Homo homini lupus — “cada homem é um lobo para outro homem”. Este dito do poeta latino Lucano reflete bem a terrível realidade das leis e costumes vigentes na Antiguidade pagã, antes de a Igreja Católica difundir por toda parte o mandamento de seu Divino Fundador: “Amai-vos uns aos outros como Eu vos tenho amado”.
Nas páginas seguintes, Dr. Plinio continua a mostrar a desumanidade reinante no paganismo.
Conta-se que numa porta de Babilônia, onde uma rainha se fizera sepultar, podiam-se ler estas palavras: “Transeunte, na tua vida come, bebe e diverte-te, porque depois da morte não há alegria nem dor”.
Tal máxima é uma amostra da filosofia de assírios e babilônios, povos cuja crença era de que, no outro mundo, não há nem prêmio nem castigo. Sendo assim, o melhor que se pode fazer é tirar da vida o máximo de compensação, inclusive às custas dos semelhantes.
A condição da mulher
O famoso Código de Hamurábi, promulgado por este rei de Babilônia (que viveu mais ou menos entre 2l81 e 2123 a.C.), conquanto apresente preceitos de real valor moral, está repleto de normas que espelham a degradação das civilizações antigas.
Depois de um preâmbulo em que Hamurábi narra suas façanhas, vem a enumeração das leis penais a serem aplicadas a diversas espécies de delito. Tomemos, por exemplo, normas referentes à mulher. Em primeiro lugar, sobre o adultério:
“A mulher adúltera dever ser atirada ao rio, mas se o marido perdoar o adultério, os dois devem ser atirados ao rio”.
“Se a mulher repudiada pelo marido é leviana, não pode exigir indenização, e o marido pode reduzi-la a sua escrava”.
“A mulher que abandona o marido é atirada ao rio”.
“Não é lícito ao marido repudiar a mulher enferma. Mas pode tomar outra mulher para si”.
Entre os caldeus, o casamento era, em tese, monogâmico: cada homem tinha direito a uma esposa legítima. Mas podia também ter quantas concubinas quisesse. Freqüentemente, era a própria esposa quem comprava uma concubina e a presenteava ao marido.
Outro parágrafo da legislação caldaica diz: “Se as virgens consagradas ao culto se embriagarem, devem ser queimadas vivas”.
Praticavam também o comércio de mulheres, a respeito do que Heródoto nos diz mais ou menos o que segue: “Em cada aldeia, uma vez por ano, as moças são reunidas em um determinado lugar, e o pregoeiro as faz levantar umas após outras; logo que as mais belas tenham achado comprador, fazem com que se levantem outras, e assim por diante. Os caldeus ricos que desejam casar rivalizam entre si para comprar as mais formosas. Depois, o pregoeiro põe à venda as menos bonitas.”
Vê-se que havia uma enorme desigualdade de condições entre marido e mulher. Esta disparidade de situação foi combatida pelo cristianismo, que pregou a monogamia e a pureza de costumes, tanto para o homem, como para a mulher.
Logo que, iniciados os tempos modernos, o cristianismo começou a perder o seu vigor inicial, começou novamente a mudar a situação: com o advento do ateísmo e de novas crenças, apareceu também a usança da poligamia hipócrita, e a mulher voltou a uma situação de inferioridade.
Daí a solução hodierna, consistente em igualar os dois sexos na corrupção completa dos costumes.
Também os filhos eram sujeitos a uma situação lamentável. Assim, o pai tinha o direito de entregar os filhos em penhor por três anos. Esse direito passou depois a valer para a vida inteira, isso em pagamento de uma dívida.
Pior ainda, era a aplicação que davam à famosa máxima do “olho por olho, dente por dente”: se, por exemplo, um arquiteto construía uma casa e esta caía sobre o filho do proprietário, punia-se não o arquiteto, mas o filho do arquiteto. Pretendia-se com isto fazer alguém sofrer o mesmo padecimento que infligiu a outra pessoa. Assim, era necessário fazer sofrer o arquiteto moralmente, punindo o seu filho. A lei não levava em conta os direitos do filho, que nada tinha a ver com o caso.
Em Roma, onde vigorava um direito tão mais desenvolvido, a população era submetida às asperezas do paganismo.
