Viver é tender para a perfeição. Se o homem consente nos lados bons de sua alma a favor das sucessivas perfeições, terá voos cada vez mais altos. E o bom anseio das multidões suscitará profetas do belo que produzirão maravilhas como o gótico e os vitrais.
Nas primeiras etapas da vida, o senso da perfeição, presente em toda criatura humana, faz com que a pessoa perceba muito mais o perfeito do que o imperfeito e dá a ela uma sensação da vida como se fosse uma luva maravilhosa, forrada de arminho, na qual ela vai pondo a mão e que se torna cada vez mais aconchegante.
Nessa experiência, o homem em parte se explicita a si próprio e em parte explica essa sensação em função de si. É assim que a noção de perfeição vai se formando na alma.
Viver é tender para a perfeição
Entende-se bem o que vem a ser essa tendência à perfeição quando se observa as movimentações da alma. A alma tende para a lógica, para a verdade. Se ela fosse seguir o seu movimento próprio, produziria o raciocínio perfeito. Nisso está uma pista para se compreender o que é o desejo de perfeição da alma acompanhado pelos movimentos gerais dos instintos, sobretudo no homem antes do pecado original. Nele, todos os instintos se moveriam para as coisas perfeitas que a alma fosse conhecendo, fornecendo elementos para a alma elaborar a figura verdadeira da realidade material e a destilação de dentro disso do que seria a perfeição desta e também da realidade espiritual.
Propriamente, viver é tender para a perfeição.
O voo direto para o mais perfeito
Nesse senso, exatamente, entram colaborando de vários modos os instintos, mas a serviço de um voo que é mais um instinto da alma do que do corpo, um voo direto para a perfeição.
O aparecimento do gótico confirma isso. Só a pessoa que tem senso do maravilhoso é realmente prática. Tenho a impressão de que necessariamente, ainda que por contingências, a esmo, devem ter surgido coisas góticas séculos antes da Idade Média.
Não houve um gênio que, encontrando o gótico, dissesse: “É o que eu queria!” E que transformou, por exemplo, no primeiro arco gótico a porta dos fundos de uma cozinha medieval… Mas o homem que tenha descoberto o primeiro traço do gótico, ele, para mim, vale mais do que Cristóvão Colombo.
Há várias igrejas construídas num período de transição. E os puristas torcem o nariz: “Horrível, está misturado o gótico e o românico”. É uma glória! “Você não compreendeu esse nascimento do gótico por cima do arco românico, que faz com que você, em vez de encontrar contradição, procure analogia? É como quem vê um pai e um filho e procura ver no que eles se parecem.” É uma analogia da graça sobre a natureza.
Então houve e haverá modestos artistas desconhecidos, exercendo o papel, entretanto, de profetas neste e naquele ponto e que fizeram uma verdadeira maravilha.
Profetas do belo: homens capazes de realizar os anseios de “pulchrum” da multidão
Como entra o sobrenatural no estilo gótico?
A graça, que nos dá acesso ao sobrenatural, é uma participação criada na vida de Deus. Essa participação ajuda a tendência do homem à perfeição, fazendo pressentir, por algu ma coisa de místico, uns degraus a mais de perfeição, que o gótico dá para entender, mas não daria para imaginar.
Não é algo exclusivamente inspirado pela graça, mas ela tomou esse filhote da natureza, o gótico, e fê-lo olhar um pouquinho para o Sol. Ele, olhando para o Sol, mudou a cor do pelo. São os vitrais.
Homens que produzem maravilhas como o gótico, em geral, não são apóstolos das ideias próprias, são pessoas, pelo contrário, nos quais a ideia do consenso geral recaiu sobre eles e se difundiu.
Há profetas que são esperados e há outros para quem o mundo nasce de costas. E esses que produzem maravilhas são, em geral, profetas, que o bom anseio das multidões, tocado pela graça, faz esperar.
É como se, em certo momento, eles “encontrassem” o gótico e aquilo se difundisse como um rastilho de pólvora. E o homem que inventou isto não se julga um gênio, porque todos estavam à espera daquilo. Todo mundo quer isso, é uma coisa banal. Entretanto, ele fez algo genial.
