sábado, octubre 5, 2024

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Exercícios de transcendência

A partir da descrição de um quadro, Dr. Plinio ensina a fazer um elevado e metódico exercício de transcendência, encontrando nos seres criados reflexos das virtudes e qualidades incriadas de Deus.

Vamos analisar uma fotografia bastante expressiva. Usei a palavra “expressiva” de propósito, porque expressivo é aquilo que tem expressão e, portanto, exprime algo.

Aqui nós estamos ao pé da dificuldade: o que essa cena exprime? É esta a primeira pergunta para realizarmos o exercício de transcendência da criatura ao Criador.

Para responder a esta questão, temos uma descrição. Devemos descrever a coisa para nos dar conta daquilo que exprime. O método é, antes de tudo, a procura de uma expressão. Essa procura começa por uma descrição.

Descrevendo um quadro

A descrição, como eu a vejo, apresenta o quadro em três elementos: um que se destaca enormemente é uma peroba, que se ergue esguia, com uma agradável flexibilidade; o tronco dela não é rijo como o de uma palmeira imperial, mas é elegante, gracioso, porque sobe à maneira de uma espiral de uma fumaça. Entretanto, sobe retilineamente, sempre em torno de um eixo invisível que está ali presente.

Mas o que a palmeira imperial tem de muito bonito, como uma espada ao vento, esta árvore tem por ser um pouco como uma espiral que sobe; no alto sustenta uma copa grande, que dá a impressão da espiral de uma fumaça de um cigarro, por exemplo, que, depois de ser levantada ali em linha reta, se espraia. E há uma proporção muito bonita entre a copa e a altura do tronco que a sustenta. De tal maneira o tronco levanta a copa bem alta que não deixa a impressão de estar penando para segurá-la, mas dá a impressão de uma obra de arte, uma espécie de obra-prima de equilíbrio ao conseguir manter a copa tão no alto, sem se quebrar, nem o tronco nem aquela ramagem toda.

Fotos: Divulgação (CC3.0)

A ramaria, por outro lado, distribui-se de um modo agradável e leve. Nas pontas dos galhos apenas há tufos de folhagem, de maneira que são leves. Constituem uma figura interessante, com três elementos centrais: a copa bem no alto e dois tufos laterais, formando uma espécie de simetria agradável. Os antigos diziam que o ímpar era amigo das musas. Nesta árvore vemos algo de poético no número “três”. Os três tufos que constituem um uno dão uma certa unidade à ramagem.

Isso tudo se levanta sozinho sobre uma paisagem muito baixa.

Quanto aos outros elementos, vemos uma vegetação muito baixa. O que sobe um pouco mais é uma vegetação desordenada e irrelevante, que o olhar tende a esquecer, essa massa escura da qual se desprende essa grande árvore.

Firmamento belo que tende ao borrascoso

Merece um comentário especial o céu que está por detrás. Há muitas nuvens, mas o Sol incide sobre elas de modo que não servem tanto para o velar quanto para o revelar, porque elas refletem o Sol sobre a terra. E, ao menos para meu olhar, certas nuvens dão a impressão de uma seda magnífica que reflete o Sol em meio a escuridões que ainda aumentam o brilho desta parte onde ele bate. Mais para cima há, entretanto, nuvens pesadas. A impressão de conjunto é de um firmamento belo, mas que tende com uma certa indecisão para o borrascoso. Quer dizer, um céu assim facilmente pode caminhar para a borrasca que vai se desencadear sobre esta árvore. Dir-se-ia que ela enfrenta, quase provoca, a borrasca que cairá.

Esse céu com as nuvens assim dispostas cria na vista a ilusão agradável de que a árvore chega até as nuvens, e que é uma árvore amiga, familiar das nuvens, de tão alta que é, o que aumenta a impressão do seu esguio, e constitui para esta um lindo fundo de quadro.

A árvore é a nota dominante, o eixo do quadro. Em função dela o fotógrafo concebeu o panorama. É em função da árvore que devemos analisar tanto a vegetação escura que lhe serve de pedestal, como o céu.

