Cada homem é responsável por desempenhar algum desígnio especial de Deus; e, por assim dizer, representa uma peça insubstituível no “jogo de xadrez” da Providência.
Respondendo à pergunta de um jovem discípulo, Dr. Plinio, além de analisar o papel dos governantes na formação das nações, analisa a mútua influência dos povos no cumprimento de seus respectivos chamados.
Em geral, quando o povo não merece os dirigentes que tem, Deus por punição lhe dá os governantes que ele merece. Pode acontecer que um rei muito bom governe na indiferença e no ensabugamento1 geral da população. O monarca se sacrifica, ganha batalhas, funda universidades, hospitais, e o povo não se importa.
A santidade não é fator automático de vitória
Não se deve pensar que um rei, sendo santo, quaisquer que sejam as circunstâncias, ele santifica o povo. Nisso existe uma espécie de automatismo que as coisas sobrenaturais não comportam.
Um exemplo característico foi São Luís IX, rei de França.
Ele foi avô de um rei péssimo: Filipe, o Belo. Segundo muitos visos históricos, ele esteve implicado no crime de Guillaume de Plaisance e de Louis Nogaré, os quais, em Agnani, atentaram contra o Papa para obterem do Soberano Pontífice uma capitulação diante do rei da França, Filipe, o Belo. Consta que um deles esbofeteou o Papa, que continuou olhando para o Crucifixo que estava diante de sua mesa; não mudou de posição. É o que ele tinha de fazer.
E o reino de Filipe, o Belo, iniciou o absolutismo na França, com o predomínio dos legistas e tudo o que se lhe seguiu. Quer dizer, uma das causas da Revolução Francesa foi o neto do rei santo!
O caso é mais frisante com São Fernando de Castela, o rei vitorioso contra os mouros. São Fernando de Castela teve um filho, Afonso X, o Sábio, que representou o começo do Humanismo e de toda a penetração pré-renascentista na Espanha. Contaram-me que o santo, antes de morrer, chamou o filho e disse-lhe: “Se você não fizer tudo quanto deve em favor da Igreja, desde já eu o amaldiçoo.”
Quer dizer, não se deve julgar que o santo é uma espécie de coringa, que vence sempre. O Santo dos santos não venceu sempre. Nosso Senhor Jesus Cristo, na sua vida terrena, foi esmagado; depois de ressurrecto, houve a imensa vitória d’Ele.
O mesmo se dá com o Papa. São Gregório VII, para mim talvez o maior dos Papas, obrigou Henrique IV, Imperador do Sacro Império, a ficar durante três dias na neve, sem comer e pedindo perdão, em Canossa. Ao morrer, São Gregório VII disse aquelas palavras famosas: “Dilexi iustitiam, odivi iniquitatem, propterea morior in exilio — Amei a justiça, odiei a iniquidade; por isso morro no exílio.” Quer dizer, não morreu vitorioso!
Portanto, precisamos dizer que a santidade é uma importante condição para a vitória, mas não um fator automático para obtê-la.
Qual é o papel de um rei bom diante de um povo ruim?
Imaginemos que apareça um rei santo para governar um povo ruim.
Se o mau estado do povo provém mais de um antecessor, ou de alguns antecessores do santo, do que propriamente da população, o rei pode navegar num rumo oposto aos de seus antecessores, dar o exemplo de todas as virtudes, trabalhar, lutar, sacrificar-se e até oferecer-se como vítima expiatória, por amor a Nosso Senhor Jesus Cristo, a Nossa Senhora, à Santa Igreja.
A santidade é uma importante condição para a vitória, mas não um fator automático para obtê-la.
Tendo estancado o mal na sua causa, que é o mau exemplo da dinastia real, o monarca santo poderá vencer, porque cessada a causa, cessa o efeito.
O povo estava se deixando arrastar mais ou menos perigosamente pela dinastia, mas não tomava a dianteira do pecado.
Mas se um povo está muito corrupto e arrasta a dinastia para o mal, então é muito mais difícil um rei corrigi-lo. E pode acontecer que ele não seja bem sucedido.
Qual é o papel de um rei nesse caso?
Não vejo outra solução senão esta: o monarca, conhecendo as coisas como são, compenetrar-se de que a Igreja Católica é o fundamento de todo bem que há na Terra. E que, se determinado país não tem como fundamento o bem que se irradia da Igreja Católica, esse país está liquidado. Perdeu a Fé, perdeu tudo. Isso poderá levar tempo e, quanto mais ele ficar grande, ou poderoso, ou rico, tanto mais ele se torna pecador. E quanto mais se tornar pecador, mais aceleradamente caminha para a ruína.
Um povo influencia outros…
Suponhamos um povo não muito rico, nem poderoso militarmente, mas que se torne ilustre pela cultura, pela civilização. Para ele se voltam as atenções do mundo inteiro. Porque ficou ilustre, ele tem a possibilidade de levar muitos outros povos para o Céu ou para o inferno. Se ele se tornar ruim, levará outras nações para o mal. E, ao decair, Deus vai lhe pedir contas de todo mal que fez nos países que ele influenciou. É uma coisa tremenda!
A mesma coisa se dá com um povo guerreiro. O poder militar, queiram ou não queiram, confere um prestígio extraordinário, quando se trata de exércitos que precisam enfrentar a guerra de fato, e em cujas fileiras há habitualmente combatentes que derramam sangue — a mancha de sangue impressiona mais os homens do que qualquer dourado ou azul de uma condecoração. É inteiramente natural! Então, um exército, no qual muitos soldados morreram cantando enquanto escalavam uma posição, é uma coisa extraordinária!
Por causa disso, os povos que vencem uma guerra, em geral irradiam a sua cultura, sua civilização e sua mentalidade numa área de povos muito grande. Resultado evidente: se esse povo anda nas vias do bem, presta a Deus serviços enormes; mas se caminha nas trilhas do mal, perde outros povos.
Então, o povo quanto mais cresce, se anda nas vias do pecado, mais ele precipita a sua ruína. Portanto, se um bom rei vê que o seu povo está vivendo no pecado e decaindo, ele pode dizer: “Meu povo está se perdendo! Eu amo esse povo não só, nem principalmente, por ser meu, mas porque ele é de Deus. Aliás, eu mesmo, o que sou? Apenas uma propriedade de Deus. Mas esse povo está se afastando d’Ele, e isso eu não posso tolerar.”
Ora, um povo que tenha um bom rei e não corresponda, é punido por Deus! Porque os povos são punidos neste mundo, pelos pecados que cometeram; os homens podem ser punidos no outro. Os países morrem nesta Terra, e diz Santo Agostinho que são punidos neste mundo pelos seus crimes.
(Extraído de conferência de 17/2/1989)
1) Metáfora empregada por Dr. Plinio para exprimir o estado de espírito de quem, tendo aderido com certo ardor a um ideal, deixa-se depois arrastar pelo desânimo, a languidez e a inação. Esse perdeu o fervor com que realizava as boas obras e o entusiasmo que tinha em cumprir a vocação, assim como a espiga de milho que perde seus grãos e se transforma em sabugo.