A Revolução é propulsionada sobretudo por dois vícios: o orgulho e a impureza. Para esmagá-la é necessário praticar as virtudes, o que somente se consegue pela graça. Sendo Maria Santíssima a Medianeira universal e o canal por onde passam todas as graças, o auxílio das suas orações é indispensável para que seja derrotada a Revolução, triunfe a Contra-Revolução e o Reino de Maria se estabeleça.
eevemos considerar três questões diferentes nas relações entre a obra de São Luís Maria Grignion de Montfort e tudo quanto explano em meu livro Revolução e Contra-Revolução (RCR).
Concepção gnóstica e revolucionária do universo
A primeira delas é o papel de Nossa Senhora na Contra-Revolução. Depois, mais especialmente, o da escravidão à Mãe de Deus, ou seja, da perfeita devoção pregada por São Luís, na Contra-Revolução. E, em terceiro lugar, os traços da temática “Revolução e Contra-Revolução” dentro do Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem.
A RCR apresenta a Revolução como um movimento nascido de uma deterioração moral. São dois vícios fundamentais, o do orgulho e o da impureza, que constituem no homem uma incompatibilidade com a Doutrina Católica, debaixo do seguinte ponto de vista: A Igreja Católica como ela é, a doutrina que ela ensina, o universo que Deus criou, e que podemos conhecer melhor através dos prismas da Santa Igreja, são assuntos que o homem virtuoso, puro e humilde apetece. Ele tem enlevo e alegria em ver que essas coisas são assim, e aceita tudo isso de bom coração.
Mas, se uma pessoa cede algo ao vício do orgulho, começa a formar-se nela uma incompatibilidade com vários aspectos da obra de Deus. É uma inconciliabilidade, de início, com o caráter hierárquico da Igreja, depois com o da sociedade civil. Ou em ordem inversa. Em seguida, uma incompatibilidade com o caráter hierárquico da família. E assim vai o igualitarismo se desenvolvendo até chegar ao sumo do comunismo. Quer dizer, há toda uma metafísica contrária à Doutrina Católica proveniente de uma incompatibilidade da alma viciosa com a obra divina, e que nasce do orgulho.
Uma coisa mais ou menos paralela a essa se poderia dizer da impureza. O homem impuro tem os elementos necessários para implicar com a ordem estabelecida por Deus. Ele é levado normalmente para o liberalismo. Irrita-lhe a existência de uma regra, um freio, uma lei que circunscreva o transbordamento dos seus sentidos. Com isso, tudo quanto é ascese começa a lhe parecer implicante. Naturalmente, surge uma implicância contra o próprio princípio da autoridade enquanto tal.
O resultado é que, a partir da impureza e do orgulho, formam-se os elementos necessários para uma visão diametralmente oposta à obra de Deus. Essa visão já não é, portanto, diferente num ponto ou noutro da Doutrina da Igreja, mas à medida que esses vícios vão se aprofundando, e ao longo das gerações, tornam-se mais acentuados, vai-se estruturando toda uma concepção que não é apenas outra, mas é a mais contrária possível. E acaba sendo, em última análise, a concepção gnóstica e revolucionária do universo.
A Revolução tem como causa moral o orgulho e a sensualidade. Assim, todo o problema da Revolução e Contra-Revolução, no fundo, é uma questão moral. O que está dito nas linhas ou nas entrelinhas da RCR é que, se não fosse o orgulho e a sensualidade, a Revolução como movimento organizado no mundo inteiro não existiria, ela não seria possível.
Toda preservação ou regeneração moral verdadeira decorre da graça divina
Ora, se no âmago do problema da Revolução e da Contra-Revolução temos uma questão moral e, portanto, religiosa – porque todas as questões morais são substancialmente religiosas, já que uma moral sem religião é a coisa mais inconsistente que se possa imaginar –, conclui-se que a luta da Revolução e da Contra-Revolução é, em seu cerne, uma luta religiosa.
Assim, se nos encontramos no terreno da luta religiosa, compreendemos melhor o papel de Nossa Senhora na Contra-Revolução. Se uma crise moral origina o espírito da Revolução, então é verdade que essa crise só pode ser remediada com o auxílio da graça. A Igreja nos ensina que os homens não podem cumprir estável e duravelmente, na sua integridade, a Lei de Deus, com simples recursos naturais. Para cumprir os Mandamentos divinos necessitamos da graça.
Se por outro lado o homem cai no estado de pecado e se acumulam nele as apetências para o mal, essa situação moral, a fortiori, sem a ajuda da graça não pode ser resolvida, sendo necessários auxílios de caráter sobrenatural para o homem sair do estado em que caiu. O resultado é que toda preservação ou regeneração moral verdadeira decorre da graça divina.
