igreja Católica tivesse todas as suas liberdades escrupulosamente respeitadas, mas o regime econômico e social fosse socialista, este regime estaria condenado.

A Igreja não condenou apenas a política religiosa do socialismo ou do comunismo. Condenou a própria essência de seu sistema econômico-social.

Assim, pois, todas as versões sobre a propalada liberdade religiosa da Rússia – que coexistiria paradoxalmente com os ataques das emissoras soviéticas ao Vaticano – não alteram os termos substanciais do problema.

Alberto Felici (CC3.0)
Papa Pio XI em 1930

Ainda que a Igreja fosse tão livre na Rússia, quanto na França, no Brasil ou na Argentina, e ainda mesmo que lá como aqui se admitisse a família e se proibisse o divórcio, o regime comunista ou o socialista continuaria a ser, por seu mero aspecto econômico, um ideal proibido pela Igreja a seus filhos.

Do que, tudo, se conclui que um católico não pode cooperar com um partido comunista ou socialista, admitida por hipótese uma diferença radical entre estes termos, ainda que seja muito evoluído.

Para cortar qualquer discussão, lembremos que Pio XI condenou não só a doutrina socialista, mas a própria palavra “socialismo”. E não condenou a palavra “comunismo” porque, ao tempo da Quadragesimo anno6, ninguém tinha tido a extravagância de pensar em um comunismo católico. Mas se o comunismo não é senão a forma mais radical do socialismo, a conclusão é fácil de se tirar…

(Extraído de O Legionário n. 669, 3/6/1945 e n. 670, 10/6/1945)

1) Do francês: vegetar.

2) Ramón Serrano Súñer (*1901 – †2003), político espanhol, ministro do governo franquista, promoveu o envio da Divisão Azul para a Rússia a fim de lutar contra os comunistas; grande número de seus componentes foram mortos. Um dos destacamentos foi comandado pelo capitão Teodoro Palacios Cueto (*1912 – †1980), católico valoroso.

3) Jean-Antoine Watteau (*1684 – †1721), célebre pintor francês.

4) Do francês: a Revolução em botas.

5) Do francês: uivam por se encontrarem juntos.

6) Encíclica de Pio XI publicada em 1931, quarenta anos após a Rerum novarum, de Leão XIII.

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