jueves, noviembre 21, 2024

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Beleza e praticidade que conduzem a Deus

O entrelaçamento do prático com o belo, tão característico da obra de Deus, não está presente na arte moderna. A alma católica, entretanto, soube unir essas duas prerrogativas até mesmo na arquitetura, e, sem deixar de servir ao corpo, procurou sobretudo encantar a alma e elevá-la até Deus.

Ao nos depararmos com um conjunto residencial moderno, poderíamos imaginar ser uma grande fábrica ou cadeia, enfim, qualquer coisa enorme, situada em Oslo, São Paulo ou em outro lugar. Ora, tal construção tem alguma beleza? Ela nos eleva?

O espírito da Revolução e a prevalência da matéria

Absolutamente não. Só vemos uma série de quadrados, com umas pequenas janelinhas à maneira de alvéolos, onde habitam umas “abelhas” humanas. Cada homenzinho, cada família ocupa um, dois ou três buraquinhos desses e se perde nessa imensidade. O corpo talvez esteja bem servido ali, mas a alma humana fica opressa. É o espírito moderno, o espírito da Revolução onde prevalece a matéria. Ali a alma não se prepara para ir ao Céu, porque no Paraíso Celeste não há nada parecido com essa feiura, nem com essa monotonia. É a idolatria dos quadradinhos, postos uns sobre os outros.

Em determinados edifícios não se mora, trabalha-se. Se houvesse cozinha, até seria habitável, pois imagino que um quadrado desses dá para qualquer coisa. Eu não entendo desse tipo de engenharia, nem quero entender. Entre ela e eu há uma incompatibilidade completa, radical.

Um observador dirá: “Dr. Plinio, não é bonito o Sol que reflete pelas janelas?”

Eu diria: “O arquiteto não fez o Sol, mas sim as janelas, e estas, quem ousará achar bonitas? Basta abrir uma para ficar um buraco. É um conjunto de vidros e de buracos, cujo interior está cheio de gente trabalhando até arrebentar. Tudo isso é muito prático para o corpo, mas para a alma, zero.”

Alguém poderia objetar: “Mas, Dr. Plinio, não são quadrados de tamanhos iguais. Não há um pouco de harmonia dentro disso?” Eu não sei se o engenheiro pensou nisso. Estou me esforçando para ser equânime, mas não encontro uma resposta positiva.

Ora, por que esse teto é inclinado? “É para a chuva escorrer” Então, por que esse outro é chato? É para a chuva não escorrer? São mistérios que eu não chego a entender.

Ukjent (CC3.0)
Oslo, Noruega

Em todo caso, para nos divertir um pouco, há aqui outro conjunto residencial ou de escritórios, com janelinhas, buracos e quadrados. Olhem para esse teto. Alguém dirá: “Maravilhoso! O senhor há de reconhecer que essas riscas de luz são bonitas.”

Eu digo: “É verdade. A luz é bonita até sobre uma superfície moderna, pois não foi dado ao homem fazer com que a luz seja feia. A feiura é das trevas.”

O que são esses “bengalões”? São projetos de muletas para imensos aleijados? Não, são conjuntos residenciais. Aplicando a vista, podemos perceber os quadradinhos.

O movimento ondulado dessa rampa, é bonito? Um pouquinho é. Entrou um pouquinho de beleza dentro disso. Porém, pensem no artificial de tudo isso. Aliás, não é possível que a sensação frígida de artificialidade metálica escape à atenção.

Hostilidade entre a arte moderna e a beleza

Há uma grande hostilidade contra a beleza na arte e arquitetura modernas.

Vendo determinados prédios temos uma sensação de interrupção arbitrária e estúpida, dando-nos a impressão de um queijo enorme cortado, com algumas fatias tiradas, restando outras. Qual a razão dessas interrupções repentinas, sem nenhuma moldurazinha que as anuncie ou justifique? Isso é bonito? Alguém dirá: “É prático.”

Isso é duvidoso. Entretanto, na arte moderna, o que é bonito não é prático; e o que é prático não é bonito. O entrelaçamento do prático com o bonito, tão característico da obra de Deus, não está presente.

