sábado, septiembre 21, 2024

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IV – Perseguição a uma vocação, holocausto em prol da Igreja

Ao considerar o histórico de meu livro Em Defesa da Ação Católica, pudemos constatar a confirmação de um princípio geral: nas lutas da Revolução com a Contra-Revolução, a vitória da primeira não é alcançada graças à sua força, mas devido à fraqueza dos contrarrevolucionários.

Descontentamento dos medíocres…

De fato, a Revolução, de si, não conseguiria nada se não fosse o processo de deterioração e moleza entre os bons. A grande batalha capital, da qual depende o entrechoque entre o bem e o mal, está entre os moles e os que procuram ser verdadeiramente bons. Se estes forem autênticos contrarrevolucionários, o mal é empurrado com os pés.

Encontramos uma confirmação dessa verdade no Evangelho, quando Nosso Senhor Jesus Cristo diz: “Vós sois o sal da terra. Ora, se o sal perde seu sabor, com que se salgará? Não servirá para mais nada, senão para ser jogado fora e pisado pelos homens” (Mt 5, 13). É propriamente o bom que perdeu o verdadeiro fogo do amor, a força de praticar o bem, o élan e a capacidade de batalhar.

Numa atmosfera religiosa verdadeiramente em ascensão e progresso, na qual os bons estivessem tendendo a melhorar, elevando os medíocres e, por assim dizer, impondo-lhes uma tensão rumo à perfeição, o Em Defesa da Ação Católica seria examinado pelas autoridades eclesiásticas para se verificar a autenticidade da denúncia e a ortodoxia da doutrina ali expostas. Comprovadas estas, o resultado normal seria aplaudir e apoiar quem de tal maneira desmascarou o adversário.

Contudo, como seria de prever, a obra provocou imenso descontentamento naqueles cujas temerárias doutrinas refutou, mas, à “explosão” do livro, seguiu-se uma série de detonações que fez de nós, membros do Legionário, elementos completamente isolados.

Na missiva, uma censura

Recebi cartas de pessoas em desacordo, como também de gente que se esquivava, sem coragem de manifestar apoio.

Certo dia, estacionou um lindo automóvel em frente da minha casa e desceu um homem que me entregou um envelope da parte do Arcebispo. D. José mandara o chofer dele levar-me uma carta agradecendo o envio de um exemplar do livro Em Defe sa da Ação Católica. A missiva era polida, cortês e, sem se pronunciar sobre o mérito do livro, constituía de modo velado uma lamentação e uma censura. A certa altura, dizia:

Instituto Moreira Salles
Discurso de Alceu Amoroso Lima (Tristão de Ataíde) no encerramento da Festa de Pentecostes, em 1935

“Queira Deus que no rebanho a mim confiado nunca haja discórdia entre os católicos. E que os não católicos da diocese, olhando para os católicos, possam afirmar o que os romanos diziam admirados dos primitivos cristãos: ‘Como eles se amam!’ Assim também, Dr. Plinio, desejo que sejam as relações entre os meus fiéis na Arquidiocese.”

ACMSP (AF-01-01-14)
Dr. Plinio durante o Congresso Eucarístico Diocesano em Taubaté, em maio de 1942

Ora, se o livro abria uma luta e ele queria a concórdia, era uma censura. E se fizermos uma análise mais rigorosa veremos tratar-se, mais do que de uma censura, de uma contestação. Porque, se ele desejava essa concórdia, ou era por não querer que os errados fossem incomodados ou por negar que estivessem errados. Logo, o livro era uma acusação no ar contra gente que não merecia. Então, a carta deixava de conter apenas recomendações de harmonia para ser algo que me expunha à vindita dos outros. Portanto, uma declaração de guerra.

Um céu outrora azul, agora cheio de veneno

Recebi também uma carta do Tristão de Ataíde1 na qual ele dizia:

“Seu livro, escrito com a autoridade do seu nome, da sua cultura, da sua inteligência e do seu cargo, vem arrancar a casca de ferimentos porventura já cicatrizados. […] Julgo o seu livro inoportuno e contraproducente. […] Creio que não compete a você, um leigo como nós, fazer-nos acusações implícitas de heresia. […] Seu livro, portanto, longe de ser para mim uma ‘defesa’ da Ação Católica é o mais terrível ataque que poderia sofrer, vindo de quem vem. Lamento por isso profundamente que você o tenha publicado.”

Nunca mais nos correspondemos, não tivemos mais nada em comum.

