Será que ao dirigir-se a Jesus Menino devemos fazê-lo como a uma criança sem discernimento? Ou como a Alguém dotado de extraordinária Sabedoria? Tal Sabedoria existe na alma de uma criança? O que pedir a Ele no dia do Natal? Com profunda piedade unida à doutrina, Dr. Plinio discorrerá sobre estas e outras questões.
Diante da proximidade da festa supremamente significativa do Santo Natal de Nosso Senhor, parece-me que deveríamos nos perguntar: Como devemos nos preparar para o dia de Natal? E, sobretudo, como prepararmo-nos para o momento culminante deste dia, a Santa Missa? E ainda como nos prepararmos para os dois momentos auges dentro dela, a Consagração, e a Comunhão?
Como preparar-se para o Natal
Para esta preparação há uma dificuldade. Creio existir em muitas pessoas a ideia, apresentada pela iconografia comum, de que ao adorar o Menino Jesus, adora-se uma criança com todas as suas características e, portanto, até mesmo com a ininteligência e falta de discernimento próprias a todo recém-nascido. Torna-se assim difícil a adoração de um ente em relação ao qual não se tem nenhuma comunicação de pensamento; e que sendo verdadeiro Deus é também homem, e em sua natureza humana não tem a sabedoria, a inteligência e a penetração de espírito do homem adulto. De tal maneira que a fisionomia humana que nós temos representada diante de nós, não nos convida a uma comunicação de alma como diante de uma pessoa que começa a pensar e a refletir. Por isso, a meditação clássica que se faz diante de um presépio consiste em ver o Menino Jesus tão criança, tão pequeno, tão frágil, e estabelecer o contraste entre a imensidade de Deus e aquela pequena criatura na qual Nosso Senhor Jesus Cristo se encarnou, com a qual Ele assumiu a união hipostática.
Jesus, apesar de menino, possuía toda a inteligência e discernimento
Então se faz geralmente uma meditação a respeito da humildade de Deus, ou do desejo extremo de nos salvar que levou Nosso Senhor a Se reduzir àquela condição de frágil criatura posta numa manjedoura. Esta ordem de ideias é muito boa, ao ponto de ter se tornado comum, talvez demasiado comum. É possível, portanto, que se queira para esse Natal uma ordem de ideias mais perfeita, ao menos ao nosso modo de ver.
Roguemos que Nosso Senhor inicie conosco uma nova era de graças, de misericórdia e de bondade, uma era de paz, na qual, inteiramente reconciliados com Ele, possamos ser os filhos que Ele nos convida a ser.
Deveríamos então nos perguntar se a iconografia católica, que nos apresenta Nosso Senhor Jesus Cristo como uma criança sem discernimento, olhando para as coisas sem ver bem o que é que são, sem entender o que está em torno de si, se essas imagens correspondem a algo de verdadeiro e, portanto, se é verdade que Nosso Senhor Jesus Cristo tinha essa ininteligência própria à primeira infância.
A isso se deve responder o seguinte: Nosso Senhor Jesus Cristo, de algum modo, realmente teve as várias idades pelas quais Ele passou. Portanto, possuiu verdadeira alma infantil, de adolescente, de moço e de homem maduro. Porém, isso não quer dizer que Ele, em sua infância, tivesse a fraqueza e a falta de discernimento próprias a este estado.
Sapientíssimo desde o ventre materno
Ensina a Teologia que desde o momento da Encarnação, ainda mesmo no ventre de Nossa Senhora, Jesus já possuía toda a inteligência e lucidez, sendo, portanto, uma criança sapientíssima, embora a manifestação de sua sabedoria se desse de acordo com o comum de uma criança. Portanto, ainda que inteligentíssimo, Ele era realmente uma criança.
Assim sendo, vê-se que a iconografia católica não erra, porém mostra apenas um aspecto da verdade. Com certeza, para aqueles que tratavam com o Menino Jesus, Ele deveria causar a impressão de uma criança sujeita às condições comuns de criança. Porque o milagre não podia aparecer n’Ele de um modo irrecusável. Mesmo em sua vida pública, Ele praticou numerosos milagres que não possuíam o caráter de evidência; eram milagres mais ou menos como os que se dão em Lourdes; claros o bastante para que uma pessoa de boa-fé possa crer, mas não tão manifestos que excluam a necessidade da Fé. Pois, se o Menino Jesus, posto numa manjedoura, começasse a falar e dissertar, como se fosse um homem dotado de uma sabedoria extraordinária, seria patente tratar-se de um menino inteiramente incomum, e a Fé teria que ceder lugar à certeza. Por isso, Ele possuía as aparências de criança, pois por humildade Ele quis respeitar o tempo necessário e ir gradualmente Se revelando.
