sábado, octubre 5, 2024

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Entre Anjos e demônios

Quanto mais o homem ama a Deus, tanto mais fica sensível ao bem e ao mal, tornando-se capaz de discernir a ação dos Anjos bons e dos anjos ruins sobre si e sobre os ambientes. Lutando contra o demônio, faz-se a mais prodigiosa das guerras psicológicas contrarrevolucionárias.

Tanto os Anjos quanto os demônios se conhecem e se veem de um modo puramente espiritual.

Vaga ideia de como os espíritos se conhecem

Como um puro espírito conhece outro? É difícil sabermos, mas pode-se ter alguma ideia considerando o seguinte: constituídos de corpo e alma, não temos a possibilidade de ver a alma de outro, mas podemos conhecê-la através do olhar.

Que maravilha de visibilidade perceber em movimentos submicroscópicos, cujo conjunto, por uma interpretação delicadíssima, dá o conhecimento de um olhar! É uma coisa extraordinária.

Não há uma alma que veja diretamente a outra, mas há uma simbologia do olhar por onde, pelas menores contrações, se conhece um estado de espírito e se tiram conclusões psicológicas, espirituais, morais, artísticas, culturais.

A tal ponto que, a respeito do olhar tão significativo da imagem de Nossa Senhora de Fátima que chorou em Nova Orleans, se pôde escrever Peregrinando dentro de um olhar. Essa expressão supõe que há olhares que são de uma vastidão, dentro dos quais se pode fazer uma peregrinação; como também há olhares de portas fechadas, que dizem: “Não me penetre, porque o que tem aqui não é para você e talvez seja contra você. Olhe-me se quiser, mas eu fechei uma certa escotilha que você percebe que está fechada.”

Divulgação
Imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima – Nova Orleans (Estados Unidos)

Através do modo pelo qual um olhar percebe outro, pode-se ter uma ideia vaga do modo pelo qual um espírito conhece outro. É quase como se fosse um olhar de alma a alma.

Mas também há um outro modo pelo qual conhecemos os outros – hélas! não nos conhecemos a nós muitas vezes… – é uma certa vibração vital ou nervosa que, em estado mais evidente ou menos, todo mundo carrega em si.

Às vezes entra uma pessoa em uma sala e esta se enche com ela. Outras vezes entram cinco em um ambiente e parece não entrar ninguém. Por que acontece isso? Tomemos, por exemplo, Carlos Magno.

Carlos Magno, um exemplo de alma grandiosa

Carlos Magno trazia consigo a Europa. Mas, onde ele trazia, nos olhos? Principalmente neles, mas também nos braços poderosos, na alta estatura capaz de dominar, na sua voz que eu posso imaginar possante; na composição das frases, nem sempre muito limada nem muito escolhida, mas sempre com significação, nunca dizendo uma coisa vazia ou tonta. Por meio de tudo isso podemos imaginar como ele enchia uma sala, um país, um continente, ele enchia o próprio império!

Bem se poderia dizer que ele era imperador mais por causa desse poder que lhe tinha sido concedido de encher um continente com a sua alma – porque não era com o corpo que ele enchia –, do que pelo poder de mandar. O poder jurídico de mandar era, talvez, um dos menos importantes nele. O de sua personalidade era maior.

Flávio Lourenço
Carlos Magno – Igreja Abacial de Saint-Florent du Mont-Glonne, Saint Florent le Veil, França

Semelhantes que se alegram, ­dessemelhantes que se repelem

Há um princípio latino que diz similis simili gaudet – o semelhante se alegra com o seu semelhante. Nós temos alguma coisa por onde nos encontrando e tratando com uma pessoa semelhante nós nos alegramos; quando tratamos com uma pessoa dessemelhante, temos um desagrado.

Assim também se dá, mas de modo muito possante, entre os puros espíritos, porque um conhece o fundo do outro, eles como que se olham; as semelhanças de um Anjo bom atraem outro; as dessemelhanças com os anjos maus repugnam e provocam ódio. Tomando em conta que entre eles não há distância física, compreende-se como lhes é fácil se conhecerem e com que força eles se atraem e se repugnam. As relações entre eles são fortíssimas, diria que são robustíssimas.

Eles se percebem, se atraem e se repelem, se amam ou se odeiam. É assim que nós devemos imaginar a atitude deles para conosco e, de algum modo, a atitude nossa para com eles.

