Uma pequena igreja da Itália, em contraste com o prosaísmo e a feiura de tantos prédios atuais — construídos conforme o espírito revolucionário —, é mimosa com distinção e solenidade, remetendo-nos a uma atmosfera irreal e maravilhosa.
O ponto de vista sob o qual analiso e comento os monumentos europeus é o de despertar o amor a um tipo de maravilhoso existente na Europa, elaborado pela civilização cristã, e que é, portanto, um fruto do Sangue infinitamente precioso de Nosso Senhor Jesus Cristo e das lágrimas de Nossa Senhora.
Maravilhoso sapiencial, de caráter religioso
Foi disto, do senso da cruz, da virtude, do sacrifício que nasceu uma civilização que engendrou essas maravilhas, as quais exprimem algo do espírito e da sabedoria da Igreja. É esse maravilhoso sapiencial, de caráter religioso que consideraremos agora.
Temos aqui fotografias da Igreja dos Santos Nicolò e Cataldo, na cidade de Lecce, na Itália, contendo vários elementos ornamentais explorados a diversos títulos, constituindo várias formas de beleza do panorama italiano.
O panorama italiano é peculiar, pois certas coisas que são bonitas em qualquer parte do mundo, mas possuem dessas belezas comuns e vulgares que vemos e passamos adiante, na Itália existem de um modo especial, por onde elas tomam uma beleza quase clássica, que forma um dos maiores ornamentos desse país e um dos mais altos pontos de atenção do gênero humano.
Por exemplo, quem já esteve na Itália compreende, mas para quem nunca a visitou não é tão fácil compreender a beleza dos muros velhos escalavrados, de pedras que duram séculos, com cicatrizes de todas as molecagens que se fizeram em cima delas, de todos os granizos que caíram sobre elas, e que conservam a dignidade de uma face envelhecida, rugosa, mas com ar de matrona régia.
Notem esse muro. Uma pessoa com espírito moderno e pragmático teria mandado passar massa e depois pintar a óleo, para ficar lisinho e bonitinho, porque esse tipo de pessoas não entende senão o que seja lisinho e bonitinho.
Vejam quantas cicatrizes há nessas pedras! Todas cheias de poros, de sujeiras, de calosidades. Entretanto, isso batido pelo Sol da Itália dá uma ideia de eternidade, de uma coisa que nada destrói. Essa trepadeira dá a impressão de algo com uma forma de vida endêmica que não há Sol que acabe com ela, e segura com força o prédio, como quem diz: “Eu viverei”. As próprias pedras, batidas pelo Sol, têm qualquer coisa da boa natureza que resiste a tudo. Disso desprende-se uma noção de perenidade.
É preciso saber entender o pitoresco
Pode-se imaginar em uma dessas ruelas uma pizzaria onde se vende a famosa pizza napolitana, outro estabelecimento cheirando a polenta ou a mortadela, de dentro do qual se ouve um berro do patrão para a filha dele:
“Angelina, eu já disse que me traga tal coisa para este freguês!” — com ares de Nero proclamando a queda de Roma, atrás do balcão como se fosse um trono, e com aquela tendência declamatória pitoresca do italiano.
O filho do dono, por sua vez, é um homem que toca guitarra e canta “O Sole mio…” De repente, atrás de um arco desses ouve-se um gato miando…
Há dentro disso qualquer coisa de rústico, de elementar, de simples, de uma plebe sadia, vigorosa, que canta o Sol sem nenhuma espécie de artifício, e que constitui um dos verdadeiros encantos da Itália.
É muito bonito esse contraste no velho urbanismo da Itália: ruazinhas completamente emaranhadas, sem calçada e dentro das quais entram motocicletas, vespas, lambretas e automoveisinhos modernos. As pessoas se afastam, passa o automóvel, elas protestam, berram… Uma viazinha estreita que, de repente, dá num laguinho inesperado.
Segundo um urbanismo “hollywoodiano” o bonito seria uma avenida muito larga, terminando num lago ainda mais largo do que ela. E o transeunte, de longe, vai vendo a avenida por onde vai. Quando chega ao final, não tem nada de novo. Boceja ao chegar ao lago, pois já o estava vendo à distância.