Chell Hill (CC3.0)
Ópera de Oslo, Noruega
Torstein Frogner (CC3.0)
Oslo, Noruega

Analisemos um engarrafamento do trânsito. Nas metrópoles há grandes artérias retilíneas, feitas para darem vazão a milhares e milhares de carros por hora; mas, quando se dá uma pequena trombada, talvez entre dois motociclistas, é necessário esperar a polícia chegar, e por ser uma grande avenida, quando para o trânsito, paralisa-se uma enorme quantidade de veículos. É o urbanismo moderno, muito bem pensado para as coisas funcionarem bem, mas não planejado para a hipótese de funcionarem mal. Buzinas, enervamento, gente atrasada; quando, afinal, os automóveis podem circular, chocam-se uns nos outros pelo nervosismo, e ainda há novas trombadas.

 

 

 

O espírito da Igreja une o prático ao belo

Henrique Boney (CC3.0)
Congestionamento no Vale do Anhagabaú, São Paulo

Em contraste, temos a Abadia de Vézelay, na França, atualmente conhecida como Basílica de Santa Maria Madalena. Como é diferente! Percebam como a porta é muito prática, pois é bastante grande para facilitar a entrada e saída das multidões. Também é alta, de maneira a nada esbarrar nela. Por outro lado, a coluna central divide um pouco a multidão e evita, já de início, que ela caminhe para uma só direção. Há nisso um lindo simbolismo! O feitio das portas medievais simbolizava Nosso Senhor Jesus Cristo que veio dividir as vias do homem em duas: a da direita, a do amor de Deus, e a da esquerda, a da perdição.

No pórtico podemos contemplar um belo trabalho em pedra representando um fato da História Sagrada, ou da História da Igreja, ou de algum Santo; ilustra e ensina a religião aos que vão entrar. A coluna central da porta principal da Basílica, que suporta todo esse peso com profunda nobreza, quão diferente é das colunas chatarronas existentes hoje em dia. Quanta harmonia e distinção!

A seguir, temos a esplêndida Catedral de Reims, onde eram coroados os reis da França antes da Revolução Francesa. Eu não vou elogiar o evidente, mas vejam a magnífica harmonia e beleza dessa esplêndida neta de Deus. O gótico é considerado o estilo mais prático que houve na História. Não há nada, num edifício medieval, que não tenha uma razão de ser prática, inclusive poder-se-ia fazer um estudo comprovando isso. Nele, entretanto, tudo é bonito.

Na fachada da própria Catedral de Reims observamos as rosáceas. Pareceria ter sido o prédio construído para dar beleza a esses grandes vitrais, mas não é verdade. As rosáceas existem para facilitar a entrada de luz dentro do templo. Entretanto, não é a luz clara de todos os dias, mas um pouco filtrada, convidando à contemplação e criando um ambiente místico de recolhimento.

Yannick Pichard. (CC3.0)
Abadia de Vézelay, França

Os medievais aproveitaram os vitrais para representar cenas da História da Igreja, do Antigo ou do Novo Testamento, para ensinar aos povos, constituindo assim, mil símbolos da Doutrina Católica. Portanto, a rosácea é funcional, pois através dela entra luz para o prédio, mas que luz, que ensinamento, que flores de beleza! Essas igrejas eram chamadas de “Bíblias dos analfabetos”. Ora, o que forma mais a alma humana: a cartilha ou o vitral?

Aliás, é preciso dizer o seguinte: a Idade Média foi a época na qual mais se trabalhou – em relação a todas as épocas anteriores – para a alfabetização do homem. De tal maneira que quando a Idade Média terminou, deu-se o aparecimento da imprensa. Como poderia a imprensa ter tão grande importância se ninguém soubesse ler e escrever?

Destas considerações podemos tirar um ensinamento magnífico e faustoso. O espírito da Igreja é o mesmo espírito de Deus que sabe unir o prático ao belo; de onde o objetivo do prático é servir o corpo e não atrapalhar a alma; e o objetivo do belo é encantar a alma e elevá-la até Deus. Assim, vendo um objeto, utilizamos o prático quase sem pensar nele e admiramos o belo como se só este existisse.