Começou o ataque de toda essa gente contra mim, contra a minha vocação e contra aquilo que eu devia realizar. Se eles tivessem birra de mim porque eu tinha um nariz comprido ou curto, não me incomodava. Mas a perseguição se deu pelas doutrinas e pelas esperanças que eu sustentava. Esse era o lado terrível do fato. Aquele céu azul havia representado a ilusão de uma ordem sacral, séria, direita, conhecida por mim ao entrar no Movimento Católico. Todavia, mais tarde, se havia transforma do num céu cheio de veneno, do qual choviam morte e doenças sobre mim, sozinho dentro daquele drama.

Denúncia caluniosa diante de membros eclesiásticos

Quando escrevi o Em Defesa da Ação Católica, ignorava que D. Cabral2, então Arcebispo de Belo Horizonte, tinha preparado uma Pastoral sustentando teses opostas às do meu livro. Ambos foram publicados mais ou menos ao mesmo tempo.

Houve pior. Pouco depois se realizava uma semana de estudos da Ação Católica para o clero regular e secular de São Paulo, no armazém térreo do prédio contíguo à igreja da Ordem Terceira de São Francisco, sob a presidência do Arcebispo D. José Gaspar e com a presença dos vigários gerais, todo o clero paulista e muitos padres de fora da arquidiocese. Quando se realizou essa semana, o livro e a Pastoral já estavam repercutindo intensamente e a polêmica era virtual devido à efervescência causada pelos dois documentos.

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D. Antônio dos Santos Cabral e sua carta pastoral sobre a Ação Católica

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Na véspera da primeira sessão tinha sido distribuída anonimamente a Pastoral de D. Cabral. Quando os padres entraram na sala, encontraram-na sobre as respectivas cadeiras.

Qual não foi a nossa surpresa quando, no segundo dia da semana de estudos, D. Teodoro Kok se levantou e fez um discurso denunciando-nos a todo o clero reunido, como conspiradores contra D. José Gaspar. Acusava-nos de atribuir erros a este Arcebispo e de julgar tudo por nossos próprios conceitos, o que correspondia a uma falta de humildade, com a agravante de sermos membros da Junta Arquidiocesana da Ação Católica, portanto, pessoas de confiança de D. José.

Dizia D. Teodoro:

“Eu tenho uma acusação a fazer. Viajei com Dr. Plinio de São Paulo a Campinas e, durante a viagem, ele me disse haver bispos que defendem doutrinas erradas em matéria de Ação Católica. Eu nem vou mencionar os nomes dos bispos indicados por ele, porque neste ambiente causaria um verdadeiro horror. Mas venho fazer aqui um protesto contra a insolência desses elementos do Legionário que se atrevem a afirmar que um bispo católico possa cair em erro em matéria de doutrina.”

Com efeito, convidado pelos Salesianos a fazer uma conferência em Campinas, levei D. Teodoro comigo. Na viagem de ida quis esclarecê-lo sobre a situação da Ação Católica. Com jeito, baseado na amizade que ele continuava a me demonstrar e no fato de ele mesmo ter me contado vários abusos litúrgicos observados no Colégio Santo Anselmo de Roma, de onde ele vinha após ter terminado os estudos, transmiti-lhe várias de minhas impressões e alguns fatos relativos ao andamento do liturgicismo aqui, inclusive envolvendo D. José Gaspar.

Na manhã seguinte, antes de fazer a conferência, encontrei-o e lhe perguntei maquinalmente como tinha passado. Ele disse: “Eu não pude dormir depois do que você me contou, pois fiquei tão impressionado com a situação que custei a conciliar o sono. Então, haverá um bispo nos dias de hoje capaz de ter uma doutrina oposta à do Papa? Isso me deixa arrasado, não posso compreender!” Dizia isso não como quem me objetava, mas como quem deplorava a situação.

Na volta, conversamos um pouco sobre o tema e depois tratamos de outros assuntos.

Mais tarde, os fatos comprovaram que D. José sabia, de antemão, que esse golpe seria dado e presidia a sessão assistindo à explosão combinada com ele. À sua direita encontrava-se Mons. Mayer, como vítima, porque evidentemente falar contra nós era falar contra ele. Terminado o discurso de D. Teodo ro, estabeleceu-se um silêncio na sala. Então Mons. Mayer levantou-se, pediu a palavra e disse:

ElijahOwens(CC3.0)
D. Teodoro Kok, OSB. Ao lado, interior do Colégio Santo Anselmo de Roma

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“Nós temos que salvar os princípios. D. Teodoro afirmou que um bispo nunca pode cair num erro de doutrina. Ora, esta sala está cheia de gente que estudou Teologia e todos sabemos que um bispo pode incorrer em erros doutrinários. Não podemos aceitar a doutrina da infalibilidade dos bispos.”