Na Itália, não. Tudo isso é pitoresco, e é preciso saber entendê-lo. Do contrário, não se viajou pela Itália, não se viu a Itália.
Vamos, agora, analisar a igreja. Quem a construiu parece ter tido a pretensão de edificá-la como se fosse uma basílica. Ela é de proporções pequenas, mas toda sua fachada é trabalhada com a distinção e com a solenidade que caberiam a uma igreja grande. Poder-se-ia imaginar uma imensa basílica construída com essa fachada; ficaria linda! Mas o artista soube dar a isso o tamanho reduzido, para ficar, ao mesmo tempo, digno e engraçadinho.
Temos, então, a beleza específica dessa fachada, na qual distinguimos dois elementos: uma cúpula e depois a fachada propriamente dita. Esta se compõe de uma linha central, que é a linha grande, e de duas linhas colaterais que são acólitas da linha central, existem para ela. Se analisarmos a linha central, notaremos ser relativamente simples. Ela tem um porte bonito, harmonioso, muito bem feito, uma proporção entre a altura e a largura muito bem tomada, a proporção de altura entre as colunas e o arco é muito bem tirada também.
A porta é trabalhada, mas sem excesso. Acima dela encontramos uma longa parede vazia, onde o único elemento decorativo é a rosácea que existe, provavelmente, para conduzir luz ao coro dentro da igreja. Quer dizer, tem uma finalidade prática.
O ornamento só aparece bem no alto. São formas, figuras com o seguinte objetivo: a largura dessa parte central, quando chega a certa altura se estreita um pouco. Esta sucessão de larguras diferentes culmina num ponto terminal leve, por onde acaba quase se fundindo no céu.
O sorriso da Arte
Ao lado desta parte central muito simples vemos duas partes colaterais bastante ornadas. Tudo é muito bem construído: as duas partes se repetem e têm colunas com dois nichos nos quais se encontram imagens de Santos. Essas são colunas jônicas, todas caneladas, como o fuste em cima também, todo ele com as clássicas folhagens de acanto, e depois, em cima, uma trave. Cada uma dessas partes poderia constituir um edifício autônomo, tão bonitas são. Entretanto, encaixam-se harmoniosamente dentro do conjunto da igreja.
Se abstrairmos a parte superior, veremos como o restante forma uma linha básica larga e sólida em relação ao que vem acima, que é mais leve em função do princípio de que o mais pesado carrega o mais leve e o mais forte sustenta o mais fraco. É o contrário do princípio existente em determinados prédios modernos, nos quais uma superfície pequena parece esmagada por uma massa de cimento sobreposta. Aqui não: o elemento com aparência de débil fica em cima e o componente pesado embaixo.
Por fim, nota-se toda uma ornamentação abundante terminando o edifício, porque a parte mais nobre, mais leve, mais etérea, deve estar junto do céu. As figuras leves ficam colocadas perto do teto para dar ideia de algo que está subindo para o firmamento e ali se perde. Todas as construções antigas observavam essa norma, que se perdeu depois por artifícios da Revolução.
Considerando o conjunto do edifício temos um monumento muito bem feito, mimoso, mas com ares de pequeno rei. Mais ou menos como seria o Príncipe de Mônaco; é um rei em miniatura. Ninguém dá risada dele; ele é o “garnisé” no gênero dos reis. O garnisé é o sorriso de Deus a propósito do galo, que o mesmo Deus criou.
Aqui é o sorriso da Arte a respeito de suas próprias grandezas. Ao invés de construir uma obra linda e grande, ela faz uma coisa pequena e igualmente linda, para poder sorrir a respeito de si mesma. O monumento, considerado deste ponto de vista e em contraste com o prosaico de outros prédios, parece um pouco um conto de fadas, uma coisa um tanto irreal, maravilhosa.
Temos, então, um dos ângulos bonitos da Europa sagrada.
(Extraído de conferência de 30/3/1967)