Entre o que há de virtuoso em nós e o que há de santo nos Anjos bons – tudo é santo neles – há uma atração enorme. Por aí compreendemos que, às vezes, uma sensação de bem-estar, de alegria diante do dever cumprido, diante da consciência tranquila ou diante de uma vitória obtida, isso possa alegrar um Anjo. Compreende-se também que, passando um Anjo sobre nós que quer fazer sentir a sua presença pelo agrado que lhe damos, ele peça licença a Deus para se fazer sentir.

Atuação dos Anjos e dos demônios sobre os homens

Se numa reunião, por exemplo, há uma graça coletiva muito grande, pode-se dizer que um Anjo a sobrevoou.

Às vezes é o contrário, não sobrevoou um Anjo, mas uma coisa pesada. Quando vai começar a reunião, tem-se a impressão de que as almas estão dispersas, que todo mundo está hipnotizado por ninharias e, em consequência, a reunião não dá certo. É uma bolha com um demônio que está se fazendo sentir.

É preciso notar que nessa matéria há uma confusão intencionada por Deus na sua sabedoria, por onde muitas vezes há fenômenos puramente naturais muito parecidos com isso, e muitas vezes há fenômenos autenticamente sobrenaturais que não se parecem nada com isso.

Pode-se admitir que a ação dos Anjos bons e dos anjos ruins sobre os homens é muito mais frequente do que quando essa ação se exerce de homem a homem. Então pode ser que ambos atuem muito mais em nossa vida do que parece.

Capacidade de perceber a ação dos Anjos bons e maus

Como é a nossa capacidade de percebê-los? Quanto mais o homem ama a Deus, tanto mais fica sensível ao bem e ao mal, a menos que Deus tenha ordenado recolher as suas maravilhas para provar uma alma, e então esta fica na aridez. Se não se dá isso, a alma que ama a Deus pode, com uma frequência maior ou menor, segundo a sabedoria de Deus, que no fundo é o nosso grande diretor espiritual, perceber mais ou menos coisas, que às vezes são puros fatos físicos sem maior importância, mas às vezes são ações d’Ele na nossa alma.

Arquivo Revista
Dr. Plinio, em 1986, durante uma conferência

Como a alma que ama muito a Deus é mais sensível ao que é divino e por isso é mais sensível ao sobrenatural, assim também a alma que odeia muito a Deus é mais sensível ao preternatural, à maneira dela, e menos sensível ao divino, ou mais sensível para odiar.

Por exemplo, quando um grupo de homens como nós está reunido, existe, sem nos darmos conta, uma espécie de inter-relação, de “telegrafia sem fio” deste e daquele junto àquele e àquele outro, que indica muito bem os mil imponderáveis pelos quais o conjunto como um total, para o bem ou para o mal, está fazendo uma ação sobre cada um.

Harmonias e cacofonias

Que ação é essa? É uma composição, no sentido próprio da palavra. Da mesma forma se pode falar de uma composição musical cacofônica ou harmônica.

Flávio Lourenço

Há uma harmonia das almas boas quando se reúnem para amar a Deus, mas existe também uma distonia, uma cacofonia, quando umas amam a Deus e outras não. Daí resulta um embate glorioso, se as almas boas são fortes e pisam nas outras; e existe uma moleira malcheirosa e envergonhada, quando a alma boa é fraca e se deixa esmagar. Assim existem mil imponderáveis que nós, sem saber que estamos sentindo, sentimos de fato.

Esses imponderáveis resultam numa influência que nós não sabemos avaliar, mas que tem o seguinte de próprio: se num ambiente desses a graça paira – os Anjos são portadores da graça, embora não seja indispensável que haja Anjo para que haja graça –, este atrai os Anjos. Se, pelo contrário, a graça não existe, mas existe a desgraça, a não-graça, então os Anjos se repelem e o demônio vem contente.

Assim, num auditório, durante uma conferência ou durante uma execução musical muito boa ou quando esta deixa a desejar, os Anjos que sobrevoam aquilo se atraem mais ou menos, os demônios se atraem mais ou menos.

Entretanto, nós vivemos num mundo do qual se diria que os Anjos e os demônios desertaram. Todos os homens vivem imersos na persuasão de que eles não existem e que, portanto, não atuam nos acontecimentos contemporâneos. Aqueles que nos deveriam falar em nome da Fé, quase não nos falam sobre isso, quando não silenciam por inteiro. As tubas sagradas da Igreja Católica parecem emudecidas para essas grandes verdades das quais tanto tratam as Sagradas Escrituras.

