martes, noviembre 26, 2024

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Autenticidade e senso psicológico

Todo ser humano tem certa noção a respeito de si mesmo, porém muitas vezes procura aparentar aquilo que não é, tornando-se uma pessoa inautêntica. Pelo contrário, aquele que se apresenta com autenticidade tem o verdadeiro sentido da vida e adquire um aguçado senso psicológico.

Vou tratar a respeito do senso psicológico e do modo pelo qual os homens se conhecem uns aos outros.

Saber apreciar aquilo que se é

Cada homem tem uma ideia de como ele quereria ser. Tanto isso é assim que o homem se arranja, se apresenta e se modela de acordo com aquilo que ele desejaria ser. Em geral todo homem corresponde a um composto entre o que ele gostaria de ser e o que ele consegue ser.

Poderíamos, naturalmente, fazer uma pergunta que não deixa de ser incômoda e até desagradável, mas cheia de consequências.

Luiz Gustavo Leme (CC3.0)

Cada pessoa escolheu bem aquilo que quereria ser ou escolheu errado? Mas a pergunta é muito incômoda, porque cada um de nós tem no fundo da alma certa noção, por vezes vaidosa, da própria grandeza. É uma grande coisa ser homem, e o último dos homens é uma grande coisa. A questão é que as pessoas não sabem apreciar bem isso.

Outro dia veio-me ao espírito a seguinte reflexão enquanto lavava o rosto, pela manhã. Fora, as andorinhas estavam fazendo um enorme barulho, numa manhã bonita, e, ouvindo-as pipilarem, naturalmente achei aquilo alegre, inocente, interessante, agradou-me deitar atenção naquilo e me fiz uma pergunta:

Qual é a razão da alegria desses bichinhos? Eles são irracionais e não entendem, portanto, que eles valem alguma coisa. Mas Deus pôs neles uma alegria extraordinária de serem andorinhas; de onde estão rachando de alegria e cantando por aí a satisfação e gozando a vida de serem andorinhas.

Ora, o que significa ser andorinha e Deus ter posto nelas tanta alegria em ser andorinhas?

A andorinha é, debaixo de certo ponto de vista — e o importante está em que não é debaixo de todo ponto de vista —, uma joia de vivacidade. Eu não diria que são joias de beleza. Não são como os colibris, por exemplo. Mas são joias de vivacidade, e têm uma coisa em que talvez sejam únicas, que é uma forma de vitalidade encantadora. Elas se inebriam com sua própria vida e esvoaçam de um lado para outro vivendo, vivendo…

Se uma andorinha pensasse, não passaria pela cabeça dela ter tristeza por não ser beija-flor. Ele é muito bonito, mas a andorinha pensaria o seguinte:

“Esta vida que eu tenho, o beija-flor não tem. Ele não é um bicho alegre como eu. Ele vive, é bem-humorado, mas não estoura de alegria. O beija-flor esvoaça à procura de algo; eu, andorinha, esvoaço na alegria de ser eu mesma! Alegria de desdobrar minhas asas ao Sol, de sentir o vento que penetra por minhas plumagens a dentro, de me sentir carregada pelo vento e, em determinado momento, o vento se divorcia de mim e eu continuo a voar sem ele. Eu sou a andorinha, e fico contente de ser andorinha!”

Bernard DUPONT (CC3.0); Derek Keats (CC3.0); Dr. Raju Kasambe (CC3.0); Derek Keats (CC3.0);Derek Keats (CC3.0)

As andorinhas são, debaixo de certo ponto de vista, joias de vivacidade…, e têm uma coisa em que talvez sejam únicas, que é uma forma de vitalidade encantadora.

E eu refletia: Que lição Deus quis dar ao homem fazendo assim as andorinhas? Porque Ele teve uma intenção. Tudo foi criado para nós e, portanto, também para mim Plinio, que estou lavando o rosto e ouvindo as andorinhas. À medida em que ouço esse pipilar que me alegra no meio de mil aborrecimentos e preocupações, Deus me dá uma mensagem por meio desses pássaros. Qual?