A situação em Roma
O Direito Romano compendia leis baseadas no direito natural, tão bem redigidas que foi herdado em boa medida pelos códigos civis modernos. Contudo, mesmo esse direito, antes de ser suavizado pelo cristianismo, continha determinações desumanas. Basta lembrar que dava ao pai direito de vida e morte sobre o filho.
Escultura de mulher helênica — Entre os povos antigos reinava uma enorme desigualdade de condições entre marido e mulher; esta, com muita freqüência, era desprezada em favor de concubinas, ou transformada em mero objeto de comércio
Na Roma pré-cristã, entremeando os combates entre gladiadores, colocavam-se às vezes turmas de lutadores anões, que se matavam debaixo das chacotas e dos risos, meramente para servir aos interesses desses sanguinolentos espetáculos.
À brutalidade somava-se a imoralidade: depois de certos jogos, todos os espectadores, senadores, cavalheiros, imperadores, matronas — misturadas todas as categorias sociais — desciam à arena para fazer uma saturnal hedionda.
Para se ter idéia da crueldade excepcional desses espetáculos, basta recordar os milhões de mártires, submetidos às mais tremendas torturas, sem distinção de idade, sexo, classe social, cultura ou fortuna. Não havia atenuante para o “crime” de ser cristão, expiado por tormentos atrozes, que parecem ter esgotado, no gênero, tudo quanto as mais fantasiosas imaginações pudessem conceber.
Excessos a que se entregavam os imperadores
No meio dessas barbaridades, a nobreza romana vivia num luxo incrível, e os imperadores entregavam-se a excessos.
Cito o caso de Heliogábalo. Esse homem atapetava de areia de ouro o pórtico do seu palácio, para que todas as pessoas que ingressassem no edifício imperial saíssem com os pés marcados. Usava túnicas de ouro e púrpura, recobertas por um manto tão sobrecarregado de pedrarias que quase não se podia mover. Desde os tornozelos à cabeça, cobria-se de jóias. Comia em triclínios de prata maciça, utilizando talheres de ouro e de ágata. Sua cama era de prata maciça, coberta de ouro. Até os animais que lhe pertenciam viviam no luxo: as feras de seu jardim zoológico eram alimentadas com papagaios e faisões, e aos cavalos eram dadas uvas raras.
No Grande Circo de Roma, o Coliseu, hoje reduzido a ruínas (acima), o povo se divertia diante dos combates cruéis entre gladiadores, ou com o sacrifício de mártires e condenados, devorados pelas feras (fotos menores)
Todavia esse homem, cercado de todos os elementos materiais necessários para alguém se sentir feliz, era constantemente atormentado pela preocupação com o suicídio. Mandou edificar uma alta torre, da qual se pudesse atirar a qualquer momento. Ao pé da construção, foi incrustado no chão um sol, feito de ouro e pedrarias, destinado a receber o corpo imperial, quando este viesse espatifar-se na terra! Para facilitar seu eventual suicídio, Heliogábalo encomendou uma espada com cavidades, fechadas por pedras, nas quais guardava venenos os mais eficazes. Desse modo, tinha ele constantemente à sua disposição o material necessário para pôr termo a sua brilhantíssima e desventurada existência.
São tremendas as reflexões que este fato nos sugere, mas, ao mesmo tempo, são confortadoras. Mostram como se iludem cruelmente aqueles que querem alicerçar a própria felicidade sobre as fortunas e os prazeres que ela proporciona. Mostram também aos homens retos e puros que não é na concupiscência, nem na imoralidade, nem na dissipação que se encontra a felicidade, mas na tranqüilidade ordenada e metódica de uma vida pura. O mundo pagão não soube ver isto. Faltava-lhe a luz sobrenatural do cristianismo.
A dureza dos costumes: os escravos
A escravidão era uma instituição tão corrente no mundo antigo que a maior parte dos homens não era livre, mas propriedade de uma minoria, ora maior, ora menor que dispunha deles como queria.
O escravo é aquele sobre o qual uma determinada pessoa possui um direito de propriedade. Ora, o Direito Romano define o direito de propriedade como o uso fruendi, utendi et abutendi . O direito de fruir de um bem, utilizá-lo, usá-lo e destruí-lo.
