jueves, noviembre 21, 2024

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Mártir vigoroso, varonil, de alma inquebrantável

O suplício e a varonilidade de Santo Artêmio serviram de estímulo para pessoas que ele nunca imaginou que pudessem vir a existir. Provavelmente, também os católicos dos últimos tempos encontrarão conforto ao meditarem em nossas lutas e sofrimentos.

Temos para comentar uma ficha biográfica de Santo Artêmio, mártir. Comandante das forças imperiais, ocupou, sob Constantino Magno, postos de honra no exército. Juliano, o apóstata, que levantara grande perseguição contra os cristãos, mandou degolá-lo. Sobre ele, diz o Padre Rohrbacher1:

Governador do Egito e da Síria

Enquanto os dois sacerdotes, Eugênio e Macário, eram supliciados, um oficial, que permanecera ao lado do imperador, levantou-se e se dirigiu a ele:

“Por que torturas tão cruelmente esses santos homens consagrados a Deus? Não vos esqueçais de que também sois homem, sujeito às mesmas misérias. Se Deus vos constituiu imperador, se recebestes de Deus o império, acautelai-vos para que satanás, que pediu e obteve permissão para tentar Jó, não tenha pedido e obtido permissão para usar-vos contra nós, a fim de passar pelo crivo o trigo de Cristo e semear o joio por toda parte. Mas sua empresa resultará vã; não tem o mesmo poder antigo. Desde que Cristo veio e foi erguido na Cruz, caiu o orgulho dos demônios, seu poder foi calcado aos pés. Não vos iludais, ó imperador, não persigais, por amor aos demônios, os cristãos protegidos por Deus. Pois o poder de Cristo é invencível. Vós mesmo vos assegurastes disto.”

Ao ouvir essas palavras, Juliano, fora de si, exclamou: “Quem é o ímpio que ousa usar semelhante linguagem no nosso tribunal?”

Um meirinho respondeu: “Senhor, é o Duque de Alexandria do Egito.”

Com efeito, era Artêmio Governador do Egito e também da Síria havia longos anos, e que acabava de trazer para Juliano as tropas de duas províncias para servirem na guerra contra a Pérsia.

Juliano prosseguiu: “Como? É Artêmio? Ordeno que o despojem de suas dignidades e de suas roupas, e que seja imediatamente castigado pelas palavras que acaba de pronunciar.”

Depois de despido, o mártir teve as mãos e os pés amarrados com cordas pelos algozes; estes o estenderam no chão e açoitaram-lhe o ventre e as costas com nervos de boi, durante um espaço de tempo tão longo que foram obrigados a se alternarem quatro vezes. Contudo, Artêmio não soltou um único suspiro, nem seu rosto se alterou. Dir-se-ia que não era ele quem sofria, mas outra pessoa qualquer.

Todos os assistentes estavam surpreendidos, o próprio Juliano não escondia a admiração.

A idolatria seria irremediavelmente destruída

Levados para a prisão, os três mártires para ela se dirigiram entoando louvores a Deus. Artêmio dizia a si mesmo: “Agora os estigmas de Cristo já estão impressos no teu corpo; só falta dares tua alma, tua vida, com o resto do teu sangue.”

Depois de muitas tentativas infrutíferas, por meio de torturas e argumentos, para levar Santo Artêmio a apostatar, Juliano condenou-o à decapitação.

Antes da execução, o mártir pediu momentos para orar. Agradeceu a Deus a graça de sofrer pela glória de seu divino Nome e suplicou-Lhe que Se compadecesse de sua Igreja, ameaçada com terríveis calamidades pelo apóstata Juliano:

“Vossos altares serão destruídos, vosso santuário profanado, o sangue de vossa aliança menosprezado por causa de nossos pecados e das blasfêmias que Ario vomitou contra Vós, Filho Unigênito, e contra vosso Espírito Santo, separando-Vos da consubstancialidade do Pai e supondo-Vos estranho à sua natureza; afirmando que sois criatura, Vós, o Autor de toda a Criação; subordinando-Vos ao tempo, Vós que fizestes os séculos, e dizendo: ‘Havia o Filho que não era’, chamando-Vos de filho da vontade.”

Depois de dobrar três vezes o joelho voltado para o Oriente, novamente o mártir orou, dizendo:

LPLT (CC3.0)
Juliano, o Apóstata – Museu de Cluny, França

“Deus de Deus, só de um só, Rei de Rei, Vós que estais sentado nos Céus à direita de Deus Pai que Vos gerou, Vós que viestes à Terra para a salvação de todos nós, Vós que sois a coroa dos que combatem pela piedade, ouvi favoravelmente vosso humilde e indigno servo, recebei a minha alma em paz.”

Uma voz respondeu-lhe do Céu que sua oração seria ouvida; além disso, o imperador apóstata pereceria na Pérsia, que teria um sucessor cristão e que a idolatria seria irremediavelmente destruída. Depois de ouvir essas palavras, cheio de alegria, Artêmio apresentou a cabeça à espada.

Católico combativo que agride, toma a iniciativa e interpela

Vamos recompor um pouco a cena para dar todo o relevo à narração.

Imaginemos num circo romano uma tribuna imperial alta, com colunas, coberta por um tecido precioso, o imperador sentado numa espécie de trono, naturalmente com todo o pessoal de serviço por detrás dele, leques se agitando, flabelli para impedir que as moscas pousassem nele, uma série de dignatários dentro da tribuna, depois o povo lotando todo o resto do teatro. Provavelmente, como eram os espetáculos, quer dizer, com as arquibancadas necessárias para os nobres, depois para os burgueses e a plebe. Eu creio que já não havia mais a bancada das vestais, porque estas se tinham extinguido.

