O fenômeno de subversão psíquica na humanidade é tão singular, simultâneo e universal que não poderia ser produzido, ao mesmo tempo e em circunstâncias tão diversas, sem um fator ou um complexo de fatores, idêntico a si próprio, por toda parte. É sumamente provável que ele seja causado principalmente por um fator preternatural.
Certezas que a boa ordem interior apresenta
No exemplo da febre que dei anteriormente1 me exprimi, antes de tudo, com muito cuidado num pormenor: não disse que posso ter a certeza de que estou com febre ou não. Eu posso ter a certeza de que não estou com 42 graus de febre, o que é uma coisa muito diferente. Porque qualquer um de nós pode se enganar. Põe o termômetro, de repente está com 37, 5, digamos. É uma coisa possível. Até mais. Mas 42 é muito puxado, é o auge da febre.
A origem dessa certeza de não estar no extremo da enfermidade vem de uma tal ou qual limpidez do testemunho interno, que possui toda a segurança de uma evidência indiscutivelmente autêntica. É como quando alguém enche os pulmões com ar. A pessoa tem certeza de que está respirando e enchendo seus pulmões. Não tem conversa, é aquilo.
A pessoa pode não estar segura de sua perfeita sanidade, mas quando se refere ao extremo da doença, tenho um testemunho interno que me diz que não estou nesse extremo. São essas certezas que a boa ordem interior apresenta, e que são as primeiras evidências, anteriores a qualquer raciocínio.
Nas novas gerações – não digo sempre, mas em alguns casos – essa certeza não é tão grande, mas é uma certeza vacilante que, diante de uma afirmação muito categórica em sentido contrário, pode parecer dúvida. Ora, um corpo grande de evidências primeiras é elementar para a boa marcha do espírito.
O raciocínio deve fazer o controle das evidências primeiras
Pergunta-se como esse corpo de evidências chegou a tornar-se débil. Pretendo tratar disso agora.
Nós devemos fazer uma distinção entre a certeza básica saudável, objetiva, que nos dá a percepção clara, indiscutível da realidade imediata, e que é prévia ao próprio raciocínio, de acordo com a Filosofia de São Tomás. E depois a certeza racional que é filha dessas certezas iniciais. Porque o raciocínio não é o primeiro passo da elaboração mental. O raciocínio é uma conclusão tirada de duas premissas. Logo no início do processo mental estão premissas, e depois delas saem as conclusões.
Quando as premissas são muito saudáveis e bem apanhadas, o raciocínio só se volta sobre as premissas para controlá-las por uma conveniência metodológica, mas não há uma verdadeira inquietação. Porque a pessoa tem aquela certeza e não concebe a menor dúvida a respeito desta. E isto porque as certezas, as evidências primeiras são superiores à razão.
É próprio à razão conjugar as certezas e controlar o mecanismo das evidências primeiras. Porque, como há a possibilidade de uma ilusão por onde algumas certezas primeiras não se diferenciam tão claramente do irreal como outras, o raciocínio deve fazer o controle. No texto lido, o autor censura precisamente o fato de não ser feito este controle, de maneira que algumas certezas evidentes, mas falsas, não se distinguem das verdadeiras.
No fundo do processo de insegurança da “geração nova” dá-se um fenômeno simultâneo, por onde há uma espécie de debilitação desse corpo inicial de certezas e a possibilidade de aceitar como válidas certezas inteiramente arbitrárias, por causa de um arrombamento do raciocínio. Assim, apaga-se a distinção sensível entre o verdadeiramente evidente e o que não o é; a razão, que poderia controlar esta obnubilação e restabelecer a ordem, também se paralisa e se suspende. O resultado é que entram afirmações gratuitas no espírito humano.
A meu ver, trata-se de um fenômeno universal que se apresenta com uma aparência, pelo menos, de irreversibilidade, porque por mais que se utilizem meios para convencer uma pessoa, não se consegue eliminar a impressão errada.
Circunstâncias da vida moderna
Ademais, não é apenas uma anomalia acidental e pequena, mas sim profunda. É uma inversão profunda da ordem das coisas num campo capital, porque esse é um dos campos capitais da estrutura mental do homem. Então, trata-se de um fenômeno que, na ordem psicológica, é tão anormal quanto seria, por exemplo, na ordem física, todos os homens nascerem caolhos. Seria uma irregularidade gravíssima em matéria visual.
Essa irregularidade gravíssima e universal pode ter várias causas ou uma só causa. Mas esse complexo de causas, em razão da anomalia do fenômeno, é um só para o mundo inteiro, porque um fenômeno tão singular, simultâneo, universal não poderia ser causado ao mesmo tempo nas circunstâncias mais diversas, a não ser por um fator ou um complexo de fatores idêntico a si próprio por toda parte. Esta é a primeira conclusão que se deve tirar.
Existe a eventualidade do fator preternatural. Entretanto, há uma regra de bom senso segundo a qual nós só devemos apelar para uma explicação preternatural ou sobrenatural quando a natural parece impossível. Então, aparece a hipótese de se apelar para outro fator que não seja de ordem natural.
Nós poderíamos perguntar se não são as circunstâncias da vida moderna que preparam essa gravíssima subversão psíquica na humanidade. Portanto, se métodos psicológicos, de ordem natural, não poderiam explicar isso.
A ser isso verdade, deveríamos chegar à conclusão de que, provavelmente, quanto mais um determinado ambiente fosse carregado de influências modernas, tanto mais esse fato se notaria; e quanto mais tênues fossem essas influências, tanto menos ele seria notado.
Ora, não há nenhuma certeza de que isso seja assim. Há um fato parecido com esse, mas isso propriamente não é assim. Quer dizer, aonde chegou a influência da Revolução, nós notamos que esse fato se dá em profundidade. Aonde tal influência não chegou, verificamos que esse fato se dá em profundidade muito menor.