Soldados inconscientes de uma guerra psicológica

Em contrapartida, ouve-se falar de paz, tranquilidade, comodismo, dinheiro, saúde, a perspectiva de que nada acontecerá, superficialidade, deboche, falta de seriedade, complô contínuo contra a Igreja Católica, de fora e de dentro, e ruína de tudo quanto há de santo e bom na Terra, de tudo aquilo que dá à vida uma razão de ser vivida. Isso é vida ou isso é morte? Já nem sabemos bem…

Torsade de Pointes(CC 3.0)
Judas Macabeu – Capela de Nossa Senhora da Consolação, Pierrelongue, França

Dir-se-ia que, por alguns aspectos, estamos no auge do belicismo, uma vez que as armas que os homens fabricaram nunca foram tão terríveis, tão exterminadoras como em nossa época. De outro lado, nunca uma tão longa era histórica, como a que vai do fim da Segunda Guerra Mundial até os nossos dias – até quando? Deus sabe –, foi percorrida numa tão pesada e severa apreensão da guerra.

Fala-se muito da bomba atômica; é evidente ser ela um meio de destruição terrível. Mas fala-se pouco sobre guerra psicológica, a qual se trava a todo momento, não só entre militares, mas entre civis; todos são soldados desta guerra e sem consciência disso.

O que é a guerra psicológica? É um sistema pelo qual, por uma propaganda hábil, um povo tira do outro a vontade de lutar e com isso derrota-o antes de invadir as suas fronteiras. Como se faz isso?

Faz-se, decerto, tendo um largo aparelhamento de traidores do próprio povo que, estipendiados pelo dinheiro, pela influência e pela esperança de carreira, por outras circunstâncias, se prestam a esse jogo.

Desertados pelos Anjos?

De vez em quando se repete entre nós a frase lindíssima de Judas Macabeu: “É melhor morrer a viver numa Terra devastada e sem honra”(1Mc 3, 59). No que concerne à moral, esta Terra não poderia estar mais devastada. É verdade que ela está cheia de arranha-céus, de fontes de prazer, mas as almas estão arrasadas e, se é assim, o que fica de pé?

Alguém dirá: “Nas brilhantes lutas dos Macabeus, lutas corpo a corpo, palpáveis, visíveis; eles iam com armas; Judas Macabeu avançava entre eles como um herói que empolgava todos os restos de fidelidade da nação eleita.” Era realmente magnífico. Mas os Anjos também se faziam presentes, apareciam sob a forma de seres humanos: um cavaleiro que apareceu à frente do exército, revestido de armas de ouro e combatendo (Cf. 2 Mc 11, 6-12).

Isso não é possível hoje. Por quê? Porque uma rajada de metralhadora liquidaria com Judas Macabeu e com seus homens. Alguém dirá: “Mas esse homem era um Anjo!” Nós dizemos: “Está bem, mas é preciso reconhecer que entre nós não há Anjos, estamos desertados deles. Magra compensação: também estamos desertados dos demônios.”

Quantos pacifistas há hoje que sustentam que é melhor entregar o país ao jugo russo do que enfrentar um bombardeio atômico. Judas Macabeu se indignaria e diria: “Homens sem vergonha e sem fé!”

Manobra psicológica

Isso se prende a uma manobra. Qual?

Tomemos um povo que é criado na admiração da glória militar e outro que é criado no pânico da guerra. A guerra já não está meio resolvida? É evidente! Se de um lado reina o medo e de outro lado a coragem, eu pergunto: qual é o resultado da guerra? Não pode haver muita dúvida.

Essa é a guerra psicológica, pela qual eles foram, aos poucos, tirando de todos os brinquedos das crianças, das antologias onde as crianças estudam, trechos célebres de História, os quais, por exemplo no meu tempo, reproduziam muitas cenas de bata lhas, muitas cenas de coragem e onde a coragem era posta nos cornos da lua como elogio; tudo isso foi retirado. E, em lugar da ideia de coragem, prevalece a de segurança. Um tem coragem e avança; outro quer segurança e se esconde. Quem defende seu território e quem ganha a guerra?

Flãvio A.
Mosteiro da Batalha

Isso é um pequeno exemplo, há quinhentos outros de como uma nação se embebe de medo, de entrega, de covardia, de maneira que ela perde a guerra antes de ser declarada. Essa é a guerra psicológica.

Da coragem ao securitarismo

Eu me lembro de um fato famoso da história portuguesa, que era representado numa antologia, como matéria para análises lógicas, quando eu era aluno no Colégio São Luís.