Ao lado, um oficial revestido do traje próprio aos oficiais romanos, com capacete, couraça, armas, junto ao imperador. Esse oficial é um homem de alta categoria. O livro fala em duque. É um anacronismo, pois não havia ainda duques, mas devia ser um chefe de duas importantíssimas unidades do império romano, que vinha a Roma trazendo tropas para serem utilizadas na luta contra a Pérsia. Ele estava, portanto, na tribuna imperial, quiçá muito mais como uma distinção do que como guarda do corpo do imperador. Era um hóspede de honra.

WAG (CC3.0)
Juliano, o Apóstata, presidindo uma conferência de sectários – Walker Art Gallery, Liverpool, Reino Unido

Enquanto dois sacerdotes estão sendo martirizados e o povo olhando para aquilo com uma alegria própria de hienas e de chacais, em certo momento esse homem se levanta: é Artêmio que dirige uma apóstrofe magnífica ao imperador que, embora sendo um indivíduo odiento e impulsivo, não profere uma só palavra e deixa-o dizendo quanto queria.

As palavras de Santo Artêmio mostram bem o caráter de católico combativo que não se limita a deixar-se matar, mas que agride, toma a iniciativa, interpela. O resultado é que, ao invés de dar razões, o imperador pergunta quem é ele. Informado, manda torturá-lo para ver se apostata. Não dando certo a tortura, ordena matá-lo.

A principal força da heresia e do mal está no demônio

A apóstrofe do Santo mártir merece ser considerada um pouco mais detidamente.

Na primeira parte ele pergunta ao imperador qual a razão pela qual ele tortura esses homens santos. Sabendo que o imperador não tem motivo para os torturar, Santo Artêmio o adverte que tenha cuidado porque ele, Juliano, está sendo instrumento de satanás para perseguir a Igreja Católica. Pondera que não adianta persegui-la, porque o poder dos demônios foi quebrado depois de Nosso Senhor Jesus Cristo ter sido elevado ao alto, quer dizer, crucificado. O poder das trevas está quebrado e toda a obra visando conter o Cristianismo fracassará, porque o demônio não tem mais a força antiga.

Vejam a bonita concepção presente por detrás disso: a principal força da heresia e do mal está no demônio cuja força, uma vez quebrada, está também rompida a força do mal. Essa é uma concepção eminentemente nossa, e muito profunda. Depois ele prossegue afirmando que o imperador está fazendo uma obra inútil, além de injusta, porque ele vai ser derrotado.

Axel Bergholm (CC3.0)
Circo de Marxêncio, Roma, Itália

Então o imperador intervém e manda prendê-lo.

Poder-se-ia dizer que outra cena se abre nesse ou em outro circo romano: Santo Artêmio está sendo martirizado e faz uma oração. Uma voz do Céu lhe diz algo. Podemos imaginar o silêncio na arquibancada e, na arena, aquele homem vigoroso, varonil, de alma inquebrantável pede licença para fazer uma prece, e a recita em voz alta.

O esquema da oração de Santo Artêmio é o seguinte: ele declara que a perseguição sofrida pela Igreja é um castigo por causa da heresia de Ario. Então ele faz um duríssimo ato de increpação contra a heresia ariana. Qual é o fundamento dessa concepção dele? Como se pode compreender que a Igreja esteja sofrendo castigo por uma heresia condenada por ela?

A resposta é muito simples: a Igreja a condenou a duras penas; a massa quase completa dos católicos ficou ariana. São Jerônimo, se não me engano, teve essa expressão: o mundo, de repente, acordou e percebeu que se tinha tornado ariano. Para que o arianismo fosse derrotado foi necessária uma luta tremenda, durante a qual os Santos foram perseguidos, verteu-se muito sangue e o mundo não se converteu inteiramente dessa heresia. Depois apareceu o semiarianismo, que era uma tentativa de restaurar a heresia de Ario.

Auxílio para os católicos dos últimos tempos

Por fim, a voz vinda do Céu lhe assegura a morte de Juliano que seria sucedido por um imperador cristão, e a idolatria irremediavelmente destruída. Quer dizer, apesar de tudo, vinha o castigo purificador. Poderia ainda haver outras crises, mas a idolatria não renasceria mais.

Divulgação (CC3.0)
Martírio de Santo Artêmio – Biblioteca do Vaticano

Tendo ouvido isso, Santo Artêmio fez mais ou menos como Simeão, que disse: “Senhor, agora podeis mandar em paz o vosso servo, porque meus olhos viram o Salvador” (cf. Lc 2, 29-30). O mártir certamente pensou: “Senhor, agora podeis mandar em paz o vosso servo, porque estes ouvidos ouviram o anúncio da derrota daquele que é a causa de todos os flagelos, e a afirmação de vossa vitória.” Inclinou a cabeça e foi decapitado. Morreu em paz.

O que Santo Artêmio não viu nem soube é que tantos séculos depois o suplício e a varonilidade dele serviriam de estímulo para pessoas e nações, as quais ele nunca imaginaria que pudessem vir a existir.

Assim são as coisas na Santa Igreja: nós sofremos e lutamos hoje, mas não sabemos de que auxílio esses sofrimentos serão para os católicos dos últimos tempos, cuja aflição será suprema quando, afinal de contas, estiverem esperando a hora de Nosso Senhor chegar. Talvez eles meditarão nas nossas lutas, nos nossos sofrimentos, na nossa espera pela realização das promessas de Fátima, e encontrarão no que fazemos um conforto que nós mesmos não sentimos, mas que as almas deles receberão pela nossa ação.

(Extraído de conferência de 19/10/1966)

1) Cf. ROHRBACHER, René-François. Vida dos Santos. São Paulo: Editora das Américas, 1959. v. XVIII, p. 355-362.

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