Precisamos ter uma visão global da Doutrina Católica e, portanto, timbrar em conhecer as verdades esquecidas. Uma delas é a que os santos de nossos dias devem ser como São Corbiniano, em muitas ocasiões de suas vidas. Pois nossa época é de extraordinária obstinação no pecado, sobretudo o de heresia, e a pior delas é a Revolução. Para vencer essa obstinação, em muitas circunstâncias, o remédio é a severidade.
Segundo o Martirológio, em 8 de setembro se comemora São Corbiniano, Bispo de Freising, na Baviera, falecido nesse dia, em 730.
Recriminações a um príncipe
Regressando de Roma, onde se entrevistara com o Papa Gregório II, São Corbiniano, ao chegar à fronteira dos Estados pertencentes a Grimoaldo, foi detido por guardas que este duque ali postara, com ordem de não permitir a passagem do bispo, se ele não aceitasse em fazer-lhe uma visita.
O Santo consentiu. Mas, ao dirigir-se ao castelo do príncipe, declarou que lá só entraria se Grimoaldo deixasse Piltrude, a viúva de seu irmão, com quem se casara. Como o príncipe não obedecesse, perseverou na recusa, admoestando-o incessantemente com suas recriminações a fim de conduzi-lo à penitência.
Ao cabo de quarenta dias, Grimoaldo e Piltrude prometeram separar-se e o santo bispo mandou-os vir à sua presença. Absolveu-os, depois de terem pedido perdão de joelhos e lhe beijado os pés, impôs-lhes penitências de esmolas, jejuns e orações. Depois entrou no palácio.
Jantando certo dia em companhia desse mesmo príncipe, São Corbiniano abençoou os alimentos servidos à mesa. O príncipe, que se distraíra, atirou um bocado ao seu cão favorito. Imediatamente o santo homem derruba a mesa com um pontapé, dizendo que quem atirava a um cão semelhante bênção não era digno dela, e que desse dia em diante não comeria mais em sua companhia.
Profundamente ferida pelo fato de São Corbiniano tê-la separado do príncipe, com suas admoestações, Piltrude aproveitou a ocasião para acusá-lo de crime lesa-majestade, merecedor de morte.
O príncipe, entretanto, que o tinha em grande e alta estima, mandou fechar as portas da cidade, temeroso de que o homem de Deus, em sua cólera, dela se retirasse. Acompanhado dos maiorais de sua corte, foi pedir-lhe perdão.
Noutra ocasião, quando se dirigia ao ofício da noite na Igreja de Santa Maria, o santo bispo encontrou no caminho uma camponesa, que se retirava carregada de ricos presentes. Já fora apontada como dada à prática de sortilégios. Interrogou-a sobre a razão dos presentes. Respondeu ela que curara o filho do príncipe, que estava atormentado por demônios, e que por causa disso fora presenteada. Horrorizado, o bispo desceu do cavalo, espancou a mulher com suas próprias mãos, arrancou-lhe tudo quanto carregava e distribuiu entre os pobres à entrada da cidade. Mais do que tudo, lamentava a infidelidade do príncipe.1
Para vencer a obstinação no pecado, em muitas circunstâncias o remédio é a dureza
Toda virtude concebida de maneira unilateral não é autêntica virtude. Se fôssemos imaginar um santo apenas muito suave, bondoso, invariavelmente amável em todas as circunstâncias de sua vida, não estaríamos em presença de um verdadeiro santo, mas sim de um arremedo de santo.
Como também se imaginássemos um santo que procedesse durante toda a sua vida explosivamente como São Corbiniano agiu nesses episódios, nós estaríamos diante de um santo muito singular, porque não se pode conceber que um bispo, mesmo na era constantiniana, para remédio de todas as situações jogue as mesas no chão, etc. Mas há situações em que o dever consiste em agir assim, como existem ocasiões em que o dever se cifra em ter um procedimento diverso.