Era uma cena de um engenheiro cego, de nome Afonso Domingues1, construtor da abóbada do Mosteiro da Batalha, comemorativa de uma vitória obtida por Portugal. Ele tinha planejado a colocação da pedra de cúpula, a qual, uma vez mal colocada, o edifício inteiro ruiria2. O rei tinha medo de tirar os andaimes porque a cúpula podia cair, e havia uma coluna que sustentava a cúpula. Ele era cego, mas era muito bom arquiteto, tinha conseguido calcular bem toda a obra. Em certo momento ele disse ao rei: “Vamos fazer uma coisa: ponde-me sentado na coluna e tirai os andaimes. Se cair, cairá em cima de mim.”

Levaram o cego para lá, ele sentou-se e ficou esperando, ouvindo o barulho dos andaimes que iam sendo retirados. À medida que o número de andaimes diminuía, o ruído minguava. De repente acabou o barulho e ele, sem poder ver o que se passava, só seria avisado do que havia, caso alguma pedra caísse em cima dele. O cego estava tão seguro de sua obra, que ficou ali calmo durante todo o tempo. Passado o tempo de prova, levaram-no embora e houve uma grande glorificação. Glorificação do talento? Certamente. Mas sobretudo de uma qualidade: a coragem.

Eu acho provável que nos livros que se leem hoje nas escolas não haja essa narração. Não contam coisas como essas. A coragem não é glorificada; é glorificado o medo, a segurança, o desejo de ter boa saúde, de estar inscrito na Golden Cross3, de ter uma UTI e quantas outras coisas do gênero.

Esse é o ponto o qual é preciso não perder de vista: as nações estão sendo deterioradas.

Presença que gera uma guerra psicológica

Ora, em meio a tudo isso, é ou não é verdade que quando três ou quatro rapazes da nossa Instituição saem à rua, por sua castidade e sua fé, fazem guerra psicológica contrarrevolucionária? Eles fazem o papel dos Macabeus que lutam contra os inimigos da Fé, da Civilização Cristã, portanto, também contra os inimigos de suas respectivas pátrias. Porque, quem ataca a Fé e a Civilização Cristã ataca todas as pátrias do mundo ao mesmo tempo.

Em todos os ambientes que frequentemos, quaisquer que sejam, encontraremos um certo número de vezes um fato curioso: assim como satélites gravitam em torno dos planetas, assim os ambientes gravitam em torno de certas pessoas.

Há pessoas que têm certo dom de se fazerem imitar e há outras pessoas que têm uma necessidade de imitação e que, enquanto não encontram o modelo, tateiam como cegos, não sabem para onde vão.

Categorias de ambientes

Podemos dividir um ambiente em quatro categorias: os péssimos, os muito maus, os maus e depois uma vaga categoria dos que não são tão maus e que talvez pudessem ser chamados bons. Não é muito severa essa análise, é inspirada na Doutrina Católica. Mau é aquele que está em pecado e odeia a Deus; bom é aque le que está em estado de graça e O ama. Quantas pessoas hoje estão em estado de graça?

Arquivo Revista
Membros da Instituição de Dr. Plinio coletando assinaturas para um manifesto em 1968

Feliz do ambiente onde, em cada cem haja um na posse habitual do estado de graça! Feliz do ambiente! Bem, o resto são inimigos de Deus, formam o mundo. Esse isolado é um coitado esvoaçando no ar ou correndo pelos rodapés da sala, sem coragem de se mostrar ou de se impor. É preciso reconhecer: como é difícil saber impor-se num mundo de maus! Mas, na realidade, como é raro encontrar um bom que saiba se impor!

É certo que, em quase todos os ambientes, há alguns que, se encontrassem um sabendo se impor, ficariam contentes e passariam para o lado do bem. Por que os maus com tanta frequência têm esse prestígio e por que os bons, tão raras vezes?

Essa pergunta é de uma importância capital, porque isso faz do bom, muitas vezes, um derrotado nato, por definição, e faz do mau um vitorioso nato. Então, a Revolução ganhou e a Contra-Revolução perdeu!

Como virar essa situação? Quem responder a isso dirá como Maria Santíssima pode recuperar o Reino d’Ela nesta Terra.