Vemos, então, facilmente o papel de Nossa Senhora. Por ser Ela a Medianeira universal e o canal por onde passam todas as graças vindas de Deus, nós compreendemos que o auxílio das suas orações é indispensável para que seja derrotada a Revolução, e o Reino de Maria se estabeleça.
As graças poderão ser assim obtidas, mas se não forem correspondidas pelos homens, é inevitável que a Revolução triunfe. Logo, esse afluxo de graças sobre os homens fiéis é elemento fundamental para que a Revolução seja derrotada. Depende de Deus, é claro, mas Ele quis, por um ato livre de sua vontade, fazer isso depender da Santíssima Virgem, para a glória d’Ela e de seu Divino Filho. Donde se deduz que a devoção a Nossa Senhora é a condição para que a Revolução seja esmagada e a Contra-Revolução triunfe.
Insisto neste aspecto por ser muito importante: se tomarmos uma humanidade fiel às graças que receba por meio de Maria Santíssima para a prática dos Mandamentos, e esta prática se tornar um fenômeno geral, é inevitável que a sociedade acabe se estruturando bem, porque com o estado de graça vem a sabedoria, com a sabedoria todas as coisas entram nos eixos. Não é preciso fazer grandes estudos de Sociologia, Economia e finanças para conseguir isso. Porque com o estado de graça, não só pelo movimento natural, espontâneo, intrínseco de cada homem, tudo tende a regularizar-se, mas os estudos necessários se farão excelentemente e atingirão o seu resultado.
Quando há uma recusa da graça, nada anda. Se alguma coisa caminhar, é pior do que se não andasse. É como a civilização contemporânea: ela se construiu sobre a recusa da graça e alcançou alguns resultados estrepitosos, os quais devoram o homem. Os países dos grandes resultados são os países das psicoses. Embora essa ordem de coisas pareça ser uma afirmação do homem, na realidade o devora. Quer dizer, o homem, sem a graça, ou não constrói nada ou edifica um cárcere, uma câmara de tortura, um palácio de delícias no qual ele sofre mais do que num campo de concentração.
Ao mínimo ato de império de Nossa Senhora o Inferno inteiro treme
Isso posto, podemos dizer que, quanto maior a devoção a Nossa Senhora, mais aberto estará o canal de graças. Se for uma devoção inteiramente autêntica, é infalível que a oração seja atendida e as graças chovam sobre um determinado indivíduo ou país.
Porém, se a devoção à Santíssima Virgem comportar restrições, for defectiva, então a graça também encontra da parte do homem implicitamente uma certa resistência. Nisto mesmo ele já é ingrato, e acaba acontecendo que toda a vida, a seiva da sociedade, deperece.
Costuma-se dizer que, na economia da graça, Nossa Senhora está de tal maneira que Jesus Cristo é a Cabeça do Corpo Místico, e Ela seria o pescoço, porque tudo passa através d’Ela. A imagem é inteiramente verdadeira na vida espiritual de uma pessoa. Imaginem alguém com pouca devoção à Mãe de Deus: é como o indivíduo com uma corda atada ao pescoço, a qual lhe permite um fiozinho de respiração. Quando não tem nenhuma devoção, ele está asfixiado. Se, pelo contrário, ele possuir uma grande devoção à Virgem Maria, o pescoço está inteiramente livre, o ar penetra nos pulmões a plenos haustos e o homem pode viver normalmente.
Não estou dizendo que a coisa sai automaticamente, mas sim que, havendo a correspondência à graça, forçosamente tudo se estrutura bem. Não basta trabalhar, estudar, organizar. O grande problema fundamental é haver a correspondência à graça.
Em sentido oposto, poderíamos afirmar o mesmo a respeito do demônio. Porque o papel dele na eclosão e nos progressos da Revolução foi enorme. Foi o demônio que conseguiu tentar o homem, induzindo-o a uma posição revolucionária e a extremos revolucionários, que estão abaixo até da miséria humana. E a fazer uma Revolução como a atual, a qual é pior do que o grau de decadência da natureza humana.
Se o demônio não estivesse ali para tentar o homem, a coisa não teria saído tão terrível quanto ela é. Ora, este fator de propulsão tão forte da Revolução está inteiramente na dependência de Nossa Senhora. Porque basta Ela ter o mínimo ato de império que o Inferno inteiro treme, se confunde, se recolhe e desaparece. Basta, pelo contrário, Ela entender que, para o castigo dos homens, é conveniente deixar o demônio com certo raio de ação, que ele progride tanto quanto Ela deixar, mas o demônio está debaixo da dependência d’Ela completamente.
Então, os fatores enormes da Contra-Revolução e da Revolução, que são a graça e o demônio, dependem do império e do domínio da Santíssima Virgem. Vemos, portanto, uma vez mais, o papel de Nossa Senhora na Revolução e na Contra-Revolução.
