O mundo contemporâneo marcha para um desregramento moral sem limite, que lhe arranca a Fé, o desejo das coisas sobrenaturais. Esse caos é uma consequência da supressão da realeza de Jesus Cristo, a pedra de ângulo sem a qual nada se constrói.
A respeito da festa de Cristo Rei, temos a considerar o seguinte texto1:
Hoje a Igreja quer nos fazer refletir sobre as consequências desse chamado universal para a Fé de Jesus Cristo. As nações foram no conjunto convertidas para o Senhor, que lhes trouxe, com os conhecimentos sobrenaturais, os benefícios de uma civilização que o mundo antigo tinha sempre ignorado. Mas, infelizmente, há dois séculos um erro extremamente pernicioso devasta todas as nações e particularmente a nossa. Esse erro é o laicismo. Esse erro consiste na negação dos direitos de Deus e de Nosso Senhor Jesus Cristo sobre toda a sociedade humana, tanto na vida privada e familiar, quanto na vida social e política. Os apóstolos dessa heresia retomaram para si o brado dos judeus deicidas: nós não queremos que Ele reine sobre nós.
Em face dessa peste de nossos tempos, os Papas não deixaram de elevar sua voz. Mas o flagelo crescendo sempre, Pio XI quis aproveitar o ano jubilar para lembrar solenemente ao mundo, pela Encíclica Quas Primas do dia 11 de dezembro de 1925, o pleno e inteiro poder de Jesus Cristo, Filho de Deus, Rei imortal dos séculos, sobre todos os homens e povos de todos os tempos. De mais a mais, para que esse ensinamento tão necessário não fosse deveras esquecido, ele instituiu, em honra de sua universal realeza, uma festa litúrgica que foi, a um tempo, um memorial solene e uma reparação dessa apostasia das nações, que tende a se manifestar na doutrina e nos fatos, em nome do laicismo contemporâneo. Enfim, o soberano pontífice prescreveu, nesse mesmo ano e nessa mesma solenidade, a renovação da consagração do gênero humano ao Sagrado Coração de Jesus.
Tríplice realeza de Cristo
É preciso lembrar alguns aspectos sobre a realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo que nem sempre são postos na evidência necessária. Se Ele é Rei, o é por três títulos diferentes, cada um dos quais marca sua realeza com uma qualidade especial.
Em primeiro lugar, Nosso Senhor Jesus Cristo é Rei por ser o Unigênito de Deus e tem o pleno e absoluto domínio sobre toda a criação; em segundo porque, pela Encarnação, é o Homem-Deus e chefe natural de toda a humanidade, todos Lhe devem obediência; em terceiro lugar, Ele é Rei por ser nosso Salvador. Morrendo na Cruz, conquistou-nos a salvação eterna; e pelo fato de nos ter comprado a vida sobrenatural, de nos ter redimido com sua Paixão, tem sobre nós um direito pleno e é, na verdade, o nosso Rei.
O que é próprio à realeza é que qualquer ordem só pode existir na dependência do rei legítimo. Quando este é afastado, tudo não passa de desordem, sobretudo quando se trata do Rei por natureza, Jesus Cristo. Os melhores sucessos não são senão ilusão; as piores coisas que venham a acontecer são ainda uma pequena amostra do mal profundo a que se pode chegar.
Isso porque o normal é que o reino esteja dependente de seu rei e não se pode encontrar paz, tranquilidade, honestidade, progresso, não se pode encontrar o verdadeiro caminho, a não ser em união com seu rei. Um reino privado de seu rei é como um corpo privado de sua cabeça.
Assim sendo, o mundo privado da realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo nada tem de realmente bom.
Símbolo da sociedade atual no fenômeno da roseira cortada
Compreendo que se possa considerar muitas coisas boas que existem no mundo contemporâneo. Pode-se falar a respeito dos sistemas de encanamento, da aviação, do telégrafo, da televisão; maravilhas ou pseudomaravilhas, grandes ou pequenas, da modernidade.