Por que os maus se impõem

Quais são as causas pelas quais os maus se impõem tanto? Em primeiro lugar, eles sempre mandam no sentido do gostoso. O mal é gostoso. Se eu chegar e urrar como um tirano, eu sozinho, para mil homens: “Ide para lá, porque encontrareis o prazer!”, eu serei obedecido por eles. É fácil me impor nessas condições. Mas, se eu disser: “Ide para lá, que encontrareis a mortificação, a penitência, as tentações, mas no fim encontrareis o Céu”, haverá muitos que digam: “No fim? Esse fim está tão longe! Deixe-me caminhar rumo ao Inferno até a última hora em que eu me arrependa e vá para o Céu.”

Em segundo lugar, toda a propaganda está montada de maneira a encaminhar para o mal, e é difícil ao homem agir contra ela. Tudo no ambiente moderno convida para o mal, é uma coisa colossal. Pensem só na televisão, no rádio, nos jornais. É ou não é verdade que muitas vezes essa influência dos maus é tão grande que chega a tocar o misterioso?

De outro lado, às vezes vemos um bom tão forte que a pergunta se impõe: na força desse senhor – ou dessa senhora –, não haverá algo mais do que as meras forças naturais? Como na força dos maus não há algo a mais também?

Macabeus que avançam pela História

Então, a questão não é estar acompanhado dessa força misteriosa, que dá aos maus tanto domínio, mas que pode dá-lo aos bons quando eles a têm também?

Se os Anjos eram mandados para ajudar o povo eleito, qual é o povo eleito hoje em dia? Ainda existe? Sim! São os filhos da Igreja Católica, somos todos nós! Povo eleito são todos aqueles que são verdadeiramente católicos, apostólicos, romanos.

A Igreja Católica está numa situação tão triste em nossos dias que eu não sei se não é pior do que no tempo dos Macabeus. Quem é a coluna dos Macabeus que vai avançando pela História? São ou não os guerreiros da Virgem?

Existem demônios dos ares para atormentar os homens e os levar ao Inferno; se eles existem, que meio usar para resistir senão contar que os Anjos baixem?

Pode ser que sejamos uns moloides, mas, com o auxílio dos Anjos sobre os quais manda Nossa Senhora, Regina Angelorum – Rainha dos Anjos –, eles nos dão força e vamos para frente.

Há uma coisa que nós devemos pedir: sempre que estivermos em presença de maus, dominadores, que formam os ambientes e arrastam as almas, nós devemos rezar a Nossa Senhora para expulsar os demônios e mandar os Anjos.

Alguém dirá: “Mas, Dr. Plinio, o senhor não reconheceu há pouco que, às vezes, essa ação não é feita pelo demônio?” É claro. Mas, como eu não sei se é feita ou não naquele caso concreto, por via das dúvidas, rezo para expulsar.

Flávio Lourenço
Abraão com os três Anjos – Basílica de Santa Maria de Manresa, Espanha

Imaginemos que alguém me dissesse: “Talvez haja um homem com uma bomba ali, atrás daquela porta entreaberta, para jogá-la.” Eu não diria o seguinte: “Bom, como é incerto, não vou chamar a polícia.” É uma loucura! Como é incerto, chamo a polícia. Porque, se não é certo, é duvidoso; se é duvidoso, vamos providenciar.

Nessa luta, pedir o auxílio da Rainha dos Anjos

Então, cada homem, cada pessoa hoje, se não vive no estado habitual de graça, é incerto se tem ou não tem o demônio consigo. Não é razoável, quando alguém nos aborda, dizer: “Rainha dos Anjos e Terror dos demônios, acertai esta situação, mandai um Anjo, expulsai esses demônios que possa haver aí”? Recebe amável o outro, mas amabilidade de garras, como nosso leão. É magnífico!

Alguém dirá: “Mas, Dr. Plinio, é só com os outros? Não tem coisas comigo também?”

Eu digo: Tem, porque se tem com os outros, tem conosco. Se o demônio tenta o homem ruim e entra nele, ele tenta o homem bom para entrar nele também. E quando o homem bom cai, o demônio pode entrar nele, ficando sob o domínio do demônio. Então, alguém que está tentado não deve pedir a Nossa Senhora que mande embora o demônio?

O que devo fazer? Prestar atenção e, nos movimentos de alma ruins que sentimos, pedir a Nossa Senhora: “Ó minha Mãe, expulsai este demônio! Ó meu Santo Anjo da Guarda, afastai de mim o demônio que provavelmente está aqui!” Lutando contra o demônio, nós fazemos a mais prodigiosa das guerras psicológicas contrarrevolucionárias.

