Por vezes, as coisas mais nobres e santas que desejamos esbarram em obstáculos inesperados, permitidos pela Providência Divina. É o caso da Beata Angelina: passando por terríveis perplexidades, soube acreditar na promessa interior da graça, confiando na realização de sua vocação.
No dia 14 de julho comemoramos a Beata Angelina, virgem, a respeito de quem diz Daras, na Vida dos Santos1:
Uma via de perplexidades enfrentada com confiança
Beata Angelina nasceu em 1377, em Montegiove, perto de Orvieto, descendente dos Condes de Corbara, por parte de pai, e dos Condes de Marciano, por parte de mãe.
Aos doze anos consagrou a Deus sua virgindade, correspondendo às graças que recebia desde a infância. Mas, três anos depois, seu pai decidiu casá-la com o Conde de Civitella. Em vão a jovem implorou-lhe que a deixasse consagrar-se a Deus. Foi ameaçada de morte se não consentisse no casamento no prazo de oito dias. Nessa aflição, Angelina recorreu ao Senhor, que lhe recomendou cumprir a vontade do pai. Ela desposou então o conde, decorrendo a cerimônia em meio a grandes festejos tradicionais.
Ao aproximar-se a noite, a jovem refugiou-se no quarto e, cheia de angústia, ajoelhou-se aos pés do cruci fixo, pedindo a Deus que a protegesse. O conde, chegando, perguntou-lhe o motivo de suas lágrimas e, ao saber do voto que fizera, tocado pela graça, quis imitá-la. Ajoelhou-se e prometeu, com sua jovem esposa, guardar a castidade e considerá-la como irmã. E ambos agradeceram a Deus a grande graça recebida.
Um ano depois o conde morria, deixando Angelina livre. Esta entrou na Ordem Terceira de São Francisco, dedicando-se inteiramente às obras de caridade e à conversão dos pecadores.
Seus milagres tornaram-na famosa e, por causa disso, retirou-se para Civitella; porém, grande número de nobres dessa cidade, desgostosos de ver os jovens das grandes famílias entrarem no convento por influência de Angelina, queixaram-se ao rei, que a exilou. Ela continuou, no exílio, seu trabalho, fundando numerosos conventos de clausura, segundo a Regra franciscana.
Morreu em 1435, como mãe de uma grande família de almas.
É mais uma lindíssima biografia nos relatando o apuro pelo qual passou essa bem-aventurada e a grande confiança na Providência demonstrada por ela.
Ela fizera um voto de virgindade. Entretanto, o pai determina que ela se case, e ameaça matá-la caso não o fizesse. Isso exprime bem a eterna posição do liberal. Quando alguém faz voto de virgindade, outro tem direito até de matar para obrigar a não cumprir o voto. É muito provável que, se esse pai tivesse uma filha devassa, fechasse os olhos e nem desse atenção a isso. Entretanto, como a filha não era assim, ele foi um verdadeiro tirano.
Alguém dirá: “Dr. Plinio, o senhor falou em liberalismo, mas na Idade Média ele não existia”. E eu respondo: O liberalismo não existia como doutrina especificamente explicitada, mas ele é velho como o mundo, e existiu sempre depois do pecado original, como impulso, como estado habitual de contradição, como ódio crônico ao bem, de maneira que, aqui, se pode falar de liberalismo.
Promessas desmentidas e, afinal, realizadas
A Beata Angelina reza, pedindo a Deus para lhe indicar o que deve fazer, e Ele lhe revela que deve se casar. Ela, então, com toda obediência, casa-se; mas, vê-se que a santa dama levava no fundo da alma, se não era nos termos expressos da revelação divina, a esperança de que ela não seria obrigada a desistir de sua bem-amada virgindade.
Ora, depois de um dia de festas nupciais – podem imaginar como foi um dia trágico para essa coitada! –, ela vai ao crucifixo chorando e pede a Deus auxílio a fim de, no novo estado ao qual entrara por vontade d’Ele, ela encontrasse, entretanto, a possibilidade de praticar a virgindade.