D. José encerrou a sessão com palavras muito anódinas a respeito da concórdia.

Do candelabro para debaixo do alqueire

Mas o incidente produziu um efeito profundo. Comecei a notar como vários clérigos mudavam, desde esse dia, a sua atitude a meu respeito. Eu estava convidado a discursar em Campinas, mas recebi uma carta do bispo daquela cidade comunicando-me que estava adiado sine die3 o meu discurso. Praticamente em todo o meio eclesiástico de São Paulo, se minha cotação antes daquela reunião era oitenta, desceu a oito ou talvez menos. Foi uma queda vertiginosa.

O escândalo produzido por D. Teodoro contra mim repercutiu desfavoravelmente também entre os jesuítas que, em massa, afastaram-se de mim, continuando comigo apenas o Pe. Riou, Pe. Dainese, Pe. Mariaux e alguns outros, como o Pe. Arlindo Vieira e o Pe. Achótegui4.

O Pe. Louis Riou, Provincial da Companhia de Jesus no Brasil, era um francês magro, com o nariz pontudo, tez clara, como em geral os europeus, homem já por volta de uns 70 anos de idade, com o princípio de autoridade muito vincado, muito franco, que acompanhava a nossa luta e nos apoiava abertamente.

Certa ocasião ele me contou que começou uma onda de difamação contra o meu livro entre os jesuítas. Ele os reuniu para dizer o seguinte: “Os senhores não têm o direito de falar contra Dr. Plinio e seu livro. Essa obra é tão favorável e tão do interesse da Igreja, que nós jesuítas, que existimos para defesa da Igreja, deveríamos beijar, não as mãos, mas os pés de Dr. Plinio.”

Apesar de tudo, delinearam-se também entre muitos padres atitudes e opiniões a meu favor. Vários no clero de São Paulo estavam do nosso lado, embora houvesse muito oportunismo. Porém, nossa condição se tornou péssima e, a partir desse momento, houve uma alteração na conjuntura de nosso grupo: antigamente ele estava no candelabro, ficou posto sob um alqueire; entramos em um período que se poderia chamar de clandestinidade, porque passamos da situação para a oposição, uma circunstância muito cruel.

Traição e rompimento de um amigo

Atitude semelhante à de D. Teodoro tomou um amigo que eu tive, com quem comecei a me relacionar por volta de 1936. Era um rapaz educado, amável, cuja mãe pertencia a uma família outrora muito conhecida de minha mãe. Chamava-se José Pedro Galvão de Sousa5.

Uma vez levei-o para jantar em casa e mamãe tratou-o muito bem. Quando foi embora, ela me disse: “Esse seu amigo tem boa educação, mas você preste atenção, porque ele tem um jeito de segurar o garfo na hora de comer, que é de uma mesquinharia de espírito única! Um belo dia ele te prepara alguma.”

Dona Lucilia possuía uma penetração psicológica pouco comum. Apesar de ter um olhar benévolo, ela examinava muito as pessoas. Mais de uma vez ela chamou-me a atenção, sobretudo quando era moço e pouco experiente, para este, aquele, aquele outro. Ela sabia ver as ligações entre defeitos físicos e defeitos morais de um modo pitoresco. Fazia correlações muito perspicazes que ela só comentava comigo, com meu pai ou com minha irmã. Porque a intenção não era de falar mal das pessoas, mas apenas prevenir a quem ela devia proteger contra quem lhes poderia fazer mal. E dava as razões.

É o feeling, a percepção, o seletivo da alma inocente que em tudo vê a retidão e o acerto das coisas, como também o que têm de errado. De tal maneira esse seletivo na alma inocente é sensível, que percebe o incrível, o inaudito.

Realmente, cerca de oito anos depois, o José Pedro me fez uma traição indecente. Escreveu a D. José Gaspar um relatório, sem nós sabermos, falando muito mal de nós. Dizia que nas reuniões conosco via não ser de nenhum peso a opinião de D. José. Eu soube depois que ele fazia relatórios ao Arcebispo, pelas nossas costas, contando o que ouvia de nós. Vemos, por esses fatos, como mamãe era perspicaz.

