miércoles, noviembre 13, 2024

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Deus não abandona quem nele crer

Para Dona Lucilia e suas irmãs, seu pai, Dr. Antônio, era considerado um verdadeiro patriarca. Fatos de sua vida foram narrados por elas diversas vezes, mostrando sempre que sua dignidade vinha da confiança que depositava em Deus.

Dr. Antônio, meu avô, tinha três filhas1 muito parecidas, mas muito diferentes entre si, como é comum acontecer entre irmãos. Cada uma, a seu modo, tinha uma veneração única pelo falecido pai, um amor e umas saudades sem limites!

Pai e Patriarca

Quando jovens, o pai era o confidente com quem elas se abriam em todas as ocasiões; ele compreendia bem a alma delas e encontrava uma saída para todas as dificuldades que lhes aparecesse. Quando o caso não havia solução, ele as consolava, indicando-lhes a postura de alma serena, a compostura que se deveria ter face às ocasiões difíceis da vida.

Fotos: Arquivo Revista
Na tranquila Pirassununga de outrora, a residência dos Ribeiro dos Santos

As três contavam fatos sobre a vida do pai e tinham-no como um patriarca. Qualquer dos casos contados isoladamente não esgotava o que elas queriam dizer.

A mais expansiva das três irmãs, em certo sentido, era a Dona Yayá. Vez ou outra eu a visitei, quando ela já se encontrava avançada em idade – ela morreu mais velha do que Dona Lucilia. Ela estava inteiramente lúcida, mas com uma certa distância da reali dade. Sabendo que eu escrevia – que tinha livros publicados, artigos –, ela, numa mesma conversa me fazia duas ou três insinuações de que eu deveria escrever a vida do pai dela, porque era uma vida admirável, e que, se eu quisesse, ela podia me contar tudo, eu tomava nota e depois escrevia esse livro.

Vejo, de fato, que é uma coisa que, se eu tivesse feito, deixaria Dona Lucilia numa alegria indizível! Eu necessitei razões muito sérias para não ter escrito. Do contrário, só para dar a Dona Lucilia esse contentamento e atender ao respeito filial das filhas dele etc., eu teria feito alguma coisa. Não dava para uma grande biografia, mas eu teria feito alguma coisa.

O fim do dia na pequena Pirassununga

Fotos: Arquivo Revista
Zili
Fotos: Arquivo Revista
Lucilia
Fotos: Arquivo Revista
Yayá

Vou escolher um fato que elas não presenciaram, porque não tinham nascido, mas que gostavam muito de contar.

A mãe delas, Dona Gabriela, esposa de Dr. Antônio, contava que eles moravam em Pirassununga quando ele era advogado recém-formado. Era costume nas cidades do interior do Brasil antigo, que as casas fossem assobradadas, ou seja, tinham uma espécie de porão habitável embaixo, e o andar de cima, que era melhor, constituía um sobrado em relação à rua. As famílias jantavam muito cedo, ainda à luz do dia, e, depois, iam às janelas da casa para ver passar gente e saudarem-se. Era a grande novidade do lugar.

Não pensem numa rua movimentada. Pirassununga era minúscula naquele tempo e um ou outro passava de vez em quando. Minha mãe dizia que se avistava a pessoa que chegava ao longe, ao longe, ao longe…E depois, na partida, podia-se ainda acompanhar com o olhar.

Quando o transeunte se aproximava, se era um conhecido, ele tirava o chapéu, cumprimentavam-se. Às vezes paravam, davam uma prosinha… Depois, tocavam adiante.

Admiração dos familiares pela confiança na Providência

Certo dia, Dr. Antônio estava conversando com a minha avó, sozinhos, junto à janela, os filhos ainda eram pouco numerosos. Ele disse à minha avó a certa altura da conversa:

— Sinhara2, a nossa despensa está bem cheia?

Ela disse:

— Sim, está!

— Tem bastante alimentos?

— Tem!

A vida era baratíssima. Então ele disse:

— Pelo menos isso. Porque veja, eu só tenho esta moeda… os clientes estão muito raros, não tenho recebido dinheiro. E nós precisamos nos arranjar com esta despensa, porque se faltar dinheiro e comida lá, eu não tenho. Vá fazendo multiplicar a comida como puder.

Neste momento, vê-se vir arrastando-se um mendigo, para diante deles e diz:

— Eu sou tuberculoso!

E realmente tinha um aspecto muito doente e pobre. Com o chapéu na mão, disse:

— Eu sou tuberculoso! Preciso comprar um remédio muito caro. Não tenho dinheiro. Se os senhores quisessem dar-me algo para comprar esse remédio, eu, de bom grado, lhes agradeceria muito!

Fotos: Arquivo Revista
Dr. Plinio em 1986

Fotos: Arquivo Revista
Fotos: Arquivo Revista
O nobre e jovem casal, Dona Gabriela e Dr. Antônio Ribeiro dos Santos

Meu avô puxou a moeda e jogou-a no chapéu do mendigo.

Minha avó ficou pasma, mas, ao mesmo tempo, tomada de admiração pela confiança em Deus que ele revelava.

Quando ele foi andando, minha avó disse:

— Mas, Totó – assim ele era apelidado – o que você fez?

Ele disse:

— Eu confiei em Deus. Você vai ver que este dinheiro não tarda a entrar.

De fato, quando anoiteceu, naquele mesmo dia, um homem tocou a campainha. Era um cliente que queria confiar-lhe uma causa que seria muito rendosa para meu avô.

Dr. Antônio, então, pediu uma parte dos honorários adiantado e, por gozar de muito boa fama de advogado, o cliente concedeu o pedido. Quando o homem se retirou, ele entrou na sala de estar da casa, mostrou o valor à minha avó e disse:

— Sinhara, olhe aqui, para quem crê em Deus!

E ele elaborou, não nessa ocasião, mas mais tarde, um versículo assim… quatro estrofes de que eu não em lembro bem, talvez numa hora me venha completo à memória… Era algo assim:

“Quem tem em Deus seu coração voltado…

nada deve temer…

porque Deus não abandona a criatura

que n’Ele sabe crer.”

Era a ideia da confiança em Deus, que se deveria crer.

Isto, que é um fato interessante, elas achavam fenomenal!

(Extraído de conferência de 11/1/1986)

1) Lucilia, Eponina (Yayá) e Brasilina (Zili).

2) No Brasil antigo, tratamento dado pelos escravos à sua senhora. Dr. Antônio o utilizava para, de modo afetuoso, se dirigir à sua esposa, Dona Gabriela.

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