Nesse instante, entra o jovem esposo e encontra-a rezando junto ao crucifixo. Ele a vê chorando e pergunta por quê. Ao declarar-lhe a razão, ele, tocado pela graça, resolve viver com ela como um irmão.
Vejam a linda transformação, um verdadeiro milagre moral! Dessa forma, Deus premiava a sua confiança; até o último minuto esperou contra toda esperança, nada dava a entender que o caso dela teria saída, mas, no momento oportuno, houve o milagre.
Um ano depois o cônjuge morre e, então, ela fica livre. Tendo conservado sua virgindade, a santa mulher está em condições de se consagrar à sua vocação.
Confiança na voz interior da graça
A Beata Angelina funda um convento, o qual floresce tanto que começa a se encher de moças. Em decorrência disso, aparece a má atitude de várias pesso as furiosas contra ela, como o próprio pai, ou os pais de outras amigas, não querendo a presença da Santa nesse lugar, pedem a sua expulsão, pois ela está atraindo para o convento as moças da alta sociedade.
Eles ficaram rosnando sem poder fazer nada. Por quê? Porque Nossa Senhora tinha colocado sua mão sobre essa obra e, como diz bem o Hino das Congregações Marianas, “de mil soldados não teme a espada, quem pugna à sombra da Imaculada”. Nossa Senhora resolveu e venceu tudo.
Feliz época de grande receptividade para a vocação dada por Deus, na qual uma pessoa santa podia fundar um convento; neste, não ser perseguida, mas permanecer como Superiora e atrair as moças.
Porém, ao ser expulsa daquela região, ela funda conventos em vários outros lugares; portanto, fundou uma Congregação. A sua obra está completa. De revés em revés, de apuro em apuro, de precipício em precipício, ela conclui o périplo completo.
É uma lição para o nosso apostolado. Devemos compreender que, às vezes, as coisas mais altas desejadas por nós, as mais difíceis, mais nobres e santas esbarram em obstáculos inesperados, porque Nossa Senhora quer, Ela mesma, depois, resolver o caso. E todos os esforços humanos se tornam baldos diante disso. Pouco importa! Tenhamos confiança na voz interior da graça, naquilo que Deus, Nosso Senhor, nos disse dentro da alma, porque chegará o momento no qual Maria Santíssima intervirá, e aquilo que a graça falou se realizará.
Nossa grande esperança atual
O “Livro da Confiança”2 começa com essas palavras expressivas: “Voz de Cristo, voz misteriosa da graça, Vós murmurais, no interior de nossas almas, palavras de doçura e de paz”. Com efeito, quantas e quantas vezes sentimos, em nossas almas, movimentos da graça cheios de doçura e de paz que nos levam a pedir coisas aparentemente inalcançáveis. Mas, à força de confiar contra toda esperança, nessa doçura e nessa paz; à força de rezar e de agir, isso acaba se realizando.
Qual é nossa grande esperança do momento presente? Neste apuro sempre mais trágico do cerco desferido contra a Igreja e a Mãe de Deus pelos seus adversários, nós, mais do que nunca, devemos confiar que Nossa Senhora, afinal, consiga de Deus – que parece dormir como no barco de São Pedro –, que Se levante e comece a Se mover no mundo, para operar as suas grandes obras. Dia e noite, devemos estar devorados por este desejo.
Porque, quando Deus começar a agir, ninguém O deterá. E nós que, por enquanto, vemos a Causa Católica tão perseguida e sofrendo tantas provações, quando Deus Se mover, então compreenderemos como é o braço poderoso de Deus. Ficaremos estarrecidos ao ver os obstáculos desmoronando, as montanhas se fundindo, os condenados caindo no Inferno, as almas ainda aproveitáveis se convertendo, e o Espírito Santo, a rogos de Nossa Senhora, soprando sobre toda a Terra, para renová-la. Isso nós devemos pedir de todo o coração.
(Extraído de conferência de 21/12/1966)
1) Não dispomos dos dados desta ficha.
2) De autoria do Pe. Thomás de Saint-Laurent.