A ideia de qual é o ponto de equilíbrio da mente humana a partir do qual todos os movimentos são equilibrados, Dr. Plinio adquiriu ao analisar a alma de Dona Lucilia, que era eminentemente estável, tranquila, serena, compreensiva, carregada de bênçãos, mas ao mesmo tempo firme, disposta à luta.
O filho abre os olhos para a vida no regaço materno e por isso o papel da mãe é aquele que a maior das universidades não tem: a de acondicionar dentro da perspectiva dela uma porção de noções gerais – com conteúdo metafísico e religioso, se bem que ela mesma não saiba isso senão vaga ou difusamente – que se projetará depois sobre toda a vida do filho.
Circuito perfeito
Depois que o filho recebeu da mãe as influências – que são naturalmente as que o preparam com avidez para acolher a Igreja Católica –, quando ele chega ao fim da vida, percebe conferir com o que ele recebera no começo.
Por isso São Tomás de Aquino diz que o movimento perfeito é o círculo. A volta ao ponto de partida é a perfeição e a excelência do movimento, e nessa relação entre mãe e filho se verifica também isso.
Posto o assunto como deve ser, em tese, entre filho e mãe, posso aplicar no que dizia respeito de mamãe comigo.
Se é verdade que em parte era por movimento da graça em minha alma de batizado que eu tendia para uma porção de coisas na ordem da inocência, no relacionamento entre mãe e filho estaria longe de ser verdade dizer que o único batizado era eu. Batizada era ela também e me transmitia o que havia na sua alma de mãe católica, receptiva ela mesma a essas coisas orientadas à inocência ao longo da vida, e vendo isso nas gerações que a antecederam.
Assim, eu encontrava consonâncias tão profundas entre aquilo que hoje percebo ser a graça que não vinha de mamãe e aquela que eu recebia por meio dela, que diríamos tratarem-se de dois instrumentos tocando a mesma música, encontrando-se perfeita e inteiramente.
Pode-se dizer que ora a graça produzia em mim apetência por coisas que minha mãe me daria, ora mamãe – ou seja, a graça por meio dela – fazia-me desejar aquilo que a própria graça me concederia. Isso formava um círculo, um circuito só.
O unum do qual partem todas as virtudes
Por exemplo, a ideia de que o ponto de equilíbrio da mente humana a partir do qual todos os movimentos são equilibrados e fora do qual tudo é desequilíbrio, onde impera uma gravidade séria, voltada para o eterno e para o combativo, mas também para o afável e o ameno, veio-me muito de conhecer o ponto de partida da alma de Dona Lucilia, que era eminentemente assim: estável, tranquila, serena, compreensiva, carregada de bênçãos, mas ao mesmo tempo firme como tudo, disposta à luta; a tal ponto que ninguém, ao longo de noventa e dois anos de existência, a fez sair do caminho que tinha traçado para si mesma.
Isto tudo forma um unum que teoricamente se pode decompor em várias luzes, em vários coloridos, conceitos ou virtudes distintas. Seria mais ou menos como pegar um lindo copo de cristal, deixar bater nele uma luz intensa de um dia claro. Vejo aquilo como um unum, é uma luz de cristal, branca. Sei que ali estão todas as cores do arco-íris, mas não vou estar esgravatando aquela cor para procurar vislumbres das tonalidades do arco-íris. Nem seria capaz de fazer isso a olho nu; exigiria um prisma, uma adaptação. Eu olho, é luz de cristal.
Assim também uma alma equilibrada dotada de muitas virtudes que se completam, nós não ficamos esquadrinhando para distinguir esta daquela, nem sequer pensamos tanto em virtudes, mas no todo chamado virtude. Isso era eminentemente o que eu notava em mamãe.
A síntese e o equilíbrio das virtudes
O homem está equilibrado quando, por exemplo, consegue se manter em pé. Todo movimento que ele faça pode agravar o desequilíbrio. Aqueles movimentos que seriam normais num homem equilibrado, num homem torto são desequilibrados porque o ponto de partida é errado; então ele cai no chão.
Da mesma forma, há na vida várias atitudes que, se examinamos separadamente, consideramos equilibradas, mas quando vamos ver, o sujeito caiu no chão. Por quê? Porque o ponto de partida foi desequilibrado. Faltou aquela síntese estável e central da virtude a partir da qual se movem as virtudes.