Jesus veio ao mundo conhecendo todo o passado, o presente e o futuro
Quando consideramos Nosso Senhor Jesus Cristo Menino, devemos considerar este mistério: Sendo verdadeira criança, parecendo possuir apenas um discernimento pueril, tem em Si toda a sabedoria da qual a natureza humana é capaz. De maneira que aquela Criança na manjedoura tinha incomparavelmente mais inteligência, conhecimento e santidade do que tiveram todos os entes que existiram antes e depois d’Ele sobre a Terra.
Devemos por isso considerar que ali deitado na manjedoura, Nosso Senhor Jesus Cristo via tudo quanto deveria fazer na Terra. Ele conhecia tudo o que em torno d’Ele se passava. Pela vontade d’Ele, todas as coisas eram de forma tal qual Ele queria. Ao contemplar Nossa Senhora, o Menino Jesus sabia ser Ela como era por vontade sua. Enquanto Maria O adorava, Ele percebia claramente que por sua vontade Ela o fazia e correspondia a essa adoração com uma generosidade, uma bondade perfeita, que inundava Nossa Senhora de gáudio.
Por sua vez, olhando para Ele, Nossa Senhora conhecia o grau de discernimento e santidade que havia n’Ele. Travava-se assim um diálogo mudo, mil vezes mais eloquente do que um diálogo falado, diálogo maravilhoso e insondável, no qual a Virgem Mãe se comunicava com seu Filho que revelava a Ela os mistérios de sua sabedoria e santidade, deixando-A arrebatada de enlevo, e fazendo-A crescer cada vez mais em santidade.
No primeiro Natal, Jesus via todos os Natais da História
Talvez o primeiro diálogo de Nosso Senhor com Nossa Senhora tenha consistido em considerar o seguinte: Pela vontade de Jesus, que acabava de nascer, é que estavam naquele lugar pobre. Pela vontade d’Ele os pastores vieram visitá-Lo. Ele sabia, já ao encarnar-se, que deveria morrer na Cruz, e talvez naquele momento tenha oferecido ao Padre Eterno tudo quanto Ele faria nesta Terra, para o cumprimento de sua missão.
É preciso ressaltar que Ele não pensava apenas em sua vida terrena, mas pensava na missão da Igreja por todos os séculos. Ele tinha a intenção de que seu nascimento fosse o primeiro Natal, e conhecia todos os Natais que viriam depois, até o fim do mundo. Sem dúvida, sabia de todas as magníficas festas de Natal nas esplêndidas catedrais da Idade Média; nas belas e nobres festas, em tantas igrejas do Ancien Régime; nas comovedoras e veneráveis igrejas dos séculos passados.
Ele viu também os Natais modernos, carentes de sentido sobrenatural, e celebrados talvez com um estado de espírito oposto ao que se deveria ter. Mas, sem dúvida, viu com imenso agrado os que permaneciam fiéis ao verdadeiro espírito do Natal, mantendo-se verdadeiramente católicos apesar das perseguições, das lutas e das dificuldades.
Quem sabe se o último dia do mundo não será um Natal?
Ele previu os esplêndidos Natais do Reino de Maria, e conheceu também os tristes Natais no tempo em que a humanidade do Reino de Maria começará a decair inexoravelmente, talvez entrando pelo caminho que levará ao fim do mundo. Ele previu até mesmo o último Natal.
Como será este último e grandioso Natal?
Eu o imagino da seguinte maneira: poucos fiéis esparsos pela face da Terra, festejando sozinhos o verdadeiro Natal, talvez sem se conhecerem, e percebendo que nada mais pode durar porque a Igreja Católica está em seus últimos haustos…
Quem sabe se à meia-noite do dia vinte e quatro do último dezembro da História, quando tudo parecer completamente perdido, um raio percorrerá o céu do Oriente ao Ocidente, um terror se apoderará dos povos, os anjos aparecerão, a abóbada celeste se enrolará como um pergaminho, e virá o Filho do Homem, em toda a sua majestade, para julgar vivos e mortos. Talvez enquanto alguns poucos fiéis, ao som do Stille Nacht, comemoram o nascimento de Cristo Nosso Senhor, Ele volta à Terra em meio às glórias do Natal e, de repente, começa a surgir a aurora, os mortos começam a ressuscitar, os justos aclamam Nosso Senhor, Nossa Senhora aparece à frente do cortejo das almas eleitas, e começa o julgamento.
