lunes, noviembre 25, 2024

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Evolução da Civilização Ocidental – II

Dr. Plinio mostra como da conjugação de três elementos — Igreja, um povo fiel e a Providência Divina — poderá florescer o Reino de Maria.

As cidades são fundadas nas proximidades dos mosteiros

Este número enorme de minúsculos reinos, esta poeira de reinos, os quais se chamam feudos, quando os perigos sarraceno e bárbaro passam, vão aos poucos se fundindo, se assimilando, se somando uns aos outros, formando grupos de feudos. Isso se faz espontânea e organicamente.

Vão se somando e acabam constituindo algumas grandes cidades, grandes feudos; tudo se aglutina por fim nas mãos do rei. E os velhos reinos, com exceção do reino de Lotário, se reconstituem. Surge uma França, uma Alemanha, um Sacro Império Romano Alemão, uma Espanha; é o mundo que recomeça.

Então temos uma caminhada feita pelo feudalismo; de uma poeira de unidades que se somam constituem o Estado, e com este a organização do mundo ocidental no qual nos encontramos.

Para compreendermos a fundo esse fenômeno — o qual parece tão simples, tão evidente que isso tinha que se passar assim — e o que isso representa, temos que pensar no seguinte.

Nepomuk (CC 3.0)
Cidade de Moustiers-Sainte-Marie, França

Imaginem quando esses feudos começam a se somar e a se aglutinar nas encruzilhadas das estradas, nos lugares de peregrinação ou onde existem mosteiros… Em geral o povo gostava de fundar cidades perto de grandes mosteiros que eram construídos no mato para fugir do contacto humano, mas os homens iam atrás dos apóstolos naquele tempo; em nossos dias os apóstolos têm que correr atrás dos homens. Então, em torno dos mosteiros nasciam as cidades.

Há até várias cidades com nomes que lembram os mosteiros. Por exemplo, Moustier. Moustier significa mosteiro, no francês arcaico. Münster, em alemão, é o velho mosteiro em torno do qual se formou a concentração urbana que hoje recebe este nome.

Por vezes, em redor de uma fortaleza muito grande, muito bem defendida, formavam-se também os agrupamentos urbanos. Era gente que pertencia a vários feudos e que ia morar na cidade.

Uma enorme rede familiar…

Essa organização feudal, extremamente simpática, familiar, em que nós vemos o senhor feudal viver como um pai dos seus súditos, e os súditos casarem seus filhos entre si, e cada feudo no fundo tende a formar uma familiona.

Régine Pernoud1, por exemplo, pergunta: “Mas qual era a distração que tinham os camponeses que trabalhavam a serviço dos senhores feudais?” E ela responde: “É simples, é o castelo do senhor com o entra e sai dos fidalgos e das fidalgas que vão bem vestidos, bem montados, bem equipados, dirigem-se para uma caçada, um passeio, tocando instrumentos de sopro ou de percussão, às vezes cantando. Os camponeses os veem caçar. Depois os nobres voltam da caçada e distribuem para eles uma parte daquilo que caçaram em quantidade às vezes supérflua. Isto é a distração deles.”

Ver a supervida levada por aqueles que moram na supercasa, com um superestilo, que lhes mostra como a vida deve ser, e os distrai dando-lhes a vontade de adaptar-se àquela grandeza a fim de servi-la. Mas para se engrandecerem algum tanto a seu modo também, fazem do castelo o ponto de diversão e a escola de civilização dos camponeses em volta.

Esta sociedade é feita de uma porção de corpúsculos, que se chamam feudos, e são todos agrupamentos de famílias de famílias, da qual não faz parte o senhor feudal. Mas ele é parente dos outros senhores feudais. Casam-se também entre si, é uma rede familiar enorme que se constitui.

…que tende a ser desfeita pela cidade

Quando eles vão para a cidade, o que acontece?

Há uma tendência desta rede a não se desfazer, a resistir dentro da cidade. Mas existe uma tendência da cidade, pelo contrário, a desmanchar a rede, considerando que ela prejudica a coesão no interior da cidade e as autoridades desta.

Leopoldo Werner
Cochem, Alemanha

De tal maneira que nós podemos ter uma cidade com cinco, ou oito, ou dez, ou vinte famílias numerosas que são descendentes de castelões ou de camponeses dos arredores, e cada uma delas forma dentro da cidade uma espécie de tribozinha que não dá muita importância ao governador que o rei nomeou para a cidade, porque para elas o que importa é o chefe da família a que elas pertenciam quando moravam no campo. E esses tecidos familiares tendem a negligenciar o poder real, o poder central, para conjugar-se em torno de um poder familiar, que se transforma, metamorfoseia, instalando-se na cidade, mas que persiste em resistir.

