sábado, septiembre 21, 2024

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Arte: belo caminho que conduz as almas a Deus

Analisando as diversas construções do passado, Dr. Plinio se maravilhava por encontrar nelas, quase como fator comum de sua arquitetura, a beleza aliada à funcionalidade, a arte permeada de bom senso que permite às almas ocuparem-se dos assuntos do Céu.

Samuel Holanda

A Idade Média foi uma época em que, sob a inspiração da Igreja, a plena funcionalidade e a plena formosura estiveram absolutamente unidas. Esta não é uma afirmação minha, de um contrarrevolucionário, mas está em todos os livros de arquitetura que se ocupam da arte gótica medieval, a qual foi funcional em todos os seus detalhes.

O funcional somado ao pensamento

Analisemos como eram os pórticos das catedrais, a de Amiens, por exemplo. Ao centro daquela magnífica porta há uma coluna de caráter funcional por ser indispensável à sustentação do pórtico e do edifício; entretanto, foi transformada em objeto de arte, impedindo que se veja, em um primeiro olhar, o fundo da catedral e, assim, proporcionando uma bela surpresa para quem entra.

No meio da coluna, está a imagem de Nosso Senhor Jesus Cristo como era representado nas entradas das catedrais, para indicar ser Ele o divisor do destino humano: dos que vão para a salvação e daqueles que vão para a perdição. Ele é a pedra de escândalo, como disse o Profeta Simeão, posto como sinal de contradição (Cf. Lc 2, 34). É o papel histórico de Cristo representado, é a funcionalidade somada ao pensamento e à arte delicada.

Catedral de Reims, harmoniosa aliança entre bom gosto e funcionalidade

Consideremos a frente da Catedral de Reims. Como é magnífica! Tem tanta arquitetura, tanta arte que não ouso sequer descrevê-la.

Qual é, por exemplo, a razão de pórticos tão profundos? Era para que pobres e mendigos, que em ocasiões de tempestade não tinham para onde acorrer, pudessem proteger-se sob os umbrais maternos da igreja, sobretudo em épocas nas quais as casas de comércio eram menores. Quanta arte para esta concepção funcional!

As torres são símbolo da grandeza e da eternidade de Deus, da grandeza e da perenidade da Santa Igreja Católica. No entanto, são altas e grandiosas por uma necessidade: nelas estão os sinos para serem ouvidos por toda a cidade e em suas redondezas.

Gabriel K.

A catedral não pode permanecer na escuridão. Então construíram uma rosácea magnífica. Tudo isso é funcional, mas carregado de sentido harmônico; é uma maravilha de arte.

Os vitrais difundem uma meia luz pelo ambiente interno da catedral e são a faustosa Bíblia dos pobres, colunas que guiam ao Céu; por eles a luz entra harmonicamente, não em grande quantidade, apenas o necessário, porque o recolhimento pede a meia-luz.

Assim, as dimensões dos vitrais são proporcionadas ao grau de luz que se quer ter dentro da catedral. Que linda luz, equilibrada e harmônica!

As cores magníficas, que fazem dos vitrais verdadeiras joias, foram estudadas para quê? Primeiro porque a igreja é um edifício sagrado e, enquanto tal, precisa conter lições de História Sagrada e Religião. Então, as cores são o resultado das mil figuras representadas, as quais explicam pontos da Doutrina Católica e da História da Igreja. Diz-se que os vitrais eram a Bíblia dos analfabetos.

Flávio Lourenço

Alguém poderia criticar: “Então havia analfabetos na Idade Média…!” Eu digo: “Sim, mas que Bíblias para eles! Que maneira de aprender a ler! Que contradição com os pequenos manuais de aprendizagem das escolas modernas… Que fausto!”

Com que arte estão figurados os personagens da História, da Cristandade, reis e profetas do Antigo Testamento! Os vitrais têm a função de proteger contra o vento, a chuva, a neve, de tamizar a luz, ensinar as almas e encantá-las. Constituem a aliança do melhor gosto com a mais estrita funcionalidade.

A catedral era o palácio dos pobres. Suntuosa, o último deles podia entrar ali e sentir-se em casa como um rei, um potentado, como um homem muito rico. Eram tesouros de arte postos à disposição do povo de Deus.

Flávio Aliança

O edifício tinha necessidade de muitas colunas, pelo sistema de construção do tempo, pela maneira de encarar o funcional. Ora, como elas são leves, delicadas, artísticas em comparação com as imensas colunas modernas, as quais parecem elaboradas no momento de um crime, para se ter embaixo um homem esmagado; dão-nos, por vezes, a impressão de guiar ao Inferno. As colunas medievais não esmagam, elevam! O espírito sobe ao longo delas, elas conduzem ao Céu. Funcionalidade e arte.

Catedral de Orvieto, sinfonia de cores

O que a magnífica Catedral de Orvieto, na Itália, tem de original é sua parte externa, onde não há principalmente esculturas, mas pinturas, e que pinturas! Para resistir à chuva, há mosaicos esplêndidos, formosíssimos, os quais fazem da catedral uma sinfonia de cores.

