sábado, septiembre 21, 2024

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Para o bem é preciso dar tudo!

Dama profundamente católica, Dona Lucilia discerniu na doutrina infalível da Igreja o melhor instrumento para a formação de seus filhos. Sua bondade, aliada à intransigência de princípios, foi motivo da constante admiração de Dr. Plinio.

A Santa Igreja é mestra de todas as verdades que dizem respeito à Religião. Neste sentido, tudo quanto é católico é bom e tudo quanto não o seja é ruim. Como a civilização moderna está dominada pelo neopaganismo, é preciso saber viver dentro dela, combatendo-a. Como procedia Dona Lucilia em nossa educação dentro desta perspectiva?

A suavidade intransigente de Dona Lucilia

Mamãe era um modelo de suavidade, bondade, do que hoje em dia se chamaria compreensão. Ora, havia no fundo de sua alma o seguinte princípio: a verdade – no caso, a Igreja Católica – precisa ser aceita, atendida, obedecida. Ela observava isso no modo de educar a mim e a minha irmã. Ela era de um carinho inexprimível, mas quando um de nós fazia uma coisa má, não transigia.

Como mamãe era muito doente, havia contratado uma governanta alemã que, sob a direção dela, nos educava. Lembro-me de esta governanta chegar e me dizer: “Plinio, Dona Lucilia está chamando você.”

Pelo modo de falar, eu – quando sabia ter feito algo errado – já percebia que receberia um “pito”. Minha mãe em geral encontrava-se recostada num sofá. Ela me via entrar e, quando estava aborrecida, seus olhos, que eram castanhos, tornavam-se mais escuros. Ela me chamava junto a si dizendo:

— Chegue aqui.

Eu me aproximava, ela me pegava pela cintura com um braço e, enquanto olhava para dentro de meus olhos, dizia:

— Meu filho, é verdade que você fez tal coisa?

Eu não ousava mentir para ela, então afirmava:

— Sim, eu fiz.

— Mas você sabe que andou mal?

Às vezes eu não tinha conhecimento. Ela então me explicava com muita doçura e afeto, sem nenhuma pressa e sempre me segurando pela cintura.

Fotos: Arquivo Revista
Fräulein Mathilde Heldmann

À medida que ela notava que eu, de fato, não sabia que tinha andado mal, a cor de seus olhos ia clareando e ela terminava dizendo:

— Bem, agora que mamãe explicou para você, nunca mais faça isso.

Ela beijava-me muito afetuosamente e eu saía…

Repreensões repassadas de bondade

Às vezes eu tinha culpa, e ela advertia:

— Você agiu mal, porque já sabe que isso não pode ser feito. Você não tem direito de fazê-lo porque esta sua ação ofende a Deus, ao Sagrado Coração de Jesus, a Nossa Senhora; sua ação é ruim, é errada, foi feita assim, assim, assim.

Era tudo tão razoável, explicado com tanta clareza e com tanta paciência, que tinha a impressão de ir me fundindo dentro dela. No fim acrescentava:

— Você pede perdão a mamãe?

— Peço.

— Você não ofende mais a Deus?

— Se Deus quiser, não.

O episódio terminava, mais uma vez, com uma grande reconciliação.

O quarto dela ficava ao fundo de um longo corredor e passar por ele levava algum tempo. Percorrendo-o, eu ficava pensando no que tinha ouvido dela.

Fotos: Arquivo Revista

A bondade dela causava em mim tal efeito que eu, às vezes, tinha vontade de voltar e dizer: “A senhora quer repetir sua repreensão?”

Mútua ajuda nos naufrágios da infância e da velhice

Lembro-me também de como era o carinho de mamãe em minha mais tenra infância, quando eu acordava durante a noite com insônias. Eu percebia que ela estava desvairada de sono. Eu me sentava sobre seu peito e abria seus olhos com as mãos – aí minha truculência já se anunciava… Ela abria os olhos, olhava-me com afeto e dizia-me: “Meu filho!”

Ela sentava-se na cama, trazia-me para junto de si, tirava seu travesseiro, punha-me sentado nele – eu era uma criança de dois, três anos – e começava a brincar comigo.

Naquele tempo eu pensava: “Querer bem é isso e com ela eu me arranjo!” Não era um pensamento utilitário; a ideia era: “Eu preciso querê-la assim e já a estou querendo.”

Ela me salvara daquele naufrágio, o qual consistia em estar acordado sozinho, num quarto escuro, por onde apenas entrava um pouco de luz por uma fresta de porta. Ela tinha me salvado do desespero, e com que abundância, com que bondade!

Ao chegar sua velhice, eu a ajudei, porque aquela solidão seria um naufrágio do qual a minha, no quarto de noite, era apenas uma imagem. E creio ter feito com ela o que ela fez comigo.

Num episódio caseiro, uma lição de intransigência

Quando eu era já moço, com meus vinte anos, houve uma agitação política muito grande no Brasil. Um dos irmãos de Dona Lucilia foi visitá-la. Ele era secretário de um dos ministérios do Estado de São Paulo, um cargo equivalente ao de ministro hoje em dia. Conversaram cordialmente – eu estive presente –, uma conversa comum de família. Terminada esta, ele levantou-se para sair e ela foi acompanhá-lo até à porta. Parando, percebi que uma ideia lhe tinha passado pela cabeça.

Ela era um pouco baixa e ele um homem alto. Olhando para mim numa posição na qual ela não podia vê-lo, piscou-me com um olho, o que no costume brasileiro equivale a dizer: “Eu vou provocá-la de um modo afetuoso só para me divertir.” É a liberdade que há entre irmãos. Ele tomou uma fisionomia diferente e declarou:

— Lucilia, agora temos de tratar de um assunto. O governo de São Paulo está convocando todos os jovens para pegarem em armas a fim de acabar com essa revolução – o porquê daquela revolução ela não sabia – e preciso avisá-la de que o Plinio vai combater.

Ela ergueu-se, quase cresceu de altura e respondeu:

— Meu filho não vai perder a vida por causa dessas revoluções que vocês fazem e que não têm sentido. De maneira que não conte com isto, porque ele não vai mesmo!

Ele fez uma cara de desagrado e replicou:

— Mas se fosse para defender a Religião você o mandaria, não?

Ela mudou de postura e afirmou:

— É evidente, para defender a Religião é o primeiro que vai!

Quando a viu bem zangada, ele caiu na gargalhada; ela percebeu tratar-se de uma brincadeira e a coisa acabou em beijos, abraços.

Para o bem, tudo!

O que havia por detrás disso? Era sempre o princípio: para o bem, tudo, até dar a vida, para a bagatela que não tem sentido, nada! Era o sistema pelo qual se formou a minha intransigência.

E, vendo-a querer-me bem daquela maneira, aprendi com ela e nela a querê-la bem do mesmo modo. Isto é verdadeiramente união.

Quando se vê uma qualidade em alguém e se ama de maneira a modelar o espírito de acordo com aquilo, dá-se a união. Porque é ver, admirar, inalar, receber, acolher e modelar-se. Isto é unir-se.

(Extraído de conferências de 6/10/1984 e 20/4/1995)

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