É que eu, a fortiori, deveria ter a alegria de ser homem. Como um homem é mais do que uma andorinha, como é um colosso o homem em comparação com uma andorinha! Ele é um animal racional, tem a natureza que o próprio Cristo assumiu quando Se encarnou. Ele é o confim entre o mundo angélico e o mundo material; é ele quem reúne e sintetiza esses dois mundos.

Ainda que eu fosse o mais coitado de todos os homens, eu sou homem, e me vem daí uma alegria. Não estou cantando nem pipilando, mas estou fazendo uma coisa tão mais alta: estou pensando na andorinha e subindo até Deus!

Esta é uma meditação simples que um professor primário poderia contar na sua escola e os alunos entenderiam. Portanto, está ao alcance de uma alma que seja contemplativa e goste das grandes verdades eternas — sutis, complexas ou simples — e que se embeba delas.

E eu continuava a pensar com os meus botões…

AngMoKio (CC3.0)

Isso tem uma profunda lição: o homem deve estar alegre por ser o que é e não procurar ser mais do que isso. Quando ele procura ser mais do que é, faz o papel da andorinha que quisesse imitar o beija-flor. Seria o mais infeliz dos pássaros. Seja andorinha e encha os espaços com seu cântico de alegria! Voe aos bandos e dê gloria a Deus fazendo os homens pensarem como é bom ter sido criado por Ele, ainda que fosse apenas para ser andorinha!

No gênero humano, talvez eu não seja senão o que é uma andorinha entre os pássaros. Está bem, que colosso ser uma “andorinha”! Que colosso é uma criatura, principalmente uma criatura inteligente, racional.

Mito difundido pelo igualitarismo

Em função disso é que o homem deve procurar o que ele deve ser, deixando completa e definitivamente a ideia de ser beija-flor, ou águia, e não se permitir a pergunta maldita: “O que eu, na minha inveja, gostaria de ser?” Porque é uma fonte de desdita a vida inteira.

Se eu quisesse dar a alguém um conselho para se tornar infeliz, eu diria: “Procure ser aquilo para o que não tem aptidão.”

A pessoa deve fazer uma outra pergunta, honestamente: Com o que eu tenho e sou, e com o que não tenho e não sou, para o que eu dou? Não quero ser mais do que este ou menos do que aquele; quero ser inteiramente eu. O que não for isso não dá em nada.

Quando se tem isso na cabeça, entra na alma um oceano de paz.

Se formos procurar as pessoas que pensam assim, não sei se o número seria suficiente para se contar em todos os dedos da mão, porque o igualitarismo faz um mito diferente. O sujeito sente que nasceu para uma grande coisa — e isto é verdade, pois todos nós nascemos para uma grande coisa —, mas ao invés de procurar realizar essa apetência de grandeza sendo inteiramente ele mesmo, procura realizá-la de outra maneira:

“Se eu nasci para uma grande coisa, nasci para me fazer admirar pelos outros. Logo, o que devo adquirir, ou fingir que adquiri, para conseguir admiração? Com isso vou fabricar o personagem que vou ostentar para os outros. É aquilo que eu quereria ser, misturado com aquilo que consigo ser — e que é apenas um fragmento do que eu quereria — mais aquilo que eu consigo fingir para os outros que eu sou.”

São três elementos que formam personagens postiços, infelizes e irreais.

Se nos lembrássemos sempre disso não teríamos medo do desprezo dos outros. Uma andorinha não teme o desprezo da águia. A águia pode representar o poder, ela representa outra coisa tão magnífica: é a excelência de viver. Não precisa mais nada.

A águia pode representar o poder, a andorinha representa outra coisa tão magnífica: é a excelência de viver. Não precisa mais nada.