Maria Santíssima é a Rainha do universo
É preciso acrescentar que a mediação de Maria Santíssima deve ser considerada do ponto de vista da oração, porém Ela não é apenas Aquela que reza por todo o universo, mas a Rainha do universo, e essa realeza é verdadeira.
Alguém poderia objetar: “Dr. Plinio, dizer que Nossa Senhora é Rainha é conversa, porque Ela faz tudo quanto Deus quer, é escrava de Deus. Portanto, em última análise, a Santíssima Virgem não é Rainha. Ela é simplesmente como um vidro transparente e inerte através do qual passam os raios divinos, mas o verdadeiro Rei é Deus.”
Entra aqui uma finura, que é preciso considerar: imaginem um diretor de colégio que tem alunos sumamente insubordinados; ele os castiga e impõe uma ditadura de ferro no colégio. Depois o diretor se afasta e diz à mãe dele o seguinte:
“Sei que vós governareis esse colégio de um modo diferente do meu, porque eu governo com vara de ferro e vós tendes um coração materno. Quero que agora governeis vós e não eu. Eu vos dou a direção do colégio.”
Esta senhora vai dirigir o colégio como o diretor quer, mas por um método que é dela e não dele. E que ao mesmo tempo representa a vontade dela enquanto distinta da dele, mas em que ela faz inteiramente a vontade do diretor.
Assim é Nossa Senhora como Rainha do universo. Nosso Senhor deu a Ela, que é unicamente Mãe e não tem papel de juiz, uma realeza cuja misericórdia vai além daquilo que a justiça de Jesus Cristo, e a sua posição de juiz, propriamente Ele quer exercer. Então Nosso Senhor coloca-A como Mãe, com todas as indulgências, todos os extremos de misericórdia da mãe, que a autoridade paterna de si não comporta. Ele A coloca como Rainha do universo para esse efeito, a fim de governar o universo assim. E a vontade d’Ele é que Ela faça algo que Ele não poderia realizar.
É, portanto, enquanto se distingue de Nosso Senhor que Ela, Rainha do universo, melhor faz a vontade d’Ele. Então há um regime verdadeiramente marial de governo do universo. E este regime explica o papel de Nossa Senhora como quem dirige, dispõe dos acontecimentos, decreta aquilo que deve acontecer. É claro que sempre inspirada por Deus, em união com Ele, etc. Maria Santíssima é infinitamente inferior ao Onipotente, isso é evidente, mas Ele quis livremente dar-Lhe este papel por um ato de liberalidade d’Ele. Então, é Nossa Senhora que regula o curso dos acontecimentos terrenos. Depende d’Ela a duração da Revolução e da Contra-Revolução. É Ela que intervém nos acontecimentos para que a Revolução não vença. Basta lembrar de Lepanto, por exemplo.
Quantos outros fatos da História da Igreja houve em que a Santíssima Virgem deixou claro ser uma intervenção direta d’Ela que influía nos episódios! E então se compreende que, mais do que Medianeira onipotente e suplicante, Ela é verdadeiramente a Rainha que conduz os acontecimentos e dirige a História.
Quando a Igreja canta a respeito da Mãe de Deus “Tu só exterminastes todas as heresias no universo inteiro”, afirma que o papel d’Ela nesse extermínio foi como que único. Quem promove a eliminação das heresias dirige os triunfos da ortodoxia, quem governa uma coisa e outra dirige a História. Ela é verdadeiramente a Rainha. Esta realeza de Nossa Senhora nos dá uma visão a mais do papel d’Ela dentro de toda a problemática R-CR.
Minguamento da devoção a Nossa Senhora: causa de todas as vitórias da Revolução
Esta noção a respeito de Maria Santíssima está ligada à mediação universal. E me parece que explica bem como a devoção a Nossa Senhora está absolutamente na raiz de todas as vitórias da Contra-Revolução.
Haveria um trabalho interessante de História para fazer, mostrando que, quando o demônio começa a vencer, é porque ele consegue minguar a devoção à Santíssima Virgem. Todas as decadências da Cristandade e todas as vitórias da Revolução têm como ponto de partida uma diminuição na devoção a Nossa Senhora. Se não fosse esse minguamento, a Revolução não caminharia.
Temos o exemplo característico na Europa da Revolução Francesa, que era como uma floresta combustível na qual com uma simples fagulha se ateava fogo em tudo. A devoção a Maria Santíssima nos países católicos fora prodigiosamente diminuída pelo jansenismo; o resultado nós conhecemos. Quer dizer, se a devoção a Nossa Senhora mingua, fica tudo acessível à Revolução.
Há o segundo ponto que é o seguinte: essas e algumas outras visualizações extraídas da Teologia comum, conhecida, são o suficiente para explicar o papel da Mãe de Deus na temática R-CR?