Eu proponho o seguinte: uma devoção especial a Nossa Senhora enquanto Rainha dos Anjos; procuremos, portanto, aprofundarmo-nos sobre os Anjos, sua natureza, sua finalidade, seu número.

Considerações de São Tomás sobre os Anjos

São Tomás de Aquino afirma que os Anjos são muito mais numerosos do que o número total de criaturas que Deus criou desde o começo até o fim do mundo4. Com isso temos uma ideia do que são os Anjos, quantos são e quanto nós devemos pedir o auxílio deles, que estão no Céu à espera de nossos chamados.

Outra afirmação muito curiosa se refere aos Anjos que fazem as psicopompas5. Para todo homem que morre, quando vai para o Céu ou para o Inferno, há Anjos especiais para os conduzir. Provavelmente são Anjos que assistem o homem na hora da morte, travam com ele a batalha contra o demônio e depois levam a alma dele para o Céu.

Ouviram falar dos “Anjos ferreiros” (cf. Zc 2, 3-4)? Alguém pode dar um sorrisinho “superior” e dizer: “Ah, eu não acredito nessas coisas, não tenho nenhuma certeza!” Eu tenho vontade de dizer: “Meu pobre coitado, você não acredita nessas coisas? É um espírito realmente superior. Dá um sorrisinho cômodo, não é? Mas você não compreende que aquilo que homens aclamados na Igreja por seu saber e por sua virtude estudaram e acharam, pode não estar certo; tolice não é. E seu sorrisinho não merece. Analise-se para saber se seu sorrisinho fácil e indolente não é provocado por um anjo do negrume. E, meu filho, faça uma jaculatória: ‘Minha Mãe, mande embora esse demônio e mande vários Anjos me ajudarem.’”

Flávio Lourenço

Alegria angélica da inocência

Eu comecei a notar essas ações angélicas na minha primeira infância, a partir dos seis, sete ou oito anos. Senti, com consonância e alegria, na união com outras crianças boas, puras, ou com pessoas mais idosas cuja virtude eu notava. Consonância e alegria das quais há alusão na Oração da Restauração.

A partir daí também existiram uma consonância e uma alegria com os espíritos angélicos, com a ideia dos Santos, dos Céus povoados de Santos benignos, de Anjos favoráveis que podem embalar uma criança na hora de dormir.

Depois dessa idade, aquilo foi se concretizando: “Em tal ocasião, eu senti algo especialmente bom; depois, em tal outra ocasião, senti outra coisa. Quando eu me encontro com tal pessoa, eu sinto algo; com tal outra eu não sinto; com tal outra eu sinto o contrário.”

Arquivo Revista
Dr. Plinio em 1986

O choque com a Revolução se deu lá pelos dez anos, mais ou menos, aí se deu o embate; todo o panorama se encheu de Anjos, de demônios.

A Oração da Restauração revela a história de todas as almas que passaram por isso. Saíram inocentes do batistério e mantiveram inocentes os seus primeiros passos na vida. Depois, com quantas e quantíssimas almas acontece que perderam a inocência numa profundidade maior ou menor. A Oração da Restauração se refere, portanto, ao paraíso que era a comunicação com Nossa Senhora que tinha no período de sua inocência.

Há poesias completamente laicas que tentam exprimir isso: “Ai que saudades que tenho da aurora da minha vida, da minha infância querida que os anos não trazem mais”6, que exprimem bem uma certa alegria da inocência em viver, em ver tudo com as luzes com que a inocência vê as coisas. E, em função dessa alegria da inocência, eu compreendi o maravilhoso no qual vivia, que não há coisa do mundo que substitua.

Nesta alegria estão os Anjos: é a alegria da inocência, alegria da infância, que nada pode exprimir bem. Felizes os que não a tenham perdido! Felizes também os que a recuperaram! Mais felizes os que subirem ao Céu com ela!

(Extraído de conferências de 15/3/1986 e 14/3/1995)

1) Arquiteto português (*1330 – †1401).

2) Fato narrado por Alexandre Herculano no conto A abóbada, na obra Lendas e Narrativas.

3) Plano de saúde.

4) Cf. Suma Teológica I, q. 50, a.3.

5) Psicopompo: termo grego que significa guia das almas. Na mitologia são criaturas, espíritos, anjos ou divindades cuja responsabilidade é escoltar as almas recém-falecidas da Terra para seu respectivo lugar após a morte. Este termo foi também adotado no cristianismo.

6) Trecho da poesia Meus oito anos, de Casimiro de Abreu.

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