Na virada do milênio, a voz de Dr. Plinio continua a ressoar, como há 70 anos, proclamando que os alicerces de nossa civilização foram estabelecidos pela Igreja, e só sobre eles poderá reflorescer o mundo.
Por toda parte onde ela se faz sentir, a ação da Igreja é eminentemente civilizadora, em suas diversas manifestações. Ao mesmo tempo que o Cristianismo invadia a Alemanha com São Bonifácio, também entrava com ele, nos matagais selvagens da Teutônia, a civilização greco-romana. E o mesmo sopro de Cristianismo que varreu da Germânia agreste os fantasmas inconsistentes de sua antiga mitologia, varreu também para longe a selvageria e a crueldade que caracterizavam as implacáveis hordas de bárbaros que assolavam constantemente as divisas do Império Romano.
O que São Bonifácio fez na Alemanha, fizeram-no em todas as nações ocidentais inúmeros missionários humildes que, como pregoeiros da verdade, percorriam em toda a sua extensão a Europa bárbara e selvagem dos primeiros séculos medievais. Destes missionários, alguns foram elevados à honra dos altares. Outros jazem sepultados no esquecimento. Sua obra, porém, lhes sobreviveu. E quando o homem supercivilizado de nossos dias, orgulhoso da velocidade de suas estradas de ferro, percorre rapidamente a Espanha meridional, ou o Portugal que banha suas costas no Atlântico, em uma atmosfera límpida, cheia de vida e de luz, ou a Suécia gélida, eternamente mergulhada no seu sonolento e melancólico nevoeiro, em vez de se envaidecer com os inventos de seu século, deveria antes lembrar-se de que não há traçado de estrada de ferro, não há percurso de estrada de rodagem, não há campo de aviação e não há porto de mar algum, fora dos limites do antigo Império Romano, em que, há muitos e muitos séculos atrás, não tivesse nossa civilização penetrado pela primeira vez com o bordão de um missionário anônimo e abnegado.
E esta verdade não é apenas européia, desdobra-se por todo o universo. Nenhum transatlântico altivo pode singrar em demanda do Oriente, ou da América, sem que a sombra dos antigos missionários católicos lhe relembre que, antes da ganância do mercador, o ardor do apóstolo percorrera os mesmos caminhos, enfrentando as mesmas dificuldades, removendo os mesmos obstáculos e vencendo pela doçura e pela pregação as mesmas gentes que os mercadores iriam vencer pelas armas e pelo sangue.
Nossa Rua XV de Novembro, em que vibra toda a civilização americana, na vida agitada dos bancos ou na futilidade das vaidades femininas, é com razão o orgulho dos paulistas. Quem, no entanto, se lembra de que essa artéria trepidante nada mais é senão o fruto abençoado do suor de um missionário humilde e fraco que, quatrocentos [anos] atrás, percorria o mesmo lugar — então ermo e perigoso — catequizando os índios e recristianizando, com o risco da própria vida, os gananciosos e cruéis exploradores portugueses? Quem se recordará de que toda esta vida, toda esta grandiosidade que se ostenta na paulicéia hodierna, nada mais é do que o fruto de uma árvore pujante que Anchieta plantou com a semente do sacrifício, e regou com o sangue das macerações e as lágrimas da penitência? Ninguém.
É preciso, porém, que, a todo o custo, esta injustiça cesse. Nossa época deve ser sobretudo uma época de reparações, em que procuremos ligar novamente as coisas às suas raízes verdadeiras. E a maior das reparações, a mais urgente — a única, em última análise — é a reparação [para] com a Igreja.
Desilusões com o progresso
Muito se fala de nosso progresso. O século XX, que foi na sua primeira década uma comédia, transformou-se bruscamente em tragédia longa e sangrenta, que está longe de ter chegado a seu fim.
Ainda uma longa série de lances dolorosos nos separa do desenlace fatal da luta de tantos elementos que se chocam hoje em dia. E, como em todo ambiente verdadeiramente propício às tragédias, podemos distinguir em nossa época grandes vícios.
Nossa civilização material é soberba. O homem conquistou os ares, e pôde perscrutar os segredos do fundo do mar. Suprimiu as distâncias. Voou… Nossas fábricas têm aparelhos que podem fazer vergar como alfinetes as mais possantes barras metálicas. No entanto, nossa mentalidade padece precisamente do mal contrário. Em vez de vergar as barras de metal como se fossem alfinetes, sente-se a alma do homem hodierno fraca em relação aos alfinetes dos menores sacrifícios morais, como se fossem barras de metal.
Nossas aspirações são desencontradas. Como crianças que brincassem em uma sala de visitas, os homens quebram hoje, inconsciente e estupidamente, os últimos bibelots e jóias que nos restam da nossa verdadeira civilização.
