domingo, noviembre 24, 2024

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Minhas primeiras impressões sobre o Céu

Muitos de nossos contemporâneos parecem sentir pouca atração pelo Céu, lugar que, a julgar por algumas de suas representações comuns, parece monótono, tedioso. Muito jovem ainda, Dr. Plinio passou por dificuldade semelhante, identificou-lhe a causa, e encontrou o modo de vencê-la.

Nos meus anos de menino, quando eu ouvia falar a respeito do Céu, sentia por ele, ao mesmo tempo, uma grande atração e uma imensa inapetência. Por quê? Pelo modo como me foi exposto.

Diziam-me — e é a verdade essencial — que lá vemos Deus face a face, por toda a eternidade, e Deus nos inunda com a felicidade da presença d’Ele. Vê-se Deus, não com os olhos da carne, mas com os do espírito. Quer dizer, a alma conhece a Deus diretamente. E como Deus é a própria Perfeição, a consideração d’Ele face a face, por todo sempre, nos inunda de gáudio. E acabou-se.

“Eu via certas pinturas religiosas sobre o Céu, e imaginava como aquele lugar tão extraordinário seria capaz de me inundar de gáudio…”

Seguindo os vários elos do meu raciocínio de menino, de mim para comigo eu pensava o seguinte: “Primeiro ponto, estar inundado de gáudio é muito melhor do que viver na terra, pois aqui eu não estou inundado de gáudio. Ora, o gáudio é algo esplêndido; mais vale a pena estar inundado dele, do que ter apenas uma parcelazinha a propósito de alguma coisa ou de outra. Ainda mais sendo passageira. No Céu estamos inundados de gáudio e por toda a eternidade! Não termina mais. Logo, o Céu é melhor”.

Eu começava a imaginar como podia me sentir repleto de gáudio, e percebia, por assim dizer, o recipiente sem líquido. Ou seja, eu notava em mim uma fome de gáudio fenomenal. Compreensível, uma vez que todos os homens têm essa fome de alegria, de felicidade e de bem-estar. Mas o que eu não compreendia bem era como algo poderia me inundar de gáudio.

Um eterno tocar de violino sobre confortáveis nuvens…

Quando eu via nas igrejas ou noutros locais certas pinturas religiosas sobre o Céu, prestava atenção para verificar se aquele ambiente, concebido pelo artista, me atraía. E muitas vezes a cena era esta: num céu monotonamente azul ( “céu de brigadeiro”, como dizem), um Anjo sentado em nuvem fofa a qual, porém, um pouco paradoxalmente agüenta o seu peso. E ele tocando um violino sem ouvintes, ao longo de toda a eternidade, deixando que a sua melodia repercuta e se perca num espaço infinito.

O artista pintava a fisionomia do Anjo inundada de gáudio. Mas, de minha parte, não sentia que aquele violino me enchesse de júbilo. Alguém poderia me dizer:

— Isso são apenas figuras, símbolos. É claro que no Céu não há violino. Lá você vai ver Deus face a face!

Eu responderia:

— Bom, mas como é isto? Esse Céu curioso, eu o vejo tão extraordinário, mas falta alguma coisa para me atrair.

Pela fé, eu sabia que o Céu era um lugar de todas as delícias castas. Contudo, quando me descreviam tais prazeres, tinha a impressão de que podiam ser muito agradáveis para outros, não para mim. Se eu for para o Céu — pensava —, não vou me sentir regalado com isto.

Compreendo que esse ambiente celeste seja mais agradável do que este vale de lágrimas. Mesmo assim, se eu tivesse que passar uma eternidade sentado numa nuvem branca diante de um céu azul, tocando violino, confesso que não me sentiria atraído.

— Vá para lá, e você vai ver…

Está bem. É esplêndido, magnífico, maravilhoso, ninguém tem aborrecimento, ninguém adoece… Mas, confesso: não sinto, nesse tipo de Céu, a pátria de minha alma.

O resultado é que a atração viva, pela qual eu tivesse uma vontade de me levantar da cadeira a fim de ir para o Céu, eu poderia tê-la sob uma forma: querer fugir deste mundo. Quer dizer, a vida aqui é tão aborrecida, tão cheia de ciladas — São Bernardo a chamou de vale de lágrimas —, que dá vontade de ir embora. Mas chegar até o Céu… Como a Igreja nos ensina que é um lugar muito bom, lá vou. No entanto, apesar de ser razoável que eu tenha dinamismo para ir, consultando-me a mim mesmo não sinto esse élan.

Imobilidade que não atrai

Havia ainda outro aspecto que me causava estranheza, nessas descrições que me faziam do Céu: aquela espécie de imobilidade ali reinante.