Fotos: Divulgação (CC3.0)

Descrito o quadro, devemos nos perguntar o que ele exprime. Daqui a pouco direi o que ele exprime, porque será a outra parte do método.

A descrição metódica conduz a uma expressão

Eu fiz uma descrição. Qual foi o método adotado? Eu desmembrei o quadro nos seus vários elementos. Analisei o elemento principal, que é a árvore, depois analisei os dois outros elementos; em seguida fiz uma relação entre os três elementos, para mostrar como, de fato – voltando à tese inicial –, a árvore é o elemento principal. Foi, portanto, uma descrição analítica. Não foi uma mera descrição, mas foi uma análise da estrutura interna do quadro e de seus predicados, tomada nas relações com suas partes.

Essa é a descrição desse panorama como eu o senti. Portanto, é uma descrição inteiramente metódica. Eu mostrei como se fazem os vários pontos da descrição. Essa descrição metódica conduz a uma expressão. Sob que forma psicológica essa expressão aflora no meu espírito? Sob a forma de uma exclamação interior. Eu diria do conjunto do quadro: “Ó elegância altaneira e leve!”

A árvore é elegante, ela é altaneira, mas há algo que está contido no conceito de elegância e que eu quero ressaltar: ela é leve. A elegância dela consiste na altaneria com leveza. Esta é a exclamação interior, esta é a expressão que a árvore sugere à alma.

A palavra elegância nunca obteve uma definição inteiramente satisfatória. Mas, no seu sentido próprio, no seu sentido adequado, ela inclui as ideias de uma superioridade que mais se deve ao espírito do que à matéria, mais se deve à qualidade do que à quantidade e, por causa disso mesmo, é uma superioridade leve, elegante, aristocrática, que atrai.

Fotos: Divulgação (CC3.0)

Essa árvore não é mais bonita do que muitas árvores que se encontram por aí. Eu não disse nenhuma vez que ela é muito bonita, porque o bonito está excluído daí. Ela tem a verdadeira e módica beleza de uma porção de coisas que nos cercam e cuja beleza só percebemos na sua modicidade quando se analisa bem. Aí há mil coisas bonitas, dependendo muito de análise, e não são graus de belezas relevantes. É uma beleza autêntica, porém não relevante.

Sobretudo isso não é uma procura da beleza; é a procura da expressão. Uma pessoa pode ser feia, mas ter uma expressão bonita. Por exemplo, a fisionomia dos profetas do Aleijadinho: quase todos são feios, mas têm lindas expressões. Um objeto também pode ter uma bonita expressão sendo feio ou comum. E eu não fiz aqui uma procura da beleza em nenhum momento. Eu fiz a procura de uma expressão. Desde o início concordamos em que a árvore é expressiva e eu procurei ver o que ela exprime.

A elegância não vai sem algum charme. Não se confunde com o charme, mas sem algum charme não vai. E, no meu modo de entender, algum charme módico essa árvore tem.

Também não há elegância sem uma certa superioridade, pois é um dos seus elementos. Comparada com uma palmeira imperial, por exemplo, o que essa árvore tem, um pouquinho aqui – um pouquinho até perigosamente – e que a palmeira não tem e que é um discreto charme não muito saudável, é que ela é meio lânguida.

Uma pessoa que suspendesse o braço como está a galharia dessa árvore, faria um gesto lânguido. Não é como o da palmeira imperial, que é de um soldado segurando uma espada para apresentar armas.

A exclamação interior leva à transcendência

Então, da primeira parte do método, ou seja, a descrição, nós passamos para a segunda parte do método, que é uma exclamação interior.

O que essa árvore é? É elegante, com essa elegância como eu a defini.

O que é essa exclamação interior? É a projeção dentro de mim da impressão causada pela árvore. Quer dizer, a expressão da árvore é esta, ela exprime isto.