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José Pedro Galvão de Sousa com D. José Gaspar. À direita, Judas trama a morte de Nosso Senhor – Cappella degli Scrovegni, Pádua

Gabriel K.

D. José chamou Mons. Mayer, mostrou-lhe o relatório e exigiu uma explicação sobre o fato. Mons. Mayer leu e disse: “D. José, aqui tem uma mentira: esta afirmação de que o Legionário não fez nenhum comentário sobre a Pastoral coletiva do Episcopado paulista. Por isso, este relatório não merece consideração.” Pôs o relatório sobre a mesa e D. José não fez mais nada.

Um arcebispo enérgico diria: “Mas, por favor, o senhor está mudando de assunto. Tem essas outras afirmações.” Por que D. José não disse? Porque, de um lado, ele não era amigo dos processos enérgicos, pois senão ele perderia a consideração de santo no ambiente brasileiro e paulista. Mas, de outro lado, Mons. Mayer estava sustentado como Vigário Geral pelo Núncio. Como demiti-lo sem pedir licença ao Núncio? E se o Núncio não desse licença, no que ficava? Assim, com o respaldo do Núncio, bastou Mons. Mayer dar uma meia razão, encerrou o caso e o Arcebispo não podia fazer nada.

Não muito tempo depois, o José Pedro distanciou-se do Legionário e rompeu irremediavelmente comigo.

Drásticas medidas ameaçam a estabilidade financeira

O tempo do nosso mandato como diretores de Junta Arquidiocesana da Ação Católica estava terminando.

Estávamos fazendo nosso retiro anual em uma fazenda dos padres jesuítas, em Itaici, quando recebi um telefonema de Mons. Mayer avisando-me de que D. José lhe enviara uma carta dizendo que, quando nosso mandato terminasse, ele queria que saíssemos da direção da Ação Católica, mas dava a Mons. Mayer a liberdade de escolher outros para ocupar o lugar.

Ora, Mons. Mayer não tinha quem escolher; ou trabalhava conosco ou não tinha com quem trabalhar. Portanto, era um primeiro passo para fazer Mons. Mayer sair da Ação Católica também. Era a degolação. A imolação fora feita.

Duas circunstâncias de caráter pessoal mostram o pungente de nossa situação.

Eu era advogado da Cúria e D. José mandou um recado, através de um monsenhor, que dizia: “O Sr. Arcebispo manda avisar ao Dr. Plinio que ele vai ser advogado da Cúria apenas até o fim do mês. Terminado este prazo, tiram-lhe o serviço e ele perde os ordenados.”

Além disso, estávamos em ditadura e, inexplicavelmente, saiu um decreto do Governo fechando o Colégio Universitário, determinando sua dissolução e que seus professores poderiam ser aproveitados no ensino secundário. Era uma capitis diminutio pavorosa. Se não quisessem aceitar, seriam aposentados com vencimentos proporcionais.

Ora, eu era professor novo, com apenas dez anos de serviço. Mandaram-me para um colégio secundário que funcionava nos fundos de um grupo escolar. Assim, com essas duas medidas eu ficava praticamente na miséria.

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Dr. Plinio com membros do Legionário, por ocasião de um retiro na fazenda dos jesuítas em Itaici, em meados da década de 1940

Eu tinha ainda alguns dias para sobreviver. Não contei nada aos meus pais, mas, sobretudo, rachava-me a alma olhar mamãe tão tranquila, sem imaginar nada disso. Dali a vinte dias era a miséria. Eu teria que fechar a casa, deixar meus pais num asilo e ir morar numa pensão.

Ninguém desceu à liça comigo em defesa da Santa Igreja…

Enquanto isso, sorrateiramente difundia-se uma tremenda difamação contra mim em toda a Arquidiocese de São Paulo e em todo o Brasil. Ninguém mais me convidava para nada, fui completamente posto à margem, como um exilado e um réprobo.

Todos aqueles que me viam perseguido e que conheciam o problema – alguns até me escreveram cartas sobre isso – tinham a mesma obrigação que eu de descer para a liça. Antes de tudo, dever para com a Igreja, mas também para comigo, pois não se tem o direito de ver um justo perseguido sem voar em defesa dele.

Se um de nós vai passando pela rua e presencia um transeunte sendo assaltado por um ladrão, temos obrigação de prestar-lhe socorro. Ora, um homem que sai na luta pela Igreja é agredido por pessoas que estão lutando contra a Igreja, ou nós o ajudamos ou pecamos contra ele. Isto está nos tratados de Moral, mas também no senso moral de qualquer um. Antes de ter lido isso em letras de forma, basta possuir um pouco de caráter que o impulso é o de defender quem está sendo perseguido injustamente.