Então há um choque entre a autoridade estatal e a autoridade familiar procedente dos arredores. E surgem várias dificuldades, vários problemas, que acabam dando no centralismo e na vitória do Estado, na fundação do Estado moderno que absorve estas famílias completamente e que, absorvendo-as, estabelece o reino do anonimato.

Nesse sentido, por exemplo, Luís XIV, estatista tanto quanto se podia ser no tempo dele, é um centralizador tendente a esmagar essas coisas.

Surge uma questão: O caminho verdadeiro é a eliminação do poder do Estado, para mandarem apenas esses chefes — vamos chamá-los assim — de tribos familiares instalados na cidade, ou é mesmo de acabar com essas tribos familiares e instituir o Estado, único a mandar?

Estando de acordo com a ordem natural das coisas que a família seja a célula fundamental da sociedade, deve-se ter uma tendência a achar que quanto mais se aumente e se dilate o poder das famílias, tanto mais a sociedade é forte. Portanto, deve-se ter uma tendência a proteger a continuidade familiar contra o anonimato das cidades, onde o tecido familiar desaparece.

É interessante vermos como esse problema se pôs para os povos pagãos, e depois como ele foi resolvido pelos povos católicos. Ou pelo menos como os povos católicos começaram a resolvê-lo, e teriam resolvido se não fosse a Revolução entrar pelo meio e falsear a situação.

O Patriarca: pai de todos e semente de rei

A descendência de Adão e Eva multiplicou-se e, tendo sido cometido o pecado da Torre de Babel, houve a dispersão dos povos por toda a Terra. Esses povos que se dispersaram foram se constituindo como todos os povos em seu nascedouro: famílias muito prolíficas, o que, aliás, é evidentemente do interesse comum, porque para lutar contra a natureza inimiga do homem nesta Terra onde estamos exilados, quanto maior for o número de pessoas, de braços para atacar as feras, derrubar os matos, construir as pontes, fazer os caminhos, etc., tanto melhor será. Cada indivíduo que nascia na família era visto como um sócio de um esforço comum contra o mundo bravio que se erguia contra o homem. A técnica não havia dado ainda os meios de vencer facilmente as forças da natureza.

Eram, então, famílias com doze filhos — às vezes muito mais do que isso — que, por sua vez, tinham netos e bisnetos, formando uma família enorme que se acantonava em uma zona tão vasta quanto ela pudesse ocupar. Em geral, uma região geográfica era habitada pelos descendentes de um casal originário, como que um novo Adão e uma nova Eva que foram pela primeira vez àquela ilha, ou península, ou às beiras daquele rio, e ali se estabeleceram.

Todos os proprietários são aparentados entre si, porque descendem do mesmo chefe, do mesmo fundador, que em geral eles sabem quem é, guardam com reverência sua memória, e a cujo descendente mais velho, por um princípio de coesão, admitem como chefe comum.

Assim se constituem, aos poucos, verdadeiras monarquias familiares, com um sistema de hereditariedade conservado depois nas monarquias mais ou menos por toda parte, quando os Estados monárquicos apareceram.

Pieter Brueghel o Velho (CC3.0)
Construção da Torre de Babel

E este chefe que dirige a todos tem subchefes, porque aqueles que fundaram ramos da família são, em ponto pequeno, o que o chefe é em ponto maior. Forma, portanto, uma espécie de regime federal em que o subchefe está para o chefe como, por exemplo, no Brasil o governador do Estado se encontra em relação ao presidente da república, e outros subchefinhos que estão em relação ao que faz papel de governador do Estado, como o prefeito municipal em relação ao governador. Há autonomias imbricadas em autonomias.

O chefe recebe o nome que, a meu ver, soa lindamente: Patriarca. Ele representa o Adão daquele mundo e é, ao mesmo tempo, um pai de todos e uma semente de rei.

Vários Estados rurais, agrícolas, se formaram desta maneira, pela constituição de patriarcados que dominam determinadas zonas sob a direção de um chefe, o qual é o “rascunho” do que vai ser de futuro o rei. Assim nascem os projetos de monarquia.

Naturalmente desses territórios fundaram-se também as cidades que se constituíam organicamente, por razões parecidas às que eu apontei com relação à Idade Média. Quer dizer, entroncamentos de estradas, lugares fortificados, cruzamentos de rios, etc., onde fosse mais cômodo e mais fácil pessoas de lugares distantes se encontrarem e travarem relações, fazerem um comércio primitivo, mas já tendente ao comércio internacional.