Nas últimas avenidas da perspectiva da Contra-Revolução está a ideia do Reino de Maria, ou seja, uma era histórica que será inaugurada por uma vitória espetacularmente obtida por Nossa Senhora sobre os seus inimigos. O demônio, que é expulso da Terra, volta para os seus antros infernais e a Santíssima Virgem reina sobre o mundo através dos homens e das instituições que Ela escolher para isso. A respeito dessa perspectiva do Reino de Maria, nós encontramos na obra de São Luís Grignion de Montfort algumas coisas misteriosas.
Ele é, sem dúvida, um profeta, o qual anuncia que essa era virá. São Luís Grignion fala disso claramente: é a época na qual surgirão os grandes santos de Nossa Senhora, haverá um dilúvio que lavará a humanidade e chegará então a época do Espírito Santo, que ele identifica com o Reino de Maria.
São Luís afirma que será uma era de florescimento da Igreja, como até então nunca houve. Ele chega a usar esta expressão: os santos do reinado de Nossa Senhora vão ser, em comparação aos santos anteriores, como os cedros do Líbano em relação a arbustos (n. 47).
Quando consideramos os grandes santos que a Igreja produziu até agora, perdemos o pé na consideração da grandeza desses outros bem-aventurados, que deverão vir debaixo desse bafejo de Maria Santíssima. Mas não há nada de mais razoável do que imaginar que a santidade cresça enormemente numa era histórica onde a situação concreta de Nossa Senhora deve progredir enormemente também. Portanto, não há dificuldade em admitir isso.
A quintessência recôndita da verdadeira escravidão
Então, nós podemos dizer que São Luís Grignion de Montfort dá peso, autoridade, consistência com seu valor de pensador, mas sobretudo com sua autoridade de Santo canonizado pela Igreja, às esperanças que se veem em muitas outras revelações particulares, as quais afirmam que virá uma época na qual a Santíssima Virgem verdadeiramente triunfará.
São Luís é, portanto, o profeta, porém mais do que o profeta ele é o fiador do Reino de Maria. A canonização dele e o acerto extraordinário de toda a sua obra nos servem de apoio para essa esperança de um Reino de Maria que deve vir.
Entretanto quando se analisa sua obra, nota-se ainda qualquer coisa de mais profundo: ele faz umas insinuações de que as relações entre Nossa Senhora e as almas – e especialmente as que a Ela se entregam na qualidade de verdadeiros escravos – não foram e não são conhecidas até o fundo pelos teólogos. E delas se podem tirar verdades a serem exploradas nos tesouros da Revelação e da Tradição, e que vão muito mais longe do que os teólogos dizem.
Ele fala do famoso segredo que há na verdadeira escravidão a Nossa Senhora. Por esse segredo a graça realiza, no autêntico escravo, operações inefáveis que não se sabe exatamente como são, e que correspondem também a uma união inefável, cujo verdadeiro alcance e feitio nós não conhecemos bem, e que representam a quintessência recôndita da verdadeira escravidão.
Quer dizer, fica acenado aí um progresso da Teologia especialmente no que diz respeito a esta parte das relações da graça com a alma, mediante Maria Santíssima. Coisa que ao mesmo tempo se vê que já existia na época dele e, entretanto, precisava ser explicitada, mas além disso cresceria de intensidade com o curso dos tempos, para atingir toda a sua amplitude no Reino de Maria, produzindo essa plenitude histórica, esse auge de santidade que deveria brilhar na Igreja e que nasceria desse mistério.
Como é um mistério, a respeito dele podemos esboçar apenas algumas pinceladas muito ligeiras. Mas me parece que São Luís Grignion, enquanto o “Cristóvão Colombo” desse novo continente da Teologia, deixa entrever coisas sobre as quais precisamos ter os olhos postos, se quisermos estabelecer uma relação entre o Tratado da Verdadeira Devoção e o problema “Revolução e Contra-Revolução”.
Porque então o auge da Contra-Revolução é o apogeu desta ação misteriosa de Nossa Senhora. Assim, a Contra-Revolução – pelo menos por um jogo de probabilidades – começa a aparecer como um avanço progressivo da Santíssima Virgem nas almas e uma acentuação desta ação misteriosa d’Ela nas almas, de tal maneira que, quando este sol chegar ao meio-dia, nós teremos a Revolução esmagada.
Há, portanto, uma gestação do Reino de Maria nas almas por um progresso novo, inédito desta ação misteriosa que se realiza na noite desta espécie de Idade Média do demônio em que vivemos, mas na qual já começa a haver algo que chegará ao seu meio-dia, quando o Reino de Maria for proclamado.
(Continua no próximo número)
(Extraído de conferência de 11/7/1967)