Construções que satisfazem o corpo e elevam a alma

Há uma diversidade inimaginável de vitrais, alguns representando reis santos, e outros Nossa Senhora com o Menino Jesus. Contemplem a variedade de formas e de cores, que esplendor de luzes! Cada fragmento de um vitral é uma verdadeira pedra preciosa, e se cada parte é de tal maneira bonita, o conjunto é tão mais belo, que a alma não tem muita vontade de pormenorizar. A Bíblia conta que depois de ter criado o universo, Deus descansou e, contemplando sua obra, viu como cada coisa era boa, mas o conjunto era ótimo (cf. Gn 1, 31).

Assim, no conjunto de vitais, que joia e esplendor! Função prática: iluminação. Função espiritual: apresentar a beleza, mas nela, a Suma Verdade, a Revelação trazida pelo Espírito Santo e Nosso Senhor Jesus Cristo à Terra.

Comparem os prédios de quadradinhos e esse teto gótico. São dois mundos, duas concepções. O que mais prepara a alma para o Céu?

A magnífica Catedral de Orvieto, por exemplo, tem algo de especial, pois é indelevelmente colorida do lado de fora. Ela ostenta esplêndidos mosaicos refratários à ação da luz e do tempo. Ademais, o perfeito estado dela nos faz pensar ter sido construída ontem. No entanto é, sem dúvida, uma catedral medieval que arrosta os séculos, não com aquela velhice magnífica e veneranda das antigas catedrais de granito, mas com a durabilidade que fala do eterno.

No ponto mais alto da fachada há um mosaico representando Nosso Senhor Jesus Cristo coroando Nossa Senhora. Qual é a pintura, com cores tão frescas, representando um esplendor e uma louçania de alma tão magnífica? Nessa catedral tudo aponta para o céu, até os triângulos e as flechas. Edifícios como esse parecem elevar-se ao céu e nos levam para lá.

Almas insaciáveis de dar glória a Deus

Analisemos agora um castelo, quase de conto de fadas: Neuschwanstein. Ele foi edificado sobre um monte, a pedido do Rei Luís II, da Baviera, no século XIX. A nobreza desses torreõezinhos; quanta distinção, beleza e altanería! Como isso é diferente daqueles mil alvéolos que parecem transformar seus habitantes em abelhas humanas. Contrariamente, este nobre castelo faz dele um guerreiro, e, por sua vez, a catedral faz do homem um santo.

Eric Pouhier (CC3.0); Josep Grin (CC3.0); Ludovic Péron (CC3.0)
Detalhes da Catedral de Reims, França

Observem a beleza do telhado. Dir-se-ia estar revestido de pedras preciosas! Como é convidativo morar num lugar desses! Abrir de manhã a janela e contemplar um dos telhados laterais refulgindo ao Sol. Olhar para baixo e se deparar com uma das rampas, com água escorrendo depois de uma chuvarada e gotejando agradavelmente da gárgula. Quanta beleza, nobreza e harmonia! Entretanto, isso é prático: esse declive visa impedir o acúmulo de neve.

Já na cidade de Rouen, onde Santa Joana d’Arc foi queimada pelos ingleses, temos uma imponente Catedral que mais parece um enorme élan para o céu. A torre vai adelgaçando à medida que se eleva, quase se transformando em firmamento; não se sabe bem se seu píncaro é mais ar do que terra, ou mais luz do que pedra. Assim, esse belo monumento convida a alma para subir!

jplenio (CC3.0)
Castelo de Neuschwanstein, Alemanha
Luca Aless (CC3.0)
Catedral de Orvieto, Itália

No prefácio da história de Santa Isabel da Hungria, Charles Montalembert narra que um maometano, preso pelos cruzados, recebeu licença de viajar pela Europa e, conhecendo as catedrais, perguntou quem as construía. Mostraram-lhe, então, o irmão leigo de um convento:

— Ele é um dos homens que constroem esses monumentos.

Surpreso, indagou:

— Como podem homens tão humildes construir edifícios tão altivos?

Assim é a alma católica: humilde quanto a si mesma, mas insaciável para dar glória a Deus. Na Catedral de Rouen está a glória de Deus cantada por uma flecha que vai mais alto do que todos os edifícios da Terra. Essa é a Igreja Católica acima da sociedade temporal. A Santa Igreja está por cima de tudo.