Aos poucos, esse poder vai se constituindo e se formando em torno do mundo greco-latino, quer dizer, na bacia europeia do Mediterrâneo, do seguinte modo:

Todos eles tinham uma noção da origem religiosa do poder e de que era de acordo com a vontade dos deuses que houvesse Estados, uma articulação, uma organização, uma entrosagem dessas unidades. As tribos passam a formar cidades.

Roma: a cidade das sete colinas

As antigas narrações, crônicas romanas, etc., nos contam que Roma é a cidade das sete colinas, e cada colina estava sob a direção de um patriarca que governava em nome dos antepassados, de todos os patriarcas que o tinham antecedido, inclusive do fundador, o qual muitas vezes era um personagem de legenda ou não se sabia quem era. Faziam estatuetas, pintavam na parede imagens representando os deuses chamados lares ou penates. Daí vem a expressão “meu lar”, que era o lugar onde os deuses dos antepassados continuavam a ser adorados. Então, cada tribo dessas tinha seus lares ou penates.

Essas tribos das sete colinas sentiram necessidade de se fundirem e constituírem uma cidade só, porque todas as tribos pela Itália afora estavam crescendo, e a que não crescesse podia ser esmagada. Então esta cidade chamou-se Roma.

Rômulo e Remo são considerados os dois principais fundadores, mas foram sete tribos, segundo a lenda, que se reuniram e formaram a cidade de Roma na adoração do deus Quirino. De onde o Palácio Quirinal, a expressão “direito quiritário”, que é o direito municipal, etc.

Ali se estabelece uma monarquia que tem por chefe um rei escolhido pelos primeiros, mas depois este rei age à maneira dos patriarcas. Ele vai mandar nos patriarcas como os patriarcas mandam nos inferiores. E se constitui um conselho de patriarcas das antigas tribos, que passa a ter o nome de senado.

Faz-se um governo duplo dos representantes do povo, que é o senado, onde estão os patriarcas que representam as respectivas tribos; e o oposto aos patriarcas, como um poder que quer dissolver as tribos, fazer um povo só, reduzir esse pão a farelo: é o rei, que entra em luta contra os patriarcas, contra o senado, e quer estabelecer um regime de anonimato, acabar com as tribos, com o senado e fazer uma monarquia absoluta.

O senado é um corpo aristocrático e, sentindo que o rei quer esmagá-lo, deseja então destruir o rei.

O pequeno exército romano nascente começa a obter vitórias contra os adversários. Roma passa a ser uma cidade cada vez maior, gente de fora vai nela morar. Mas esses de fora, que não pertencem às antigas tribos, não são reconhecidos como romanos, são forasteiros, a plebe. Ainda que passem mil anos, quem não descender dos fundadores não é nada, e quem descender dos fundadores é tudo.

Cesare Maccari (CC3.0)
Senado Romano reunido na Cúria Hostília – Palazzo Madama, Roma

A plebe é inimiga da aristocracia porque esta mantém a plebe fora da lei. Os plebeus são estrangeiros, para eles não há leis do Estado, não existe nada. Não são escravos, mas livres e podem fazer o melhor uso de sua liberdade: ir embora. “Vão embora e deixem-nos a nós, nobres romanos, originários de tempos míticos, quase descendentes de deuses, encastelados na nossa organização tradicional. A plebe é indesejável e deve ir para fora.”

Houve uma coligação do rei com a plebe contra o senado, o qual era o corpo vindo das antigas tribos, dos antigos patriarcas e que se distinguiam completamente dos plebeus.

Isso deu na proclamação da república romana. Os nobres, os senadores, fizeram uma revolta: mataram o sétimo rei de Roma — Roma teve sete reis, eliminaram o último — e proclamaram uma república. Quer dizer, um Estado sem rei, governado pelo povo.

Francesco Hayez (CC3.0)
O Conselho dos Dez, durante a República de Veneza – Pinacoteca de Brera, Milão, Itália

Mas o povo romano não é a plebe, são os descendentes daquelas tribos, os nobres de Roma.

República aristocrática de Veneza

A luta do rei baseada nos plebeus contra os nobres é o que vamos encontrar, por exemplo, no reinado de Luís XIV.

Todas as queixas de Saint-Simon2 contra Luís XIV são, em última análise, porque Luís XIV queria esmagar a nobreza e realçar o povo. Os sucessores, Luís XV e Luís XVI, seguiram a mesma regra. Assim as coisas se repetem.