Andando pelo centro da cidade, encontrava com este ou aquele católico que se aproximava de mim, me abraçava e dizia no ouvido: “Muito bem, continue!” Eu tinha vontade de replicar: “Você tem a coragem de me dizer isto, em vez de me apoiar declarando: ‘Muito bem, eu vou lutar ao seu lado!’? Não tem propósito!” Que enorme vazio por debaixo dessas aparências de bondade! É só vazio? É indiferença? O que mais será?

Eu pensava: “Como é terrível a situação em que se encontra a Santa Igreja de Deus! Eu vejo muito bem que os que estão começando a espalhar a má semente são um punhadinho de gente. Bastaria uma providência, uma ordem verbal de quem está com o poder na mão para fazer cessar tudo. Se esse não quer fazer cessar, bastaria cinco, oito ou dez dos outros falando com esse, que o intimidariam e fariam cessar.”

Mas o medo se propagava em sistema ondulatório e ia tomando cada vez mais o seguinte aspecto: todos tinham medo de todo mundo, ninguém tinha medo de mim. Por quê? Porque eu era o isolado, contra o qual vai o desprezo, o ódio, a rejeição, a pedrada!

Como isso me foi esclarecedor e me fez compreender o vazio no qual estava a Igreja pela ausência de prin cípios e de convicções da verdade absoluta em tantos membros de sua hierarquia! Tudo se arranjava e se compunha, e assim se resolvia… acabou-se.

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Dr. Plinio em janeiro de 1942. À esquerda, Capela da Faculdade Sedes Sapientiæ

Arquivo Revista

“Plinio, anima-te! Nossa Senhora te ajudará!”

Nesse ínterim, eu ainda lecionava História Medieval, Moderna e Contemporânea em uma das faculdades da Universidade Católica de São Paulo, Faculdade Sedes Sapientiæ, onde havia uma bonita capela com o Santíssimo Sacramento.

Quando eu terminava as aulas, entrava na capela, rezava algumas orações e saía. Coisa comum, muito simples da vida espiritual, mas eu a fazia regularmente. Ainda não havia comunhão vespertina naquele tempo. Eu comungava de manhã e, à tarde, quando ia a essa faculdade, visitava o Santíssimo Sacramento e a imagem de Nossa Senhora do Sagrado Coração que ali se encontrava.

Lembro-me de que em uma dessas tardes eu estava rezando na capela da Sedes Sapientiæ depois das aulas, num momento de muita aflição em face do panorama descrito anteriormente dentro do qual nosso apostolado parecia perdido. Via-me em um apuro medonho, uma provação atroz! Rezei como de costume, mas com uma aridez completa, como se eu me dirigisse a um pedaço de pau ou de pedra. Pensei: “As portas do Céu estão fechadas para mim… está acabado.” Levantei-me, fiz uma genuflexão diante do Santíssimo e saí.

Havia nessa capela, de um lado e de outro, uma galeria de vitrais reproduzindo cenas da vida de Nosso Senhor Jesus Cristo. Meu olhar caiu maquinalmente sobre dois que representavam a Ressurreição, sob os quais liam-se as seguintes citações da Sagrada Escritura: “Nam et si ambulavero in valle umbræ mortis, non timebo mala” – Ainda que eu caminhe nas sombras da morte, não temerei os males (Sl 22, 4) e “In lumine tuo videbimus lumen” – Na tua luz nós veremos a luz (Sl 35, 10).

Entendi ser algo para me tirar dessas apreensões. Veio-me uma alegria à alma, uma satisfação! E pensei: “Mas onde é que estou com a cabeça? Eu não confio em Deus? Eu não confio em Nossa Senhora? Na misericórdia d’Eles? É preciso mais confiança! Plinio, anima-te! Nossa Senhora te ajudará! Para frente no meio da provação! Nossa Senhora te auxiliará!” Era uma palavra de esperança: “Ainda que eu caminhe nas sombras da morte, não temerei os males, porque minha confiança me fará vencer, pela misericórdia de Nossa Senhora.” Não que eu mereça. Se tivesse que merecer, eu desanimava. Mas, porque Ela é boa, porque Ela é minha Mãe, Mãe de Misericórdia. E disse a Ela: “Minha Mãe, ainda que eu ande nas sombras da morte, não temerei os males, porque Vós me ajudareis. Ó Coração de Maria, na vossa luz, na luz de vosso olhar, eu verei a luz!” Que luz? Lumen Christi, a luz de Nosso Senhor Jesus Cristo. As contrariedades virão, o belo do nosso caminho é que tem dificuldades.