Elliott Brown (CC3.0)
Pátio interno do Hôtel-Dieu

Flávio Lourenço
Castelo de La Rochepot

É uma instrução para as pessoas que passam, inclusive pelo lado de fora! Os mosaicos protegem muito bem o edifício contra as intempéries, são muito duradouros e estão conservados com perfeição.

Qual é a razão dessa decoração? Aqui chegamos à grande conclusão: a arte é necessária para o equilíbrio da alma humana e para se chegar a Deus. A arte é absolutamente funcional enquanto manifestação de beleza.

Poesia funcional de torres e pontes fortificadas

A Torre de Belém, em Portugal, é tão formosa que se diria concebida por um artista extravagante num lugar poético. Trata-se de uma fortificação estritamente útil situada no Rio Tejo, indispensável para ver o inimigo aproximar-se. As guaritas eram necessárias para abrigar os soldados, e as ameias imprescindíveis para defendê-los. Tudo calculado para uma fortificação marítima.

Há também outro significado: quando as esquadras portuguesas partiam, seja para descobrir o Brasil, para dobrar o Cabo da Boa Esperança, seja para ir às Índias, para levar São Francisco Xavier, a população, e inclusive os reis, iam se despedir deles. As autoridades ficavam no terraço junto ao rei com sua corte, as bandeiras e os estandartes de Portugal flutuavam ao vento; havia um grande adeus e uma grande despedida. Eram os que iam para a aventura, para o apostolado, para a grandeza da Cristandade e da nação portuguesa.

Mais uma vez vemos a utilidade unida à funcionalidade. É como também certas pontes fortificadas. Comparem-nas a estes “tabuleiros” modernos… são simplesmente blocos postos sobre um abismo, por uma técnica terrificante, e sobre a qual passam os automóveis.

Pymouss (CC3.0)

Alguém dirá: “Mas, por que ornar uma ponte com torres? São muito formosas, se refletem na água de um modo agradável, mas que utilidade têm?” Tem o seguinte: cada torre posta na ponte era uma fortificação. E se o inimigo penetrava por uma parte, teria que ter três batalhas antes de entrar na cidade. É a arte, o bom gosto, a utilidade.

Arte e bom senso em harmonia

O Castelo de La Rochepot tem algo de muito formoso: o lindo colorido do telhado, o qual é alegre, festivo, feito para ser visto de longe, como a anunciar que há algo de belo na construção.

No formato do telhado vê-se a preocupação de evitar o acúmulo da neve. É a funcionalidade numa manifestação artística. O bom senso dos séculos passados mostrava que a arte precisa estar presente, porque onde quer que esteja o homem, está, sobretudo, a alma; e onde está a alma, deve estar a beleza.

Outro telhado formosíssimo que não é o de um palácio real, mas o do hospital Hôtel-Dieu, na França. Essa era a preocupação que nossos antepassados tinham em pôr a arte por toda parte, sem nada de imprático. É supremamente funcional; consideram-se a natureza espiritual do homem e a sua finalidade religiosa.

Giogo (CC3.0)
Flávio Lourenço
Pymouss (CC3.0)

Para mostrar que não é um privilégio da alma medieval construir coisas assim, consideremos um dos castelos do Rei Luís II da Baviera, edifício construído no século passado1, o qual tem sabor e beleza medievais. Como ele é formoso! Os precipícios com as pedras, que grandeza tem! É uma revivescência da Idade Média, diríamos, quase em nossos dias.

Graciosidades da pequena burguesia

De outro lado, como são interessantes as casinhas burguesas de Rouen, cidade onde foi queimada Santa Joana d’Arc. Elas transmitem um senso de intimidade. Tem-se a impressão de que quem as habita vive em um recolhimento e em uma calma muito grandes. Há, por vezes, nas casas, pequenas saliências; possivelmente quando nascia uma criança na família, o pai mandava construir um quarto suplementar. Fica algo tão pitoresco e tão interessante, que faz o encanto e a graça da casa.

Pois bem, dentre essas casinhas, ergue-se a torre da Catedral de Rouen. Como isto se assemelha à majestade imensa das coisas de Deus! A torre está acima de toda a cidadezinha comercial, como a Religião está acima de todas as coisas terrenas.

Pela cidade passa o Rio Sena, com pedras à sua margem; pelas ruas, longe de serem auto-estradas, podia-se passar com tranquilidade em conversas, rezando, parando, pensando. Era uma vida feita para o pensamento, o recolhimento e para um trabalho que não esmaga, próprio aos filhos de Deus.

A vida quotidiana numa pequena cidade medieval não era muito mais agradável do que nas imensas construções modernas? As proporções eram humanas, nada esmagava, não havia confusão, labirintos; estava presente a paz, a seriedade, o trabalho ordenado, os bons nervos, sobretudo o recolhimento, a piedade, a felicidade.

(Extraído de conferência de 14/1/1974)

1) O Castelo de Neuschwanstein, construído na segunda metade do século XIX.

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