A mecânica é utilizada para a destruição e para a guerra. A química não interessa somente aos hospitais, mas às fábricas de gases asfixiantes. Os tóxicos não têm apenas uso de laboratório; alimentam também os vícios de uma geração inepta para a vida, que procura evadir-se da realidade nas regiões sempre novas do sonho e da fantasia. A máquina, depois de ter devorado as tradições do passado, devora atualmente as esperanças do futuro. A produção já não condiz com o consumo. Tudo se desajusta, tudo se desagrega. E o homem de nossos dias começa apenas a perceber que, ao lado dos frutos amenos de uma civilização material rica em confortos requintados, também brotam os frutos amargos de um sibaritismo levado ao auge pelas próprias armas que a civilização forjou.
Desiludido de tudo, o homem de hoje (ao contrário do que sucedia no início do século XX) já não pinta mais o progresso, em seus quadros alegóricos, como uma mulher envolta em uma túnica grega com um facho luminoso nas mãos, a quebrar os grilhões do passado, dirigindo-se, com o olhar radioso de esperanças, para o futuro cheio de promessas. Só nas folhinhas e nas estampas de nosso princípio de século tal ingenuidade conseguiu encontrar lugar. Hoje, estas alegorias aparatosas foram relegadas ao olvido. E se alguém quisesse representar exatamente nossa época, deveria antes pintá-la como uma criança a chorar espavorida ante os pedaços de um vaso de porcelana que quebrou, e que não sabe mais consertar.
Moralidade frágil, ruína próxima
Chegou o momento de indagarmos [a respeito] das verdadeiras causas de tal desastre. É chegada a ocasião de esquadrinharmos novamente a história, não como um pasto para fantasias e utopias liberais, mas como laboratório em cujos fatos e acidentes, como em retortas e alambiques, se elaborou o presente. E chegou o momento em que nós, católicos, devemos proclamar e demonstrar a grande verdade da qual nos provém, como de fonte única, a salvação: o progresso, na sua acepção moral mais elevada, e nas suas manifestações materiais legítimas, provém diretamente da Igreja. O cortejo de vícios, de erros, de torpezas que ele arrastou atrás de si, proveio de um verdadeiro retrocesso à barbárie, que se processou na Renascença. E isto porque a Renascença foi bárbara, como é bárbara a condição primitiva de vida dos hotentotes. Efetivamente, é uma tendência essencial à civilização tornar cada vez mais perfeita a vida das coletividades humanas.
Bárbaro, portanto, e incivilizado, é o homem que não governa seus instintos e que se torna, assim, inapto para a vida social. Que esse desgoverno de instintos se cubra com as rendas e sedas dos sibaritas, ou que ostente somente a tanga dos polinésios ou dos havaianos, há nisto apenas uma questão de cenário. Mais civilizada seria uma nação sem rendas nem sedas, sem bondes nem telégrafos, mas na qual a moralidade reinasse, do que uma Sodoma eletrizada em todas as suas manifestações vitais, mas apodrecida em todo o vigamento de sua estrutura moral.
O alicerce de toda civilização é a moralidade. E quando uma civilização se edifica sobre os alicerces de uma moralidade frágil, quanto mais ela cresce, tanto mais se aproxima da ruína. É como uma torre que, assentando-se sobre alicerces insuficientes, ruirá desde que chegue a certa altura. Quanto mais se sobrepõem uns andares a outros, tanto mais está próxima sua ruína. E quando os escombros que entulharem a terra tiverem demonstrado a fraqueza do edifício, certamente os arquitetos de torres de Babel invejarão a casa de largos alicerces e de número limitado de sobrados, que desafia as intempéries e zomba do tempo.
O trabalho que a humanidade tem efetuado desde o século XIV consistiu em enfraquecer os alicerces e aumentar o número de andares. A Igreja, que pôde atuar livremente até o século XIV, trabalhou em sentido contrário: alargar os alicerces para, mais tarde, edificar sobre eles, não o monumento vão de um orgulho temerário, mas o fruto possante e admirável da prudência e da sabedoria.
Os alicerces que ainda hoje suportam o peso imenso de um mundo que desmorona são obra da Igreja. Nada é realmente útil sem ser estável. E o que ainda hoje nos resta de estável e de útil — de CIVILIZAÇÃO em suma — edificou-o a Igreja. Pelo contrário, os germes que ameaçam nossa existência nasceram precisamente da inobservância das leis da Igreja. Este é o diagnóstico irrefutável da sociologia católica, que devemos denodadamente defender.
(Transcrito do “Legionário”, nº 87, 27/9/31. Títulos e subtítulos nossos.)