Numa sociedade orgânica dificilmente uma pessoa pode ser considerada precursora ou inventora de um estilo. Nesse sentido entra muito do espírito de conservação, porque toda uma multidão precedida desses – vamos chamá-los assim – profetas do belo, encaminha para onde aponta o anseio de todos.
A ação da graça conduzindo o inocente à realização de sua maquete
Por uma disposição especial da Providência, certos homens podem nascer com uma particular tendência à perfeição, que se eles corresponderem à graça, os levará a uma grande realização. E a graça prepara o homem desde o Batismo para que ele corresponda, desenvolvendo essa tendência, quase subconscientemente, numa determinada direção.
Por exemplo, tudo indica que os estilos pré-góticos não tinham janela. O Pantheon não tem.
De qualquer maneira houve um determinado momento em que alguém fez o vidro. E outro momento em que o mesmo ou outrem o coloriu.
O fato de alguém ter colorido, eu não quero dizer que tenha sido necessariamente, mas poderia ter sido uma ação da graça no seguinte sentido: “Eu vou dar a este que está colorindo isto, a noção de procurar e fazer uma cor ideal, mais bela do que o comum das cores”.
Começa então a compor uma cor “maquete”, uma cor de sonho ou todo um jogo de cores de maquete e de sonho para colorir não só um vitral, mas um mundo, porque no vitral há cenas de batalhas, cenas do Antigo Testamento, do Novo Testamento, enfim, a vida dos homens enquanto relacionada com a Igreja e a Religião. E às vezes é apenas um passarinho cantando dentro de uma letra “O”, não tendo uma relação direta com a piedade. Eu acho um encanto. Os artistas não tinham a preocupação de examinar como eram os sabiás da Europa, eles pintavam e pronto, saía um arquipassarinho.
Assim sai um mundo de criações de um mundo ideal, a partir desse dom que foi concedido a alguns de conceberem um jogo de cores absolutamente fantasioso, mas que no fundo não é fantasia, é a produção de algo que em forma de potencialidade atingível dorme nas cores comuns.
A história da elaboração das coisas belas
Portanto, no momento em que o homem vai colorindo, vão nascendo coisas diferentes. Ele colore um vitral. E o vitral seguinte que ele irá fazer conterá a crítica do anterior feito por ele. Mas não é a crítica moderna: “Que defeitos tem?” Ele se perguntará isso, mas como algo secundário, porque a indagação será: “Atinge inteiramente o desejo de perfeição que tenho ou alguma coisa está atrapalhando?”
E a história dos vitrais passa a ser, assim, a história dos voos cada vez mais altos, até chegar a um ponto em que ele dirá: “Aqui não é possível ir mais longe”. Ele coloca os vidros coloridos na parede. De repente aparece na cabeça dele a ideia da parede toda de vidro.
A Sainte-Chapelle! Ela tem colunetas de pedra para sustentar os chassis dos vários vitrais. Colunetas elegantíssimas!
Nisso nós temos o trabalho da alma a favor das sucessivas perfeições, no qual o trabalho crítico, segundo o estilo moderno, as alturas, as espessuras devem entrar secundariamente e apenas para evitar o monstruoso.
Atinge-se o ápice quando, numa Sainte-Chapelle, uma certa visão de conjunto da capela perfeita, que esteve inexplícita durante todo o tempo em que estava sendo construída, explicitou-se inteiramente ao ser concluída.
Isto que estava no anseio de todos, em cada um era de um determinado modo, irmão do outro modo. Não havia brigas. Compreende-se aí que os artistas que nela trabalharam, os artesãos, os reis, os bispos, enfim, todas as autoridades que deram alguma ideia para ela ser como é, que previram como aquilo era e entraram com dinheiro, com proteção, material, etc., para ela ser perfeita, todos eles, vendo-a, pronta disseram: “Ah, é verdade! É isso que devia ser!”
(Extraído de conferências de 8/5/1994 e 21/9/1994)