jueves, noviembre 21, 2024

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A divina impotência do Onipotente

Há horas sinistras na História em que Deus dá a impressão de que Se deixou amarrar, parecendo colaborar com seus torpíssimos adversários. Entretanto, por detrás da divina e voluntária impotência, Ele inflige a maior das derrotas a Satanás, operando seus desígnios redentores de um modo magnífico.

J. P. Braido
Flávio Lourenço

Entre as relíquias da Paixão que membros do nosso Movimento puderam venerar durante uma peregrinação que fizeram, duas me impressionaram sobremaneira.

Dois símbolos da divina e voluntária impotência de Deus

Para guardar uma delas, se eu pudesse, mandaria construir a maior catedral da face da Terra. Trata-se da corda, entre todas sacrossanta, que ligou as divinas mãos de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Eu a imagino uma corda forte, bruta, de qualidade ordinária; que tão longamente e tão de perto apertou o pulso sagrado, que ela mesma ficou meio desgastada e ainda deve estar empapada daquele Sangue já coagulado que nos fechou o Inferno e nos abriu as portas do Céu. Sangue do qual nasceram a Santa Igreja e a Civilização Cristã.

A outra relíquia é um fragmento da cana ou vara que, como um cetro de irrisão, Nosso Senhor Jesus Cristo carregou nas mãos.

Ambas as relíquias são símbolos da impotência do Onipotente. Elas marcam essas horas sinistras da História em que Deus dá a impressão de que Se deixou amarrar e não pode fazer nada, nas quais devemos compreender a divina e voluntária impotência d’Ele.

Ele, Senhor de todos os Exércitos Angélicos, que venceram tão garbosamente Satanás e que o tem acorrentado no Inferno; Ele, por cujo poder infinito os astros gravitam e os Anjos sustentam a ordem do universo; os animais nascem e se reproduzem, se alimentam e vão enchendo a Terra, e as plantas prosperam e vicejam.

Ele, por cuja força voam os passarinhos e as borboletas, e com cuja força investem os ­leões. Ele, manietado, tendo na sua mão a vara da imbecilidade, sendo tratado como um bobo, como um cretino, um impostor que Se diz dono do reino que não existe e que, a existir, não é seu. Esta vara de irrisão é apenas uma provocação, porque Ele será objeto de sacrilégios ainda muito mais terríveis. Ele carrega, com a majestade de sua dor, com a majestade de sua impotência, a vara do bobo. Ele, a Sabedoria Encarnada, o Filho de Maria!

O que daria eu para poder oscular essa corda e essa vara! E eu rezaria antes aquela oração lindíssima que o sacerdote reza durante a Missa, antes de ler o Evangelho: “Deus, que ao Profeta Isaías purificastes os lábios com uma brasa ardente, purificai também os meus lábios para que, com dignidade e competência, eu anuncie o vosso santo Evangelho.”1 Eu adaptaria: “para que, não com muita indignidade, eu oscule a vossa corda sagrada.”

Presságio da situação atual da Igreja

Tal é a visão esplêndida, magnífica de um Deus manietado, a respeito de Quem, tantos séculos depois, Bossuet cantaria a glória do alto de uns dos púlpitos da França, chamando-O de um Deus brisé, rompu, anéanti2 – um Deus rachado, rompido, aniquilado –, mas onipotente, que, com as mãos amarradas e reduzido a nada, ali estava sofrendo a sua Paixão e, de fato, sem que ninguém percebesse, infligia a maior das derrotas ao adversário.

Nosso Senhor Jesus Cristo fazia pressagiar a atual situação da Santa Igreja, Corpo Místico de Cristo, realmente parecida a mais não poder com Ele manietado.

Estava posto o desígnio: uma vez cometido e lançado na História o pecado de Revolução e postas as tentações sucessivas que haveriam de desabar sobre os homens – as fraquezas, as infâmias, as torpezas com que eles se portariam diante dessas tentações, a liberdade crescente dada ao demônio para ele ir tomando o império sobre a Terra – tudo chegaria até uma derrota.

J.P. Ramos
Nosso Senhor após a Flagelação – Pinacoteca do Templo de São Felipe Neri, Cidade do México

Tem-se a impressão de estarem a Igreja e a Civilização Cristã como Nosso Senhor Jesus Cristo manietado. A cada século que passa na História da Revolução, temos a impressão de que a Igreja está cada vez mais fortemente manietada, que as cordas vão amarrando-a mais e, como que, a sua possibilidade de ação vai diminuindo, até o momento de chegar a esta celeste e divina “impotência” de nossos dias.

Amarrava-O, não a corda, mas seu desígnio redentor

Que mistério! O que amarrava aquelas mãos não era a corda, mas somente o seu desígnio de não a romper, nada mais. Misterioso desígnio pelo qual Ele parecia colaborar com seus sinistros e torpíssimos adversários, porque os inimigos O quiseram amarrar e Ele não quis Se desamarrar. Pareceria haver uma convergência de intenções nisso e, entretanto, Ele derrubava, de ponta a ponta, a intenção criminosa, celerada de Satanás, preparando a Redenção do gênero humano de um modo magnífico.

Flávio Lourenço

Na majestosa impassibilidade com que, humilde e desdenhoso ao mesmo tempo, sujeitava-Se a todos aqueles maus tratos, tinha na sua mente sagrada outros desígnios. E não tardaria muito a hora em que Ele diria: “Consummatum est!” O demônio estaria rachado mais uma vez e o gênero humano resgatado. A Igreja nasceria do seu Flanco sagrado.v

(Extraído de conferência de 28/11/1981)

1) Cf. Missal Romano, 2008.

2) Cf. BOSSUET, Jacques-Bénigne. Troisième sermon pour le Vendredi Saint. In: Ouvres complètes. Tomo I. Besançon: Outhenin-Chalandre Fils, Éditeur, 1836. p. 549 e 553.

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