Brasiliana Iconográfica (CC3.0)
Tereza Cristina Maria de Bourbon, Imperatriz do Brasil, em 1861 Pinacoteca do Estado de São Paulo

Esposa de Dom Pedro II, filha do Rei das Duas Sicílias, a Imperatriz Tereza Cristina pertencia à Casa de Bourbon e descendia, portanto, de Luís XIV. O Imperador causou-lhe muitos desgostos, fazendo com que sua vida fosse de grandes sofrimentos, que ela suportou com muita dignidade. Ela possuía o ar de uma mãe dos brasileiros; muito bondosa, condescendente, afável, era verdadeiramente querida pelo povo.

Durante um largo período da História do Ocidente, que poderíamos situar mais ou menos da queda de Napoleão, em 1815, até 1835, formou-se a ideia de que a pureza era uma virtude adequada à mulher, mas supérflua e até contraditória para o homem, o que é verdadeiro em relação à mulher e inteiramente falso no que diz respeito ao homem.

A Imperatriz Tereza Cristina, símbolo da dama sofredora

Essa perniciosa concepção fazia com que a mulher aguentasse todo o fardo da situação dentro de casa e fosse, em geral, uma vítima da infidelidade conjugal do marido, o qual em sua vida de solteiro já fora desonrado.

Conheci uma senhora de uma boa família antiga, a quem uma vez a filha recém-casada disse:

— Mamãe, imagine que horror! Eu desconfio que meu marido está sendo infiel a mim…

A senhora, sexagenária, asseverou com uma voz pausada:

— Olhe, não procure porque encontra. É melhor fazer como eu: nunca procurei, por isso me senti feliz com o seu pai.

Era um horror. Quem suportava esse fardo era sempre a boa senhora de família, sendo, por isso, a sofredora da casa, símbolo da seriedade, da virtude e da Fé dentro do lar. Por causa disso ela era, em geral, venerada pelos filhos como uma espécie de mártir, e respeitada pelo marido, embora esse respeito fosse incoerente, porque se ele a respeitasse verdadeiramente não cometeria adultério.

Isso caracterizava, até certo ponto, mesmo as senhoras de importantes famílias ricas, dispondo de uma prestigiosa situação social.

A Imperatriz Dona Tereza Cristina representava o símbolo da dama sofredora segundo o modelo desses tempos, pois embora Dom Pedro II não fosse propriamente um marido estroina – como Dom Pedro I tinha sido –, ele teve lá suas infidelidades.

José Correia de Lima (CC3.0)
Chegada da Imperatriz Tereza Cristina na fragata Constituição em 1843 Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro
Eduardo de Martino (CC3.0)
Princesa Tereza Cristina, por José Correia de Lima, c. 1843. Este retrato atraiu Dom Pedro II, levando-o a aceitar o casamento.

Pertencente à Casa de Bourbon, ela descendia de Luís XIV, de quem um dos descendentes foi Rei da Espanha. Desse ramo espanhol Bourbon desprendeu-se, por sucessão hereditária, um outro que passou a reinar nas Duas Sicílias.

Esse reino existente no Sul da Itália recebeu esse nome por causa da Ilha de Sicília, ou seja, Sicília insular e o território continental correspondente à parte baixa da “bota italiana” que se chamava Sicília também, denominação oriunda dos sículos, um antigo povo que habitara ali. Assim, a terra dos sículos chamava-se Sicília.

Casamento por procuração

Dom Pedro II estava à procura de um casamento e mandou um nobre de sua corte fazer uma viagem à Europa para escolher uma princesa que correspondesse às conveniências políticas, antes de tudo, mas também de dote e genealógicas que um casamento como esse supunha.

Como a técnica fotográfica ainda não estava suficientemente desenvolvida, o enviado imperial partia com as instruções sobre qual o tipo humano que deveria ter a futura Imperatriz para satisfazer as aspirações legítimas do Monarca, e quando encontrasse uma princesa que correspondesse a essas aspirações, ele deveria mandar pintar um retrato dela e enviá-lo por mala diplomática para o Imperador tomar conhecimento e decidir sobre o casamento.

As negociações não foram breves. O mandatário imperial andou rodando pelas cortes europeias sem muito êxito, o que se compreende porque a recordação deixada por Dom Pedro I como marido não era nada boa; ademais, o Brasil era um cafundó do mundo. Uma princesa precisava ter coragem para vir morar aqui, casada a vida inteira com um Imperador cuja psicologia e mentalidade não conhecia.

Afinal, Dom Pedro II recebeu uma miniatura linda que o agradou inteiramente, retratando a Princesa Maria Tereza de Bourbon-Sicília, e concordou em realizar o casamento por procuração, que se deu em Nápoles, bela capital das Duas Sicílias.

Algum tempo depois, desembarcava no Brasil Dona Tereza Cristina. Avisado com a necessária antecedência da chegada do navio, Dom Pedro II foi recebê-la a bordo. Segundo o protocolo, ao encontrar-se com o Imperador, a Princesa deveria ajoelhar-se, mas ele, por sua vez, precisaria segurá-la pela mão e não o permitir, depois oscular as mãos dela, dar-lhe o braço e descerem para a terra, onde receberiam as manifestações populares.