O que explica nossa insistência nesse exemplo de São Corbiniano? É que temos muitos exemplos em sentido contrário, e as virtudes “corbinianas” são extraordinariamente raras. De maneira que encontramos aí uma razão muito boa para pôr em realce essa ficha.
Mas há uma razão mais profunda, evidentemente. Precisamos ter uma visão global da Doutrina Católica e, portanto, devemos timbrar em conhecer as verdades esquecidas. Uma delas é que os santos devem ser assim, como São Corbiniano, em muitas ocasiões de suas vidas, sobretudo quando se trata de santos de nossa época. Época de uma dureza, de uma obstinação no pecado – e o pior deles que é o de heresia, e a pior das heresias é a Revolução, com o laicismo a ela inerente –, uma obstinação tão extraordinária que realmente não se sabe o que dizer. É claro que, para vencer a obstinação, em muitas circunstâncias, o remédio é a dureza.
Hoje, a prova de coragem consiste em enfrentar aqueles que promovem a Revolução
O primeiro exemplo do procedimento de São Corbiniano com o príncipe se explica pelo fato de que este era casado com uma mulher, a qual tinha com ele um grau de parentesco por ser viúva do seu irmão e, portanto, precisava de uma dispensa da Santa Sé para contrair matrimônio com ela. Eventualmente, o príncipe não tinha pedido essa dispensa e vivia maritalmente com ela, e casou-se mesmo com ela, mas de um modo ilícito, sem a licença da Santa Sé. Ele estava, portanto, numa situação que São Corbiniano não poderia tolerar.
Vimos com que extremos de severidade ele censurou a atitude do príncipe, e que humildade o Santo exigiu dele, como pedido de perdão.
Quem seria um personagem equivalente ao príncipe nos dias de hoje para um santo humilhar assim? Como poderíamos imaginar um confronto entre a fortaleza da autoridade espiritual e os poderes temporais atualmente?
A Revolução deslocou das mãos dos príncipes, ou ao menos da maior parte deles, o poder e a riqueza. Enfrentá-los já não é grande prova de coragem. Mas é prova de coragem enfrentar aqueles que hoje têm muito poder, ou muitos meios de subornar, de comprar. Entre esses nós temos em primeiro lugar, evidentemente, os ricos. Mas não só eles; também a imprensa, o rádio, a televisão, os instrumentos que manipulam a opinião pública, os demagogos, os chefes de correntes revolucionárias; a todos esses, se favorecem o mal, é preciso que um bispo saiba enfrentar.
O exemplo do Cardeal Mindszenty
Como é bonito, por exemplo, vermos um bispo proceder por essa forma, enfrentando o comunismo, a demagogia, a desordem e a Revolução!
Nós temos hoje em dia um exemplo que vem a propósito lembrar porque, ao menos pelo que se conhece, não é menos belo do que o exemplo de São Corbiniano. É o Cardeal Mindszenty2, que está preso na Hungria, e a respeito do qual baixou um tal silêncio que quase nos esquecemos de que ele existe. Pois bem, temos aí um exemplo de fortaleza extraordinária, que lembra a fortaleza de São Corbiniano.
A ficha narra outros dois episódios: um é do Santo que joga a mesa no chão porque o príncipe deu de comer alimentos abençoados a um cachorro.
Alguém perguntará: “Mas ele não podia fazer de modo diferente? Por exemplo, dizer: ‘Príncipe, eu me levanto.’ Ou simplesmente manter silêncio sentido, em relação ao príncipe.” Uma pessoa mais moderada indagaria: “Ele poderia simplesmente dizer: ‘Príncipe, para seu cachorrinho não seria demais um pão bento?’ Assim, São Corbiniano não captaria mais a simpatia e a benevolência do príncipe?”
Seriedade, respeito, confiança
É preciso sempre lembrar que a arte de tratar com as almas não consiste principalmente em incutir-lhes simpatia, mas sim, antes de tudo, em lhes granjear o respeito. E o respeito se granjeia pela seriedade. E a seriedade se documenta muitas vezes pela severidade. É tomando as coisas até as últimas consequências e punindo de acordo com a gravidade, que se mostra ser sério. E, mostrando-se sério por essa forma, impõe-se respeito, inspira-se confiança e desse modo se dirigem as almas.