A verdade é a seguinte: depois de ter eclodido a Revolução e os povos se terem afastado de Nosso Senhor, podem-se até encontrar coisas boas, que têm em si mesmas utilidade para o homem. Ora, como se desenvolvem num mundo separado de seu Rei Divino, nada é, de verdade, bom e só concorrem para acelerar a decadência.
O mundo atual está vulnerável, porque atingido no que tem de mais profundo, a sua própria raiz; ele está cortado, seccionado em relação Àquele que é a fonte de toda vida, que é o Caminho, a Verdade e a Vida, Nosso Senhor Jesus Cristo.
Na natureza encontramos uma explicação: depois que cortamos uma roseira, durante uns dois ou três dias as flores ainda desabrocham, devido à seiva existente antes do corte. A planta está morta e, apesar de haver nela alguns fenômenos esporádicos de pós-vida, não se passará outra coisa senão a marcha para a morte.
Seria um bobo e faria um comentário sem propósito quem, olhando-a cortada, dissesse: “Ah! Cortar a raiz não tem importância, porque veja, a roseira ainda floresce.” Na realidade, sabe-se que na planta, uma vez cortada a raiz, tudo caminha para a morte.
É exatamente isto que se passa no mundo contemporâneo.
Tirada a Pedra Angular, a decadência torna-se inevitável
Nós, que temos a consciência exata da festa de Cristo Rei e do que significa a realeza d’Ele, devemos evitar qualquer forma de otimismo bobo a respeito do mundo contemporâneo. Ele marcha para sua ruína em virtude de um desregramento moral sem limite, que lhe arranca a Fé, o desejo das coisas sobrenaturais, que estanca nele o amor ao sacrifício, à Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, que orienta o dinamismo de todas as suas apetências para o mal.
É algo tão profundo, que não só no mundo de hoje os maus são péssimos, mas os bons amam fracamente o bem, como uma espécie de repercussão dessa atração geral para o mal, a qual arrasta alguns de modo efetivo, em outros neutraliza a apetência para o bem. De maneira tal que quase ninguém na Terra tende com seriedade para a virtude, para a imitação de Nosso Senhor Jesus Cristo e das virtudes de Nossa Senhora.
Eis o fruto dessa grande apostasia chamada Revolução, porque o mundo, isolado de seu Rei, não pode produzir senão infâmia, vergonha e degradação. Este caos para aonde vamos avançando é uma consequência da supressão da realeza de Jesus Cristo, que é a Pedra de ângulo sem a qual nada se constrói. É por isso que diante de nós, no caminho do mundo contemporâneo, existe a perspectiva da ruína, da morte e mais nada.
Não há autenticidade na virtude sem vida interior
O mesmo princípio aplica-se à vida interior dos indivíduos. Onde Nosso Senhor Jesus Cristo não está presente por uma vida espiritual levada com seriedade, pelo desejo sério da santificação, não nos iludamos, as virtudes que possam ser praticadas não são autênticas, é um simulacro e mais nada. Não quero dizer que sejam virtudes fingidas, mas são como esse fim de desabrochar na roseira cortada.
Há uma “pós-virtude” que faz com que um ou outro filho das trevas consiga ser ainda um bom pai, um profissional mais ou menos correto, um amigo que presta assistência a outro na hora do apuro. São resíduos de Cristianismo que estão aí dentro, mas que subsistem no estado de resto.
Porque a Igreja nos ensina que a virtude é uma só: a do homem que está em estado de graça. Mas, quando alguém comete um pecado mortal, todas as virtudes que ele tinha – não só aquela contra a qual ele pecou – deixam de merecer o nome de virtude; são restos mortais de uma virtude que existiu, mas não o é mais. E aquela alma está toda ressequida pelo pecado, marcada para ser entregue ao demônio se ela morrer de um momento para o outro, se dela não tiver pena Nossa Senhora, que é a Medianeira universal de todas as graças, de maneira a lhe obter a conversão.
Afirmar haver virtude séria, estável e consistente na pessoa que vive no hábito do pecado e se encontra em pecado mortal, é negar a realeza de Jesus Cristo. Porque Ele é o Rei das almas, e se Ele não está em uma alma, nela tudo é treva, tudo é desordem, ainda que por um lamentável xodó nós queiramos imaginar que não seja.