Assim também, o dono do escravo tinha sobre este o direito de fruendi, utendi et abutendi . Quer dizer, podia matar o escravo como quisesse, a hora que quisesse, sem ter de prestar satisfação a ninguém.
Lembro-me de ter visto uma estampa pela qual se podia ter bem a noção do que era o direito de escravidão na sua plenitude, no Direito Romano.
Era representada uma sala típica romana, quer dizer, vazada no alto e com uns tecidos transparentes, toda de pedra, com colunas e degraus. A parte inferior do recinto era dois ou três degraus mais baixa que a parte mais elevada. Esta última era mais fina, contornando a parte baixa, que tomava o grosso da sala.
Ao se olhar para a estampa, a atenção era diretamente atraída para um velho com um traje sumário, à maneira de tanga, que se contorce de dor na parte baixa da sala. Dois homens ainda relativamente moços estão sentados em torno de uma mesinha talvez redonda, e conversando com calor sobre algum assunto. Certamente era algo de política que os apaixonava profundamente. Por isso, quase não prestam atenção no que se passa ali, ignoram por completo a dor do velho. O título do quadro poderia ser: “A experiência”.
Qual a explicação desse desenho? Os escravos estavam submetidos a seus donos de um modo tão absoluto que, quando algum deles ficava velho e já sem condições de produzir, podia ser usado para fins cruéis. Por exemplo, mandavam-no chamar e dizer: “Você vai beber agora este veneno, porque queremos observar que efeito ele produzirá num inimigo nosso. Portanto, vá e beba”.
O escravo não tinha saída senão tomar aquela bebida e passar a sentir dores ali, à vista dos donos, os quais desejavam verificar como é o sofrimento de quem era envenenado, e julgar se vale a pena dar ou não dar ao inimigo.
Averiguar, por exemplo, se o paciente geme muito, grita e pode chamar atenção dos moradores da casa; neste caso, não é conveniente. É preciso procurar outro tipo de tóxico, e assim por diante. Ou então, se a intenção deles é fazer o sujeito sofrer muito antes de morrer, devem ver se o veneno mata logo ou se, pelo contrário, leva o indivíduo a se arrastar por uma tremenda agonia.
Isto mostra o caráter horripilante da escravidão do mundo antigo.
Valor menor que o de um pássaro
Os escravos eram tão numerosos que seu preço era baixíssimo. Houve uma ocasião, em Roma, em que um escravo custava menos de que um rouxinol.
Em cada casa rica havia funcionários chamados “cauifex”, os carrascos dos escravos, aos quais deviam aplicar constantemente tremendas penalidades.
Em geral, a indiferença da população pelos escravos era completa. Tácito, por exemplo, propôs a expulsão para a Sardenha de quatro mil escravos libertos, para que lá morressem pela insalubridade do clima. Tito, que destruiu Jerusalém com uma crueldade enorme e reduziu ao cativeiro todos os judeus maiores de 17 anos, foi no entanto cognominado por seus contemporâneos de “amor e delícias do gênero humano”.
Poucos servidores correspondiam à condição contemporânea de criado
Havia pouca gente cuja situação correspondesse à do criado contemporâneo, ou seja, o servidor que tem direito à vida e pode a qualquer momento deixar o emprego. O escravo não podia deixar sua condição, porque não tinha vontade própria, era um mero objeto de seu dono. Se o dono não o libertasse e ele fugisse, podia ser morto.
A pessoa se tornava escrava contra a vontade própria, é evidente. Ninguém ia querer se tornar escravo, ainda mais entendida a escravidão nesta radicalidade horrorosa em que a entendia o Direito Romano.
Se não fosse o receio de alongar exageradamente estes pontos, eu ainda relataria inúmeros outros detalhes tristemente significativos a respeito da situação dos escravos de Roma, situação esta, aliás, em nada inferior à que eles tinham em todos os demais países do mundo antigo, com exceção da Palestina.
Quando o Cristianismo começou a irradiar sua influência sobre Roma, e a orientar, em um sentido caritativo até mesmo seus adversários, ditaram-se diversas leis que protegiam a vida e a integridade física do escravo contra os abusos do senhor. Mas foram leis inoperantes, nunca aplicadas de forma a constituir para os escravos uma garantia suficiente.