De fato, segundo a doutrina católica, no Céu o homem não pode crescer no amor de Deus. Pela razão compreendemos perfeitamente esta verdade. Portanto, o grau de amor de Deus com que alguém morreu se conserva por todo o sempre. Uma bonita expressão da Escritura traduz esse princípio: “A árvore, onde cai, aí fica”. Ou seja, cada homem permanecerá naquele grau de caridade alcançado no momento de deixar este mundo. Se morrer sem amor de Deus, sabemos o seu destino por toda a eternidade, fixo no grau de maldade em que fechou os olhos para esta vida.

Em suma: morreu, parou. E cessa o progresso espiritual.

Por outro lado, eu sabia que no Céu se tem toda a felicidade possível. Entretanto, ele se apresenta a mim como um lugar onde tudo parou, onde se tem a impressão de que todo mundo está eternamente estático, e nessa imobilidade fica olhando para Deus. Ora, está em nosso modo de ser gostar do movimento, da comunicação, e temos dificuldade em compreender como possa ser atraente um Céu assim tão parado.

Cogitações como essas fazem com que tenhamos pouca apetência dos bens celestes, e sejamos, portanto, pouco atraídos para aquele local paradisíaco.

Nossa maior alegria no Céu será o conhecimento contínuo de Deus, sempre novo, sempre repleto de infinitas maravilhas
(na página seguinte, pintura de Giotto)

Os gáudios do corpo que acompanham os da alma

Ora, sempre que eu fazia meditações sobre o Céu, encontrava aquelas vivências acima mencionadas. Então comecei a fazer um trabalho de reflexão, de análise, aproveitando trechos de livros de santos que escreviam sobre o Céu, com o intuito de construir para mim mesmo uma verdadeira imagem dele, constatando como ele é conforme à natureza humana, e, portanto, inteiramente conforme a mim. Desse modo passaria a vê-lo mais atraente e apetecível, onde poderia me sentir inteiramente bem.

Não me foi difícil entender que os deleites da alma no Céu são infinitamente superiores aos do corpo. A visão beatífica agrada de tal maneira que, diante dela, todos os gáudios do corpo são secundários. Mas, ficava-me uma preocupação: a maravilha das maravilhas é contemplar Deus face a face; porém, eu gostaria de, ao mesmo tempo, admirar uma paisagem, ver um pôr-do-sol, o mar, de andar pelos espaços das estrelas e conhecê-las todas. Minha alma anseia por sensações de caráter físico.

É uma preocupação que, à primeira vista, parece descabida. Contudo, é necessário imaginar o Céu segundo a psicologia humana, como ela existe aqui na terra.

Excogitando os deleites da alma

Para se ter idéia do que é um deleite da alma, devemos recordar o gáudio nas ocasiões em que recebemos consolações de ordem sobrenatural. É uma alegria que não vem, às vezes, a propósito de um fato externo. Sentimos na alma algo de simplesmente inefável, pois não se consegue descrevê-lo. Dá-se na consideração disto ou daquilo que Deus fez ou disse, ou enfim, de qualquer verdade ou grandeza da Igreja.

A criança, no período da inocência, tem certos movimentos de alegria e de louçania que provêem da felicidade comum (pelas razões concebíveis) visitada pela graça. De maneira que, com muita freqüência, às alegrias corriqueiras sentidas por qualquer criança inocente, soma-se uma alegria sobrenatural. Assim, o menino tem uma espécie de júbilo que o eleva de algum modo acima da terra. São alegrias que não se repetem ao longo da vida, a não ser que a Providência mande graças sobrenaturais, fenômenos místicos, etc.

Essa felicidade produzida pela graça não se compara a nada, e é um simples antegozo da felicidade que o homem experimentará, vendo a Deus face a face. Assim, quando alguém na idade madura quiser pensar no Céu, andará muito avisadamente se procurar rememorar esses ímpetos e essas alegrias da infância. Ele recordará certas alegrias que são como que celestes.

Portanto, o que teremos no Céu pode ser conjecturado pelo que a graça nos concede na terra. E por essa análise das graças sensíveis podemos ter uma idéia adequada do que é o Paraíso, sem nos esquecermos de acrescentar a noção dos prazeres e gáudios, santos e intensos, que nossos corpos provarão no céu empíreo.

Desse modo se torna bem mais compreensível a eternidade, do que simplesmente pela imagem do Anjo sentado numa nuvem, tocando violino. Embora seja uma figura digna de respeito, um símbolo que tem seu significado, não pode ser a única perspectiva através da qual se conceba algo de tão grandioso como a eterna bem-aventurança.

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