Eu aprendi a amar esse ponto estável eminentemente em mamãe, tomando desde logo o gosto disso e o mau sabor do oposto. Aliás, essa postura me defendeu de achar monótono o equilíbrio. Há muita gente, hoje em dia, que considera essa posição monótona; praticamente todo o mundo. Entretanto, eu não considero assim; pelo contrário, é a delícia de minha vida. É a posição de equilíbrio a partir da qual mover-se e, mais ainda, lutar, sobretudo a serviço de Nossa Senhora, é um gáudio. Mas é a partir de um ponto central que não muda nunca. Esse ponto eu eminentemente aprendi com ela. Como?
Aprendizado feito através de um olhar, de uma carícia…
Era um olhar, uma inflexão de voz, uma carícia, enfim, estar juntos. Por exemplo, ela me mostrando as historietas da Bécassine, e eu sentado perto dela.
Lembro-me dela numa estação de água existente em São Paulo, perto da divisa com Minas Gerais, chamada Prata. Nós íamos muito a Águas da Prata porque essas águas eram apropriadas para pessoas que sofriam do fígado e faziam bem a ela.
Certa vez tive uma doencinha qualquer de criança, estando com ela em Águas da Prata. Segundo os critérios médicos daquele tempo, qualquer sintoma que se sentia, a primeira providência era horizontalizar o doente. Portanto, com vivo desagrado da criança, a prescrição era ir para a cama. E nesse ponto minha mãe era intransigente: “O Doutor mandou, cama!”
Entretanto – e nisso estava Dona Lucilia inteira –, ela me mandava deitar, mas depois ia fazer-me companhia. Então sentava-se aos pés da cama ou punha uma cadeira ao lado e começava a ler a Bécassine, por exemplo. Eu entendia francês, portanto, ela não traduzia para mim, mas ia comentando e ouvindo meus comentários a respeito dos fatos, personagens, desenhos, etc.
Outra coisa da qual me lembro com umas saudades enormes: as mãos dela! Não eram compridas, com dedos longos e afilados, mas muito bem feitas. As articulações dos dedos eram muito proporcionadas e graciosas. Eram mãos muito alvas, e a pele simbolizava, por assim dizer, o contato com o temperamento dela: era de cetim…
Mamãe tinha um modo de mexer a mão por onde os dedos se moviam lentamente. Por exemplo, ela dizia: “Filhão, vamos então passar para a outra página.” E folheava o livro com tanta dignidade, estabilidade, beleza, elegância que eu, ao vê-la virar a página, ficava prestando atenção na mão e pensava: “Que alma! Que coração!”
…e de uma inflexão de voz
O tom de voz, a afabilidade também. Ainda em Águas da Prata, eu me lembro de que, como parte do tratamento, era necessário o repouso. Por isso, terminado o almoço, ela ia fazer sesta.
A certa hora, minha irmã e eu éramos autorizados a entrar no quarto dela e a encontrávamos de robe de chambre, deitada, mas acordada, calma, rezando, raras vezes lendo, ou olhando para um ponto indefinido e pensando, com esta particularidade: as venezianas sempre fechadas e o vidro aberto.
Nós viajávamos para lá nas férias do meio do ano, quando os dias são muito claros nessa região do Brasil. De maneira que entrava uma luz abundante pelas venezianas cujas varetas ficavam muito escuras em confronto com os raios que filtravam por elas, deixando o quarto envolto em uma espécie de penumbra com uma luminosidade matizada.
Eu olhava aquilo e pensava: “Curioso, essa penumbra é tão deleitável, mas há uma analogia entre ela e uma certa penumbra existente na alma de mamãe, tão feita de verdades e de recolhimento que se diria que ela é para Deus uma veneziana.”
Não preciso dizer que eu chegava antes da hora marcada. Ao ver-me, gesto não sistemático, mas frequente, ela abria as duas mãos e exclamava com afeto: “Filhão!”, como quem diz: “Pode aproximar-se, estou acordada.” Eu entrava e imediatamente lhe fazia agrados que ela retribuía. Depois eu dizia qualquer coisa e saía pensando o seguinte: “Que pena que as regras e as convenções me obriguem a sair, porque eu gostaria de ficar aqui sentado ao lado dela, ela quieta e eu também. Fazendo o quê? Contemplando as duas penumbras…”
Eis uma espécie de exercício teórico-prático de como Dona Lucilia me ajudava a ver o unum da alma dela.
Quando depois ia à Igreja do Sagrado Coração de Jesus, que também tem uma penumbra especial, eu chegava lá e dizia: “Curioso, parece com mamãe.” Mas quando estava com mamãe, eu dizia: “Curioso, parece com a Igreja do Coração de Jesus”, e formava um todo só.
(Extraído de conferência de 12/5/1980)