Influência da Revolução
Explico-me. Em cidades muito pequenas, onde a influência da Revolução, muito distante, não penetrou, é de se admitir que esse fato seja menos profundo. Onde a influência da Revolução penetrou, esse fato se apresenta com toda a intensidade, embora as condições de vida dessa cidade pequena não tragam consigo essa consequência.
Tomem uma cidade qualquer de fim de linha, de fim de estrada. Se ali chegou o espírito da Revolução, embora a vida material dessa cidade seja pacata, não haja excesso de trânsito, nem trepidação econômica, incerteza de condições de vida, nem a angústia contemporânea, mesmo ali esse fato se pronuncia; ao menos tanto quanto eu pude verificar. Acontece que, em geral, a Revolução não chega muito a fundo em lugares assim. Mas quando ela chega a fundo, esse fato se dá tanto quanto nos grandes centros. O que leva a julgar que a coisa é mais filha de uma influência da Revolução do que das condições de vida contemporânea.
Esse é, naturalmente, um exame sumário, não inteiramente taxativo, decisivo. Esse exame sumário a mim me leva a achar que muito provavelmente as coisas são assim.
O que tem a Revolução, considerada enquanto desligada das condições de vida que ela mesma criou, para que ela produza esses efeitos?
Os fatos naturais não explicam tudo
Poderíamos fazer a seguinte objeção: Os comunistas têm uma dosagem de espírito revolucionário muito mais intenso do que os burgueses. Logo, os filhos, os netos de comunistas – em linhagens comunistas de pai para filho e para neto – deveriam ter essa deformação psíquica muito mais do que os filhos e netos dos burgueses.
Ora, essa tese absolutamente não parece que seja verdadeira. Haveria, pelo menos, interrogações muito fortes a fazer, em admitir que é pura e simplesmente a ideologia revolucionária, ou um ambiente apenas revolucionário. Seríamos levados a admitir a presença de uma outra causa.
Uma pequena cidade penetrada pelo espírito da Revolução toma contato com gente que já tem essa mentalidade. E essa mentalidade, então, intoxica a pequena cidade. Nós deveríamos achar que as pessoas portadoras dessa mentalidade têm uma capacidade de difusão prodigiosa, e isso também não é verdade. Não há nenhuma razão para achar que isso seja especialmente assim.
Fazendo um exame que, por algum lado, é muito atento, e por outro não cerca todas as possibilidades menores, mais rebuscadas – abrange apenas a linha geral –, se diria que não é fácil encontrar uma causa natural que, só ela, produza tudo isso. Que haja fatos naturais que concorram para produzir isso, eu concordo. Mas que somente eles causem isto eu acho muito discutível.
Então, somos levados a nos perguntar se um fator preternatural poderia produzir isto. E para nosso exame ser completo, já que levantamos uma hipótese para além da natureza, deveríamos nos perguntar também se o fator sobrenatural poderia ser responsável por isso. Ora, quando falamos em fator sobrenatural responsável por isso, nós recusamos a ideia com horror. Porque compreendemos que isto é uma desordem, não pode ser produzido pelo fator sobrenatural autêntico, o qual, por sua natureza, é ordenador.
Ação preternatural
Então, só pode ser o preternatural, pois este produz desordem. Acontece que o homem, diante de impressões nele causadas ou acentuadas por efeito preternatural, tem um comportamento muito parecido com esse. Quer dizer, quando o homem é tentado por uma forma de tentação, como soem ser todas as tentações – ou quase todas –, que acentua muito nele uma impressão, dão-se nele todos esses fatos. De um lado a sugestão faz-lhe parecer como evidente algo que não o é; de outro lado o raciocínio se suspende e ele fica incapaz de crítica, e precisa ter uma ascese firmíssima para escapar a essa ação. Ascese tão firme que, segundo os autores espirituais, para um homem muito tentado consiste em não pensar no assunto, até que passe a tentação. Porque se ele pensar no assunto, vai se deixar dominar por esta impressão, de tal maneira o mecanismo intelectivo está apertado, contrariado, coarctado na sua eficácia normal, pela tentação.
Um exemplo. Uma pessoa desconfiada está caminhando, ouve alguém dizer alguma coisa, e desconfia que aquilo é com ela. Dá mais uns passos e o demônio, porque quer levá-la ao homicídio, sussurra: “Aquilo é com você.” Imediatamente, entrando o demônio, uma porção de impressões que a pessoa teve com aquilo se perturbam, se complicam e ela já não é mais capaz de dizer com clareza o que ouviu e não ouviu. Mas fica com a falsa evidência de que ela ouviu uma coisa que, bem analisada – e entra aí uma análise errada –, vai levá-la à conclusão de que aquele indivíduo disse aquilo; e conclui que é preciso matá-lo. A pessoa vai e mata. Na origem do crime de homicídio houve um fenômeno dessa natureza.
Então, fica a pergunta se não haverá uma ação preternatural, uma vez que uma causa meramente natural é muito improvável, e a ação dos espíritos malignos costuma ser assim. Ora, isso faz muito o jogo do demônio e da Revolução. Resultado: não terá o demônio feito isso?
Se houver um processo psicológico – e aqui entra a certeza –, o demônio está a cavalo nesse processo. Porque sempre que entra uma tentação natural, a sugestão demoníaca se conjuga a ela, e o fator preternatural se introduz. Logo, pode-se afirmar a existência de uma importante dose de preternatural no fenômeno acima descrito.
(Extraído de conferência de 6/4/1973)
1) Cf. Revista Dr. Plinio, n. 245, p. 26.