Ambientes que conduzem a Deus

Em outra foto vemos aquilo que São Francisco de Assis chamava “a irmã água” caindo e correndo, luminosa e turbulentamente, em meio a pedras, por certo fazendo aquele ruído mais parecido a um cântico. Próximas à margem há algumas moradias plebeias. Notem a sensação de solidez dos prédios e como dão a impressão de proteger contra as intempéries. Dentro dessas casas, as pessoas se sentem na intimidade, a léguas da rua, afastados dos outros, com a possibilidade de estar a sós, no aconchego da família ou numa solidão completa aos olhos de Deus.

rajaraman sundaram (CC3.0)
Cataratas do Reno, Suíça
Benittes (CC3.0)
Torre de Belém, Lisboa
Vicente D.
Pedro Álvares Cabral Rio de Janeiro

É um ambiente agradável, à maneira europeia, pois quando chega o verão o jardim se enche de gerânios vermelhos e, do lado de dentro, uma pessoa calma lê um livro, ou uma senhora faz crochet ou tricot enquanto conversa com o netinho sentado no chão. É a vida tranquila e cheia de paz de outrora, mais operosa do que a das multidões se acotovelando nos ônibus. Cidades pequenas, onde as pessoas vão a pé por toda parte, aonde ninguém tem pressa, ninguém corre, todo mundo vive e respira em paz. Em cidades como essas se formaram os povos europeus, saudáveis, que engendraram a maior civilização de todos os tempos.

Herbert Frank (CC3.0)
Catedral de Rouen, França

Como seria agradável, por exemplo, no entardecer de um dia fresco, permanecer num terracinho rezando ou lendo, ou até fazer uma grande coisa quando a pessoa tem a alma cheia de altos pensamentos e de verdadeira fé: não fazer nada. Contudo, não significa flanar ou fazer o papel de bobo, mas é deixar a memória e as recordações falarem, ir pensando ao sabor do tempo e das associações de imagens. É mergulhar na contemplação.

Foi conversando agradavelmente desde uma janela que Santo Agostinho e Santa Mônica tiveram o famoso êxtase de Óstia. Quem poderia ter um êxtase dentro de um arranha-céu contemporâneo? Deus pode tudo, inclusive levar alguém a entrar em estado místico no interior de um edifício moderno, mas é preciso dizer que um tal lugar não propicia um êxtase.

 

 

Maravilha do espírito católico

A Torre de Belém, localizada na margem do Rio Tejo, que banha Lisboa, é uma fortificação composta de um material tão alvo que em noite de luar mais parece feita de lua. Na sua parte inferior se encontram os orifícios para os canhões. Sob certo ponto de vista, a torre, tão leve com suas ameias e torreões, parece um brinquedinho; mas, tão majestosa e forte que dá impressão de uma verdadeira fortaleza.

Os antigos tinham horror das fachadas lambidas e do plano sem arte. Na superfície principal está a sacada onde podemos imaginar o rei vendo as naus partirem, por exemplo, da frota de Pedro Álvares Cabral, com a imagem de Nossa Senhora, a qual hoje se venera na igreja dos Jerônimos, e é chamada Nossa Senhora do Brasil.

Imaginemos ali uma série de pendões e de tapeçarias riquíssimas; o rei com a rainha e sua corte, despedindo-se dos navios que partiam para descobrir novas terras e trazer novos povos para a Igreja Católica Apostólica Romana, levando nos mastros a Cruz de Cristo. É um cenário magnífico! Tão bonito que parece ter sido construído só para essa cena épica.

Ali encontramos a beleza conjugada ao prático. O mirante é estupendo, e sem dúvida, muito funcional. Foi uma fortaleza tão boa que, para as condições do tempo, metia medo em qualquer atrevido desejoso de se adentrar no Tejo. Nobre e distinta, a Torre de Belém é uma verdadeira maravilha do espírito católico que formou essa civilização.

Quanto respeito para com a criatura humana há numa construção como essa! O homem se sente inteiramente atendido, protegido, defendido e conduzido até Deus!

(Extraído de conferência de 10/2/1974)

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