Um erro da propaganda hollywoodiana, e que o ambiente de hoje incute nas almas de um modo terrível, é a ideia de que o perpétuo smiling, o sorrir para todo mundo, arrasta as pessoas. Arrasta coisa nenhuma. Os norte-americanos têm distribuído dólares e sorrisos à farta. Se houve uma potência no mundo que garganteou pouco o seu poderio foi a norte-americana. O grande poder temporal mundial, anterior ao norte-americano, foi o da Inglaterra. Como a Inglaterra levava a coisa de outro jeito! Antes da Inglaterra foi Napoleão. Os Estados Unidos exercem uma dominação velada, por detrás dos bastidores, com dólares, e garantindo a independência desses países, pelo menos a independência política, e amenizando o conjunto com sorrisos. Contudo, eles estão sendo gradualmente abandonados pelo mundo inteiro.
Por quê? Porque os Estados Unidos não incutem admiração. E não incutem admiração pelo fato de que não são sérios. Eles depositam toda a sua confiança no sorriso. O sorriso tem um certo papel na vida do homem, não tem dúvida. Não estou dizendo que nunca se deva sorrir. Mas que essa seja a guia régia, é um engano. O sorriso precisa ser temperado, consertado com atos de grande valor, de grande energia. Quem não é capaz de meter um pouco de medo não é verdadeiramente santo. E por isso nós temos um Santo de requintada bondade, mas que sabe impor medo, e consegue fazer o príncipe ficar quieto.
Na Idade Média, a virtude e a contrição dos pecadores são encantadoras
Por outro lado, é uma maravilha a atitude do príncipe. Na Idade Média, muitas coisas encantam. A virtude encanta, mas também a contrição dos pecadores é encantadora. O príncipe andou mal porque, afinal, ele devia ter prestado atenção. À sua mesa estava um Santo que ele venerava como tal; o varão de Deus dá uma bênção nos alimentos, mas ele está pensando no cão. Contudo, em comparação com as coisas que fazemos hoje, quão ingênuo, quase se diria quão gracioso!
O príncipe leva uma admoestação tremenda, e sua primeira ideia é: “Segura o Santo porque eu quero pedir perdão para ele!” E como o Santo vai embora, manda fechar as portas da cidade. Depois pede perdão, ajoelha-se, o Santo se reconcilia e volta tudo à bonança. Nota-se que contrição entra nisso, que cordura, que brandura de alma, que inocência há numa atitude como essa. Não é verdade que, mesmo nessa penitência, há uma inocência mais profunda do que a falta cometida e que nos deixa maravilhados?
Finalmente, a sova na mulher que era uma espécie de bruxa e feiticeira e havia usado algum feitiço para curar o filho desse homem. Qual foi a atitude do Santo com ela?
Eu pergunto: há casos semelhantes atualmente? Ainda hoje eu estava lendo a seguinte notícia: Houve a inauguração de um parque municipal em São Paulo, durante a qual foi realizada uma sessão ecumênica. Falou um padre, um bispo católico, logo em seguida um espírita e depois um rabino. Numa mesma sessão, em comum com o bispo. Onde está o exemplo de nosso Santo? Como estão mudadas as coisas…
(Extraído de conferência de 8/9/1969)
1) Cf. ROHRBACHER, René-François. Vida dos Santos. São Paulo: Editora das Américas, 1959. v. XVI, p. 106-107.
2) Cardeal József Mindszenty (*1892 – †1975). Opôs-se tenazmente ao regime comunista, particularmente em seu país, Hungria. Foi perseguido, preso e morreu no exílio. Seu corpo, exumado em 1991, foi encontrado incorrupto, e em 1996 foi apresentada à Santa Sé a documentação para o processo de sua beatificação.