Nós devemos desistir dessa visão: “Tal parente meu, tal professor, tal amigo está em estado de pecado mortal, mas tal virtude ele a tem seriamente.”
Eu digo: comece por não chamar isso de virtude; depois, lembre-se: se em cada homem é fraca a virtude, tanto mais será nos pecadores com restos de virtudes.
Alguém dirá: “Mas o senhor não tem pena do pecador?” Enorme! E a razão pela qual a tenho é a miséria na qual ele se encontra e que estou descrevendo. Se eu achasse que ele está num estado bom, não haveria razão para ter pena. É porque o estado dele é miserabilíssimo, é tristíssimo, que devemos nos compadecer dele, rezar por sua conversão. Mas, enquanto ele está em estado de pecado…
Escravos de Jesus Cristo ou servos de Satanás…
Isso é muito necessário ter em vista nesta época em que se esquece ca da vez mais aquele princípio enunciado por Nosso Senhor no Evangelho: “Seja o vosso ‘sim’, ‘sim’, e vosso ‘não’, ‘não’” (Mt 5, 37). Se é bom, é bom; se é ruim, é ruim. Vamos dividir os campos, abrir as trincheiras e mostrar bem o que está de um lado e de outro, lembrando-nos de que um verdadeiro abismo separa aquilo que é do Reino de Cristo daquilo que não o é.
E o que não é do Reino de Cristo? São Luís Grignon de Montfort desenvolve bem isso no Tratado da Verdadeira Devoção. Ele mostra que, depois do pecado original, a condição natural do homem é ser escravo. Ou nós concordamos em ser escravos de Nossa Senhora, de Nosso Senhor Jesus Cristo, reconhecendo o senhorio e a realeza d’Ele, ou seremos escravos do demônio. Portanto, passamos de modo obrigatório de uma escravidão para outra.
Não chamaremos de caos, de desordem aquilo que não é o Reino de Cristo. Daremos o nome mais concreto e que vai mais longe: o que não é o Reino de Cristo é o reino de Satanás.
Uma nação leiga, como são tantas da América Latina, como é nosso pobre Brasil, que declara: “Não sou oficialmente um Estado católico, eu não tenho religião de Estado, eu me coloco indiferente a todas as religiões”; essa nação aboliu em si a realeza de Cristo, declarou que Ele não é seu Rei. Mas, é só isso? Não há meio, se Cristo saiu, o trono foi ocupado por Satanás, porque não pode deixar de ser ocupado por um dos dois. E o laicismo, contra o qual falava Pio XI, é o reinado de Satanás. É, portanto, o reinado da irreligião, da indiferença diante de Deus, da impiedade, o qual não é senão o reinado de Satanás.
E não haverá teólogo ou pessoa capaz de raciocinar que derrube a lógica e a segurança desse raciocínio.
Quintessência do Reinado de Cristo, o Reino de Maria
Então, o que devemos pedir? Nós precisamos ter postos os nossos olhos dia e noite nesses fatos e desejarmos o advento do Reino de Maria. Como um justo da Antiga Lei desejava a vinda do Messias, nós devemos pedir, com todo ardor, que venha essa quintessência do Reino de Cristo, que é o Reino de Maria. E o que o Reino de Cristo tem de mais característico, de mais ardente, de mais ele mesmo, é o Reino de Maria. E é por causa disso que nós devemos dizer: Ut adveniat regnum Christi, adveniat regnum Mariæ – para que venha o Reino de Cristo, que venha o Reino de Maria! É isso que de todo coração nós devemos desejar.
E em homenagem a Cristo Rei, cuja festa comemoramos, sugiro oferecer nossa Comunhão e nosso Rosário a Nossa Senhora, para que Ela obtenha, desde logo, a vinda do Reinado d’Ela!
(Extraído de conferência de 29/10/1966)
1) Não dispomos dos dados bibliográficos desta ficha.