A vida verdadeiramente cristã deve girar em torno dos Mandamentos. É a partir deles que uma pessoa poderá conceituar algo como bom ou mau, analisar a ruína ou o progresso de uma sociedade, e livrar-se dos problemas nervosos tão comuns em nossos dias.
Em nosso século, as palavras “bom” e “ruim” estão conspurcadas na linguagem corrente. Entende-se que boa é uma pessoa acessível à comiseração, que tem pena de alguém e, por isso, faz-lhe algum benefício. Ruim é quem é pouco aberto à compaixão e não toma atitudes agradáveis ou benfazejas para com os outros. Em geral, não vai além disso a consideração desses predicados.
O conceito de “bom” e de “mau” analisado segundo os Mandamentos
Consequentemente, é considerado bom quem tem certa ternura e sensibilidade. Quem não as tem é mau.
Deduz-se daí a impostação completamente superficial que as pessoas tomam diante da vida. Por exemplo, entra-se num ônibus, num metrô, ou em outro lugar coletivo qualquer, passeia-se o olhar e veem-se algumas pessoas com uma tendência natural a tomar uma posição benevolente. Olham para os outros com simpatia e percebe-se que se lhes fosse pedido um pequeno favor, fá-lo-iam de bom grado, e até responderiam sorrindo. Conclusão: essas pessoas são boas.
A respeito de outro que tem uma fisionomia mais carrancuda, olha-se e se diz: “Aquele é ruim!” Este já era o critério comum de análise em minha juventude, quanto mais agora!
Acontece, entretanto, que muitas vezes essas impressões enganam. Não podemos reduzir tudo a uma simples aparência de trato afável. O conceito de bem e de mal vai muito mais fundo do que um mero modo de ser.
Há pouco vi a notícia de um pobre homem que se jogou de um andar de um prédio, numa segunda tentativa de suicídio, e conseguiu matar-se. Pela fisionomia dele via-se ser uma pessoa comunicativa que causava naqueles com quem convivia a sensação de benevolência da parte dele. Entretanto, esse homem era incapaz de fazer esta coisa fundamental: carregar o peso da vida, quaisquer que fossem as circunstâncias, e não atentar contra sua própria vida.
Alguém dirá: “Mas, Dr. Plinio, ele não tinha o direito de se matar?”
Se ele tivesse esse direito, por que não teria também o de matar outrem?
Ora, eu não tenho o direito de matar outro homem porque ele foi criado por Deus, existe para Deus, e só Deus, que lhe deu a vida, pode tirá-la.
Este mesmo argumento vale para mim: não posso arrancar de mim a vida que Deus me deu. Só Ele pode tirá-la.
O suicida, portanto, é um assassino de si próprio. E se um homicida é mau por tirar a vida de seu próximo, o é também quem pratica o pior dos assassinatos, que é matar-se a si mesmo, pois quanto mais próximo o homem, mais culpável é o crime.
Assim, como um homem, que pela afabilidade de suas maneiras e de seu trato dá a impressão de ser bom, pode sê-lo de fato, se está planejando em seu íntimo tal ação criminosa?! Por mais que tenha aparência de ser uma boa pessoa, ele cedeu ao mal quando tomou a deliberação de suicidar-se.
Portanto, o critério para sabermos se uma pessoa é boa ou má, não se baseia nesta noção corrente de bondade. De fato, bom é quem cumpre os Mandamentos divinos, e mau é quem os viola gravemente.
Eis o código de toda bondade humana, este é o padrão.
O caos é fruto de uma humanidade que não pratica a Lei de Deus
Donde decorre que as nações estão tanto mais em ordem quanto mais os homens cumprem os Dez Mandamentos. E se ao visitarmos uma nação percebemos que ali se viola, com frequência, a Lei divina, a conclusão que podemos tirar é que aquela nação está em decadência, porque as peças da engrenagem — para retomar a metáfora do relógio — estão cada vez mais em desordem umas em relação às outras, porque se peca muito ali.
Pois bem, se cada peça do relógio está sujeita — por condições climáticas, poluição ou qualquer outra circunstância — a um processo de deterioração, há de chegar um ponto em que o relógio não funciona mais. Pode ser o melhor relógio do mundo, o mais fino, delicado; ou o maior, o mais vigoroso e sólido; se algo há no ar que vai enchendo de ferrugem as peças de um modo progressivo, em determinado momento o relógio todo está tão deteriorado que para.
Ora, isto mesmo se dá com as nações: se os homens que as constituem afastam-se progressivamente dos Dez Mandamentos, ou seja, deixam de ser bons e vão ficando cada vez piores, acabará por chegar um momento em que essas nações entram em caos.
Temos, assim, numa ponta a Civilização Cristã, que é a ordem das coisas na qual todos cumprem os Mandamentos. Na outra ponta temos o caos, que é a situação em que ninguém cumpre o Decálogo, em que todos pecam, todos são egoístas. Uma é a cidade de Deus, outra é a cidade do demônio.
Santo Agostinho — o grande Bispo de Hipona, um dos maiores luminares que a Providência tenha suscitado dentro da Igreja — diz que há dois amores que explicam as duas cidades. Uma é a cidade da ordem, onde todos têm o amor de Deus a ponto de se esquecerem de si mesmos. Na outra cidade, todos têm o amor de si mesmos levado ao ponto de se esquecerem de Deus. É a cidade do demônio.
Do progresso sem a prática da virtude resulta uma sociedade cheia de neuroses
É forçoso que, quanto mais um povo vai se paganizando, abandonando a Lei de Deus, tanto mais vai decaindo.