Realmente alguns dias depois a provação tinha cessado.

Morte de D. José Gaspar

Eu estava lecionando nos fundos de um grupo escolar, quando vieram me avisar que o redator-chefe do Legionário, Dr. Lessa6, queria falar comigo com toda urgência. Fui ao te lefone. Ele era um homem lacônico e, com uma voz cava, disse-me: “Plinio, está correndo a notícia de que o avião que levava D. José Gaspar ao Rio de Janeiro caiu e ele morreu, como também o secretário dele, Pe. Nelson, o Reitor do Seminário, Mons. Alberto Pequeno e o Cásper Líbero, que viajavam com ele.”

ACMSP (PF-03-01-20)
Funeral de D. José Gaspar

Eu disse que deveria ser boato e voltei para continuar a aula. Mas aquela impressão começou a se tornar tão clamorosa ao meu espírito que interrompi a exposição, tomei um automóvel e me dirigi à agência da VASP7. De longe, vi uma aglomeração diante da vitrine. Cheguei lá e encontrei um aviso da Companhia: “Temos o pesar em informar que faleceram D. José Gaspar e o Sr. Cásper Líbero…”

Parei um minutinho, olhei e mandei o automóvel tocar para o escritório onde – vez única em minha vida – precisei tomar um calmante: água de melissa. Deitei-me no sofá do escritório, tal era a impressão que os fatos estavam causando sobre mim!

Lembrei-me de uma cena com o Arcebispo, que havia presenciado algum tempo antes. Encontrávamo-nos em uma solenidade na Cúria de São Paulo e ia haver uma reunião. D. José Gaspar estava diante de mim conversando e me disse, de repente, o seguinte: “É, Dr. Plinio, no pouco tempo que me resta viver…” Nesse momento nossos olhares se cruzaram e eu vi que ele tinha um pressentimento de que morreria prematuramente.

Eu soube depois que D. José tinha ido ao Rio para nos denegrir junto ao Núncio Apostólico, levando documentos contra nós. De fato, ele estava empenhado numa campanha tão formidável contra nós que empreendera uma visita aos bispos da província eclesiástica de São Paulo para nos difamar e recomendar que não nos convidassem para nada, e nos mantivessem no ostracismo mais completo.

Tendo falecido D. José Gaspar, diminuíram as oposições que se faziam a mim. O pior da crise havia passado, porque quem ficava substituindo a ele na Cúria, Mons. Consentino, era muito meu amigo e nem se falou na minha demissão. Naturalmente a situação se descongestionou algum tanto. Mas, de fato, entramos num regime de sede vacante, com uma situação desfavorável a nós.

Esfriamento do Núncio Apostólico

Quando o Núncio Apostólico veio a São Paulo para os funerais de D. José, notei nele uma mudança. Fui visitá-lo no Mosteiro de São Bento, onde ele estava hospedado. Ele me recebeu amavelmente e me disse que, como embaixador do Santo Padre, não podia aprovar que eu tivesse ideias tão desfavoráveis a respeito de um Arcebispo. Ademais, tinha constado a ele que eu falara mal de D. José, e queria saber se eu poderia provar minhas afirmações. Respondi: “Sr. Núncio, o que eu disse a respeito de D. José é o que V. Exa. já sabe, porque eu lhe encaminhei por meio de relatórios em tais datas. Não fui dizer a qualquer um. Comentei com um padre amigo meu, D. Teodoro Kok, mas ele teve a indiscrição de revelar o que eu lhe contei. A realidade, portanto, é muito diferente.”

Despedimo-nos em boas relações, mas a atitude dele já não era a de antes.

1) Alceu Amoroso Lima (*1893 - †1983).

2) Dom Antônio dos Santos Cabral (*1884 – †1967), natural de Sergipe. Em 1922 foi nomeado bispo de Belo Horizonte, Minas Gerais.

3) Do latim: sem data, indefinidamente.

4) Pe. José Achótegui, SJ (*1895 - †1967), natural da Espanha.

5) (*1912 – †1992).

6) José Neyde César Lessa.

7) Viação Aérea São Paulo. Antiga companhia aérea comercial brasileira.

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