Pedir a graça de permanecer fiel ao verdadeiro espírito de Natal
E, se admitirmos essa hipótese, é conveniente deitarmos o olhar para esses últimos irmãos, vítimas da última perseguição, e procurarmos compreender o sentido profundo do Natal para os que são perseguidos, desde o Natal das catacumbas até o Natal do fim dos tempos.
De tudo isso nos devemos lembrar ao aproximarmo-nos do Santíssimo Sacramento, quando O adorarmos após o milagre da Transubstanciação e quando O recebermos na Santa Comunhão. Então, por meio de Nossa Senhora, Medianeira de todas as graças, roguemos a Nosso Senhor que nos prepare espiritualmente para as provações que podem sobrevir.
No auge do Natal, no momento da Transubstanciação, peçamos a Nossa Senhora que nos torne bem conscientes de que nunca se ouviu dizer que Ela tenha recusado um pedido, e, portanto, naquela hora sacrossanta não recusaria o nosso.
Posto na manjedoura só para mim
Peçamos a Nosso Senhor perdão pelas faltas que tenhamos cometido, e supliquemos-Lhe que Se digne misericordiosamente fechar os olhos para nossos pecados, da mesma forma que nascendo fechou os olhos para as infidelidades do povo eleito e do mundo antigo. Roguemos que Ele assim inicie conosco uma nova era de graças, de misericórdia e de bondade, uma era de paz, na qual, inteiramente reconciliados com Ele, possamos ser os filhos que Ele nos convida a ser. Essas são algumas das orações que podemos oferecer a Ele, unidas a gemidos de arrependimento e manifestações de esperança, confiança e certeza de que, se Ele veio à Terra para salvar os homens, veio para nos salvar a nós; e que se Ele esteve na manjedoura para o bem dos homens, lá esteve para o meu bem.
Ainda que não houvesse senão um homem, e esse fosse eu, Ele teria Se encarnado e seria posto na manjedoura por amor a mim. De maneira que é legitimo imaginar que o Menino Deus lá está por causa de mim. Por isso devemos pedir a Ele que esse ato de amor maravilhoso não seja estéril em nossas almas, e que a bondade d’Ele passe por cima de nossos pecados e arrase os obstáculos edificados por nós, e, finalmente, nos converta fazendo-nos pertencer completamente a Ele. É isso que por meio de Nossa Senhora aconselho pedir na noite de Natal.
Oferecer os pedidos numa bandeja de ouro
Tenhamos em conta que bem junto ao presépio estava Nossa Senhora. Diz o Evangelho que os pastores O encontraram com Maria, indicando que só com Nossa Senhora, e junto a Ela, se encontra Nosso Senhor. Consideremos também que no momento em que veio ao mundo o Salvador, Ela conhecia que tudo quanto Ele deveria sofrer, o faria por nós. Ela pediu a Ele todas as graças necessárias para cada um de nós. E ainda agora no Céu continua a pedi-las.
Unamo-nos a esse pedido. Usando a expressão de São Luís Grignion, coloquemos nosso pedido nas mãos de Nossa Senhora, como um camponês que põe uma fruta comum numa bandeja de ouro, para oferecer ao rei. A salva de ouro são as mãos e o Imaculado Coração de Nossa Senhora. Peçamos que Ela recolha nosso pedido e o apresente a seu Divino Filho.
Com a certeza de sermos bem recebidos e atendidos, pois Nossa Senhora nunca recusa coisa alguma do que lhe peçamos, podemos transpor o Natal.
Oração para o momento da Transubstanciação
No auge do Natal, no momento da Transubstanciação, para mim a oração ideal é a Salve Regina ou o Memorare, pedindo a Nossa Senhora que me torne bem consciente de que nunca se ouviu dizer que Ela tenha recusado um pedido, e, portanto, naquela hora sacrossanta não recusaria o meu. E então peço a graça de ser inteiramente d’Ela. Apesar dos meus defeitos e ingratidões, que Ela tome conta de mim, e me faça inteiramente d’Ela, para eu ser o herói e o santo que Ela quer que eu seja. Esta é, em especial, a oração que nós devemos fazer na noite de Natal.
(Extraído de conferência de 23/12/1971)