O brasileiro quer ver no seu Chefe de Estado principalmente um pai

Contudo, quando ele a viu aproximar-se caminhando com o seu séquito, do outro lado do tombadilho do navio, teve uma surpresa porque reconheceu ser a pessoa da miniatura, mas não tinha nem um pouco a beleza ali retratada. Além do mais, ela era pronunciadamente manca. Dom Pedro II ficou tão perturbado que se esqueceu de impedir que a Princesa se ajoelhasse. Afinal, ele percebeu que era fato consumado, levantou-a, deu-lhe o braço e desceram do navio.

Alejandro Cicarelli (CC3.0)
Casamento por procuração da Imperatriz Tereza Cristina – Museu Imperial, Petrópolis, Brasil

Aquilo constituiu um choque que lotou a existência inteira dele. Sua vida matrimonial foi tristonha, nem um pouco aquela que a atmosfera romântica um tanto estúpida daquele tempo pedia: os dois pombinhos que se encontram e passam a vida felizes.

Ferdinand Krumholz (CC3.0)
Imperatriz Teresa Cristina e seus três filhos Isabel, Leopoldina e Pedro Afonso em 1849 – Museu Imperial, Petrópolis, Brasil

Também no que diz respeito à prole o casal foi infeliz. Tiveram quatro filhos, duas meninas e dois meninos, mas estes morreram ainda na infância, restando apenas as duas filhas. Esse véu de tristeza que cobriu sua vida nupcial, Dom Pedro II pareceu carregá-lo com muita dignidade durante toda a sua existência.

A Imperatriz percebia tudo isso também e tinha o todo de uma dama digna, sem ilusões de se enfeitar e parecer bonita; era uma dona de casa com uma grande dignidade moral, uma pessoa muito boa que fazia um bom par com ele aos olhos do povo brasileiro, porque o Brasil queria ver no seu monarca, sobretudo, um pai. No espírito do brasileiro a concepção patriarcal do poder é muito ancorada, muito forte e profunda. Do Prata ao Amazonas, do mar às cordilheiras, o que o brasileiro quer ver no seu Chefe de Estado é principalmente um pai.

Dom Pedro II adaptou-se a essa função paterna muito bem. Era de fato um patriarca, com sua barba que não tardou a se tornar branca. Dona Tereza Cristina tinha todo o ar de uma mãe dos brasileiros: muito bondosa, condescendente, afável; ela era verdadeiramente querida pelo povo brasileiro.

As pessoas notavam esse desacerto entre os dois, e isso a favorecia ainda mais, porque ficavam com pena e gostando dela de modo especial.

Dom Pedro II era liberal com seus inimigos e despótico com seus amigos

Como os monarcas liberais estavam em moda no tempo, Dom Pedro II era liberal e dava à oposição política muita liberdade. Mas não era essa sua política no que diz respeito àqueles que eram os aliados naturais do trono. Com efeito, ele era liberal com os seus inimigos e despótico com os seus amigos.

Cito dois exemplos concretos.

Quando era bem moço, ele fez um giro pela Europa e esteve com o Papa Pio IX, antes de este ser aprisionado no Vaticano pelas tropas de Garibaldi. Tendo sido recebido em audiência pelo Sumo Pontífice, numa visita extraoficial, Dom Pedro II disse:

— Eu, como Chefe do Império católico de maior extensão territorial do mundo, devo aconselhar Vossa Santidade de abrir as portas de Roma e deixar que ela seja anexada. Renuncie a seu poder temporal.

Pio IX respondeu:

— Se quiser, falemos de outra coisa, mas dos assuntos da Igreja quem entende sou eu.

Carneiro & Gaspar (CC3.0)
Imperatriz Teresa Cristina por volta de 1870 Museu Imperial, Petrópolis, Brasil

Mais tarde Dom Pedro II voltou à Itália, desta vez em caráter oficial e já casado com a Imperatriz Tereza Cristina. Os acontecimentos tinham ocorrido e o Piemonte, que era um dos Estados em que se dividia a Itália, conquistara e anexara toda a península italiana para formar um reino só, chamado Reino da Itália, e tinha anexado a este os Estados dos quais o Papa era Rei. De maneira que o Pontífice ficara no Vaticano como prisioneiro.

O Reino das Duas Sicílias também tinha sido anexado e a família da Imperatriz Tereza Cristina precisou fugir da Itália. Sendo, pois, uma viagem oficial, Dona Tereza Cristina teria que tomar contato com a corte do rei usurpador do reino do pai dela, participar de banquetes e bailes na corte com os arruinadores de sua própria família.

Jornais republicanos da Itália tripudiaram sobre a Imperatriz

Aconteceu ainda o pior. Durante a presença de Dom Pedro II na Itália, houve a inauguração da sessão legislativa e abertura dos trabalhos da Câmara e do Senado, depois das férias de fim de ano. Essa era uma cerimônia muito pomposa nas monarquias, e no Reino da Itália fez-se também com solenidade.