Quer dizer, o problema da fusão do núcleo originário com o que veio depois, ou não fusão, a manutenção desta matéria-prima da qual se formou um Estado, com aquilo que se agregou depois e que é tido como espúrio, a ideia de ter uma cidade feita com os representantes das estirpes fundadoras que representam a nobreza urbana, e uma plebe que se agrega, encontraremos, por exemplo, nas questões internas de certas cidades do Sacro Império Romano Alemão. Mas também de Flandres, portanto, da Holanda, da Bélgica e em outros lugares.

Funda-se a cidade, seus fundadores são os que comerciam os bens da localidade, os comerciantes ricos que são descendentes dos agricultores dos arredores e dominam a cidade. Vem gente de fora morar lá porque a cidade está crescendo, os comerciantes aceitam, pois aumenta a esfera de influência deles. Surgem as repúblicas aristocráticas como a República de Veneza, que não era do Sacro Império, mas da Itália.

A República de Veneza era dirigida por uma aristocracia cujas famílias estavam inscritas no livro de ouro das mil famílias nobres venezianas.

Veneza não tinha rei, era uma república independente, mas havia brigas contínuas das famílias nobres entre si, as quais procuravam apoio na plebe, e se desenvolvia uma luta parecida com a que havia contra o rei. Procuravam apoio na plebe, que fazia o papel de uma terceira força decisiva.

O monarca: a flor e o gládio da nação

Qual seria uma solução possível? Tenho a impressão de que o ideal seria que a cidade nunca fosse tão grande que se tivesse a sensação de viver completamente fora do campo. Seu tamanho ideal seria uma cidade meio dominada pela vida campestre, de maneira que facilmente se chegasse ao campo. E a atmosfera, algo da tranquilidade, do sedentário, do normal, da continuidade da vida rural penetrar na vida da cidade. Assim se constituiria a aristocracia urbana.

Victor Domingues
Basílica de São Pedro, Vaticano

De outro lado, seria preciso que os provenientes de fora fossem admitidos, se dessem provas de capacidade extraordinária e do senso da dedicação ao bem comum, o qual é, antes de tudo, o bem da Santa Igreja Católica Apostólica Romana, pairando completamente acima de todos os outros bens; e com o bem da Religião, o bem da Moral e, assim, o bem de tudo.

Então, na classe da plebe aparecem, por efeito da pregação da Igreja, almas dedicadas, nobres, de grandes ideais, de muito espírito de sacrifício, que é o modo pelo qual a plebe pode ser levedada de maneira a gerar nobres.

A verdadeira aristocracia é o fruto da levedação, da fermentação da palavra e da graça de Deus em todo o país, inclusive na plebe, fazendo com que dela nasçam as plantas de ouro da nobreza.

Por sua vez, da nobreza igualmente levedada pelo ensinamento da Igreja de Cristo, pela graça que Nosso Senhor nos mereceu no alto da Cruz, nasceria a planta de ouro de uma dinastia, como da plebe surgiria a nobreza. A dinastia não seria assim o contrário da nobreza, mas a fina ponta dela. A melhor imagem que a nobreza teria de si mesma era olhar para o monarca, o qual seria a flor, a espada, o gládio da nação.

Isto não é um programa, é um ideal. Seria realizável? Como executá-lo? Aí está a questão.

Pelos bons instintos de um tecido social assim fermentado pela graça de Deus, de encontro a acontecimentos inesperados da História, a Providência tece o fio da nova ordem de coisas. E o meio verdadeiro é o homem, a cada momento, ir cumprindo o seu dever. Quando ele olhar para trás, perceberá que semeou toda uma região ou plantou toda uma floresta.

Diante dos inesperados, teríamos a graça, portanto, a Igreja. Depois, um povo que corresponde à graça. Terceiro, a Providência Divina que Se utiliza desse povo por meio de acontecimentos históricos que Ela permite ou dispõe que aconteçam. Florescem, então, de um modo inesperado, coisas admiráveis como as que floresceram na Idade Média.

É desta floração proveniente da conjugação desses três elementos, com poucos planos e muito valor, que pode nascer, então, o Reino de Maria.

(Extraído de conferência de 24/2/1993)

1) Historiadora medievalista, arquivista e paleógrafa francesa (* 1909 – † 1998).

2) Duque de Saint-Simon (* 1675 – † 1755), escritor francês que, em suas “Memórias”, descreveu com penetração, finura e charme a vida de corte em Versailles, na época de Luís XIV.

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