Manifestar a posição autêntica diante dos outros

Cada um de nós deveria, para realizar isso, ter bem presentes, e tornar manifestos os nossos defeitos e lacunas. Assim, quando não se tem jeito para determinada coisa, dizer logo: “Eu não tenho jeito para tal coisa assim, não sei fazê-la. O senhor quer fazer o favor de me ajudar, porque eu não sei.” É o único jeito, ainda que fosse por tática política, seria um bom negócio. Porque o único jeito que temos para os outros reconhecerem o que somos é reconhecermos o que não somos.

Aí sim ficamos situados em face dos outros numa posição autêntica. Não é um palhaço, um ator que está aparecendo diante dos outros. Portanto, não devo ter medo de que me examinem, porque não vão encontrar senão o que eu mostro. E eu vivo às claras com tranquilidade, com a santa inocência, a santa liberdade dos filhos de Deus.

Se sou isso, pode me medir quantas vezes for que não me mostrarei a não ser assim. Mas também, se sou assim, posso tapear como quiser, haverá sempre um esperto que diga: “Olha, ele não é tanto”. Logo, não é melhor eu me pôr como sou, francamente, sem tapeação?

Então, a partir daí adquirimos o senso psicológico. Porque se um de nós se apresenta autenticamente como é, os outros deixam escapar a sua psicologia diante de nós. O mérito de quem não mente é de tomar uma tal atitude que o mentiroso começa a parecer escuro diante dele. O mérito do homem autêntico é a insegurança dos inautênticos perante ele.

Cláudio Dias Timm (CC3.0)
Cláudio Dias Timm (CC3.0)

Ademais, o homem assim vê claro dentro de si, não mente para si mesmo e conhece a sua própria psicologia, pois é transparente aos seus próprios olhos. E, por analogia, ele pega melhor a psicologia dos outros. Saímos do mundo da mentira e ficamos com os olhos mais claros para ver o mundo da mentira e depois a realidade dos outros diante daquilo.

Alguém poderá objetar:

“Mas, Dr. Plinio, isto é bonito dizer. Mas se o senhor me manda para uma missão que supõe que eu me imponha por minha simpatia ou por minha capacidade, ou por essa ou aquela qualidade, do que adianta esta autenticidade recomendada pelo senhor? Não é uma contradição?

Eu digo: “Não. Você foi mandado por mim provavelmente por que está apto para fazer aquilo. Estude que recursos você tem e faça o penoso esforço de melhorar esses recursos para ser o que deve. Você deve ser aquilo até onde o seu esforço pode levá-lo. E seu plano para o futuro é chegar ao extremo de seu limite. Ponha-se nisso e, tenha o que tiver, seja o que for, eu o reverencio. Se você não for assim, eu o menoscabo, pois para mim você é um inautêntico. E quando você vem falar comigo, pode ser que por bondade eu lhe trate muito bem, mas estarei vendo bem aonde é que você vai…”

O grande duelo entre as almas

Aí se põe uma consequência: Quando nós somos autênticos, os outros começam a jogar conosco um jogo diferente do que jogam entre si. Qual é o jogo?

Quando o inautêntico trata com o autêntico ele se sente adivinhado. Em parte, ele confia, pois sabe que o autêntico não vai lesá-lo, porém não quer ser decifrado. E ele percebe que o autêntico o decifra. Tudo quanto o autêntico vê nele, o inautêntico sente como uma injúria e fica um poço de ressentimento em relação ao autêntico. Porque o autêntico vê no inautêntico o seu próximo, mas este vê naquele o seu juiz. Ele nota que as coisas que ele não quer reconhecer para si, o autêntico olha e vê. E mesmo quando o autêntico não vê, faz o inautêntico ver.

A pessoa se transforma, assim, no exame de consciência dos outros.

É compreensível que as outras pessoas não gostem e que tenhamos de arcar com muitas antipatias por causa disso. Entretanto, gostem ou não gostem, a verdade é que o que governa a Terra, o que se mexe nos homens até às entranhas, não é a tapeação, mas a verdade. O grande duelo do mundo não é o duelo dos interesses, é o duelo entre os autênticos e os inautênticos, entre os filhos da luz e os filhos das trevas.

(Extraído de conferência de 11/7/1983)

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