O Imperador compareceu a essa abertura e obrigou sua esposa a acompanhá-lo, dando assim um apoio político. A Imperatriz passou o tempo inteiro procurando disfarçar as lágrimas de compaixão e de tristeza que lhe corriam pela face, pensando na situação do pai.

No dia seguinte, os jornais anticlericais e republicanos da Itália, sabendo que a Imperatriz era muito católica e vendo que ela representava uma causa oposta à deles, caíram em cima dela, caçoando por ser manca, filha de um rei destronado, por ter comparecido a essa sessão, não porque soubesse perdoar as ofensas, mas por ter sido obrigada por seu marido. Enfim, tripudiaram sobre ela. Dom Pedro II fingiu que não notou nada.

Esse foi um fato que se comentou no Brasil porque os jornais publicaram, o que aumentava a compaixão das pessoas pela Imperatriz.

Ao partir para o exílio, após a proclamação da República em 1889, a Imperatriz Tereza Cristina foi cercada da compaixão e do respeito geral, tanto mais que se notou como ela ficara profundamente triste com o infortúnio do marido, e o perdoava, participava desse infortúnio inteiramente.

No meu ambiente doméstico ela era, portanto, profundamente venerada. Inclusive, e naturalmente, pela minha mãe. Na minha infância, desde que pude conhecer e compreender fatos desses, fui ambientado para narrações como essa. Não se falava da infidelidade conjugal de Dom Pedro II, que mamãe só veio a saber depois de idosa – antes ela julgava o Imperador um modelo de fidelidade –, mas sim quanto às outras atitudes dele, como por exemplo, sua frieza em relação à Imperatriz.

Um baile na Quinta da Boa Vista

Dona Lucilia me contava este fato ocorrido na visita que o Imperador fez a Pirassununga. Dom Pedro II desceu do trem e se dirigiu à casa do meu avô para receber homenagens. Depois foi a uma fazenda, famosa pelas jabuticabas que produzia, e pôs-se a chupar essas frutas pelas quais ele tinha um entusiasmo único.

Édouard Riou (CC3.0)
Imperatriz Tereza Cristina em 1861

Entretanto, ele tinha deixado a Imperatriz no trem. Como ela possuía certa dificuldade de locomoção, não podia acompanhá-lo e ficara no vagão. Ao notarem que Dona Tereza Cristina não tinha descido, as senhoras perguntaram sobre ela ao Imperador, que respondeu:

— Ah, ela ficou no vagão…

Então algumas senhoras, entre as quais minha avó, foram depressa para fazer sala à Imperatriz. Esta as recebeu com muita bondade, fingindo não ter notado o que havia de desairoso para ela no que se passara.

Minha mãe costumava narrar também outro episódio da Imperatriz, o qual não pertence à História porque só circulava na minha família.

Num baile na Quinta da Boa Vista, um bisavô meu, que era deputado, compareceu e, passando por uma sala, notou a Imperatriz com um número muito reduzido de pessoas em torno de si, enquanto se dançava na outra sala. Meu bisavô aproximou-se dela, beijou-lhe a mão, cumprimentaram-se, e ela o convidou para sentar-se. Começada a conversa, as senhoras que estavam lá dirigiram-se ao salão principal para dançar também, porque já havia uma companhia para a Imperatriz.

Ele disse que a notava tão triste e perguntou-lhe o motivo. Essa é uma típica relação brasileira entre uma imperatriz e um súdito. A Rainha da Inglaterra não faria uma confidência dessa, mas no Brasil essas coisas saem assim…

Dona Tereza Cristina lamentou-se, então, de sua situação, por notar que se estivesse presente no salão de baile impediria o Imperador de dançar, porque ele teria que ficar ao lado dela o tempo inteiro, pois sendo manca ela não conseguia bailar.

Meu bisavô disse à Imperatriz que analisara seu modo de claudicar e tinha a impressão de que havia um meio de ela equilibrar-se e dançar. E acrescentou:

— Se Vossa Majestade quiser, apoie-se em meu braço e vamos tomar a posição de dança para experimentar um pouco.

Ela concordou, ensaiou com ele algumas vezes e viu que dava certo. Então ela lhe disse:

— Que tal se entrarmos no salão dançando os dois?

Entraram, e o fato causou sensação na corte.

Isso se contava na minha família. Não haverá um pouco de exagero, de lenda em tudo isso? Não tenho certeza. Minha mãe narrava o que ela tinha ouvido. Mas meu bisavô morreu, deixando os filhos muito pequenos. Até que ponto isso tinha fontes seguras? Certeza não se tem.

Entretanto, o fato me parece perfeitamente provável e muito gracioso, interessante: a pobre Imperatriz valetudinária, claudicante, ter esse dia de alegria ao entrar dançando na sala, pregando uma surpresa ao Imperador e a toda a corte, e causando sensação nos meios sociais da pequena Rio de outrora.

(Extraído de conferência de 21/12/1985)