Isto nós observamos de modo impressionante neste nosso século. Se compararmos o mundo de hoje com o de oitenta anos atrás, veremos quanta coisa melhorou na vida humana. Basta pensar nos progressos assombrosos da Medicina. Quanto ela tem aliviado dores, curado doenças, prolongado vidas, enfim, espalhado bem pela Terra!
Consideremos, por exemplo, que no início deste século a anestesia em cirurgias se fazia por meio de clorofórmio. Era um método complicado, lento, e nem sempre eficaz. O paciente dormia, e quando acordava sentia náuseas horríveis que, por uma reação do organismo, podiam levar ao rompimento da sutura. Então era preciso operar de novo, ou seja, dar outra dose de clorofórmio!
Comparemos isto com as injeções de hoje e compreenderemos quanto bem a Medicina fez.
Não obstante, as desordens morais, econômicas e sociais criaram uma vida tão agitada e de tal excitação, que se estabeleceu uma neurose no mundo inteiro. E hoje é frequente andarmos pelas ruas e vermos pessoas que notoriamente sofrem de problemas nervosos.
Há lugares onde os criminosos não são presos porque não há cadeia que comporte todos os delinquentes que aparecem. Nota-se a sociedade inteira de hoje se contorcendo num mal-estar, numa aflição, numa angústia que leva os homens a fazerem verdadeiras aberrações.
Por exemplo, pode haver maior aberração do que o aborto, em que a mãe concorda em interromper a gestação e expelir de si o filho que estava sendo gerado? Quer dizer, é um pecado contra a natureza, é um pecado de homicídio, um pecado horroroso, que brada aos Céus e clama a Deus por vingança! Entretanto, vemos a quantidade enorme de abortos praticados em nossos dias.
“Não pecarás contra a castidade”, preceitua o Sexto Mandamento. Infelizmente, quão raras vão se tornando as pessoas que praticam a castidade!
E o que dizer sobre o adultério no mundo de hoje? Um dos argumentos alegados pelos defensores do divórcio é que não se suporta a indissolubilidade do vínculo conjugal. Ora, Deus manda que marido e mulher sejam fiéis um ao outro a vida inteira!
O que pensar de um país que não aguenta mais a indissolubilidade do matrimônio e, portanto, não tolera mais a boa ordem em um ponto tão grave? Os resultados são as desordens e o arrebentamento de todas as coisas.
Não tenhamos ilusão: o mundo de hoje progrediu maravilhosamente debaixo de muitos pontos de vista; contudo, a falta de observância dos Mandamentos não só o encaminha para o precipício, mas faz com que todos os progressos se revertam para ele em ruína. Progressos, de si, maravilhosos, mas que postos a serviço de uma civilização nevropata, tudo começa a vacilar.
Daí o aviso de Nossa Senhora em Fátima em 1917. Ela apareceu para os pastorinhos e declarou, na Cova da Iria, que o mundo vivia na imoralidade e que com isso a cólera de Deus estava com a medida cheia; e que se o mundo não se emendasse e não se consagrasse ao Imaculado Coração de Maria, viria o castigo em que haveria muitas desgraças, e só depois disso o mundo voltaria aos seus gonzos.
Nossa Senhora disse uma coisa brutal, cruel, errada? Não. Ela constatou um fato. O mundo estava em estado permanente de grave ofensa a Deus e cada vez mais continuou nisso.
Alguns critérios para levar uma vida verdadeiramente cristã
Em vista destas razões profundas, podemos tirar conclusões práticas para nossa vida.
Não considerarmos superficialmente as pessoas. A pergunta para saber se alguém é bom ou mau deve ser: Ele ama a Deus a ponto de cumprir os Mandamentos? Se ele ama a Deus, seja seu irmão; se ele não ama a Deus, reze para que ele passe a amá-Lo, trabalhe para que ele se converta, mas cuidado com ele!
Porque quem não ama a Deus não é capaz de amar sinceramente outra pessoa. O carinho do pecador é uma mentira. O afeto do homem ou da mulher que está em pecado só vai até o limite de sua própria sensibilidade. Em determinado momento, ponto final, acabou!
Quem não ama a Deus acima de todas as coisas, não imaginemos que vá amar alguém mais do que a si mesmo, porque ama a si próprio acima de todas as coisas. Pode querer outrem apenas enquanto é um instrumento de prazer, mais nada. Não é absolutamente aquele amor pelo qual fazemos o bem aos outros, ainda que não nos retribuam, e só porque amamos a Deus. Este é o amor desinteressado ao próximo, esta é a verdadeira seriedade.
Então, uma reflexão mais aprofundada nos conduz a este resultado inapreciável, uma convicção lógica e séria, que resiste a qualquer análise, a respeito de nossa impostação na vida.
Devemos saber governar as nossas simpatias e antipatias que, muitas vezes não são senão caprichos. Desconfiar, portanto, da nossa simpatia e nos perguntarmos: Aquela pessoa com quem simpatizo, ama a Deus e vive na sua graça? Se assim for, a minha simpatia tem uma razão de ser.
Tomemos cuidado também com as antipatias. Às vezes temos antipatias inteiramente gratuitas e para com pessoas que merecem nosso afeto. Analisemos as nossas antipatias de tal maneira que as julguemos adequadamente e saibamos tratar bem as pessoas para com as quais temos aversão por razões estúpidas.
É um modo de evitar muita injustiça e de levar uma vida verdadeiramente cristã, onde tudo é regulado pela Fé e pela Moral.
(Extraído de conferência de 8/12/1984)