Qual é a transcendência? Se esta árvore tem essa forma de elegância altaneira e leve, se ela comunica essa expressão, então nós devemos entender, considerar, que altaneria é uma qualidade e leveza é outra qualidade, e que altaneria e leveza como qualidades que são, cada uma se exprime a seu modo. A leveza é uma qualidade mais própria à matéria e a altaneira é uma qualidade mais própria ao espírito. Cada uma dessas qualidades existe a seu modo em Deus. Porque se todas as coisas foram criadas à imagem e semelhança de Deus, aqui há qualidades que são semelhantes com Deus.

Altaneria de Deus

O que é Deus em função disso? Em que sentido se pode dizer que Deus é altaneiro?

Não sei se existe em castelhano a palavra altaneiro exatamente no sentido que existe em português. É uma altura que se compara, que toma conhecimento de que é mais alta, que sente e faz sentir que é mais alta, mas com garbo, com distinção. Isso é o sentido da palavra altaneiro.

Deus é infinitamente superior a todas as coisas. E quando nós imaginamos Deus, terminada a criação, comprazendo-Se nela, e procuramos imaginar o quadro de conjunto de Deus e da criação, Ele está infinitamente acima da criação, com uma elevação incomensurável, da qual são imagens criadas todas as coisas que se projetam muito acima das outras.

E esta árvore, portanto, é uma semelhança criada da altaneria incriada de Deus. Mesmo porque a altaneria de Deus não é a mesma de um sargentão, mas é a altaneria espiritual do Rei Divino, e, portanto, com este predicado que eu estou falando, embora a força também esteja presente nela.

Quanto mais nobre e elevado, tanto mais leve

Leveza. Deus é leve? Nós notamos, na ordem da criação, da pura criação, uma coisa curiosa. Quanto mais elevadas e quintessenciadas são as coisas, mais elas dão ao homem uma impressão de leveza. Por exemplo, qual é a autoridade mais leve: a do rei ou a do diretor de trânsito? O diretor de trem, com seu bastão, é uma autoridade mais pesada do que a do rei, que paira quase como uma espuma sobre o reino. Ele quase inspira mais o reino do que propriamente o governa a duros golpes.

Flávio Lourenço
Pai Eterno – Museu do Petit Palais, Avinhão, França

Tomemos a autoridade, por exemplo, de um diretor de colégio e do vigilante do colégio, que põe os meninos na fila e os castiga. O diretor do colégio apenas passa e olha; às vezes até finge que não vê, mas esse fingimento castiga. Os castigos do diretor de colégio são levíssimos, muito mais eficazes do que o castigo abrutalhado do vigilante.

Cada um desses castigos tem sua razão de ser no mundo do castigo. Mas, quanto mais se sobe, tanto mais é leve aquela repreensão como a autoridade que a exerce. A superioridade da inteligência sobre a matéria – portanto, do homem inteligente sobre quem não o é – é uma superioridade muito mais leve do que a do homem forte sobre quem não o é.

Chega um campeão de boxe e diz para um outro: “Ou você faz tal coisa ou eu te esmurro.” Ora, um homem inteligente diz para um outro que não o é: “Eu vou persuadi-lo e, se você não seguir, isso trará muitos inconvenientes.”

Qual dos dois exerceu uma autoridade mais leve? Evidentemente aquele que exerce uma autoridade de um modo mais nobre, mais elevado; no caso concreto é a do homem intelectual. Assim por diante. Debaixo de certo ponto de vista, quanto mais as coisas são nobres e quintessenciadas tanto mais elas são leves.

Leveza da autoridade de Deus

A leveza, portanto, é própria daquilo que é altíssimo. E assim nós imaginamos Deus pairando no Céu com uma leveza de puro espírito incriado, da qual nem sequer podemos ter uma ideia. E por isso a iconografia católica, quando apresenta de vez em quando o Padre Eterno pairando sobre as nuvens, nunca o faz à maneira de um gigante. Eu não conheço uma reprodução do Padre Eterno à maneira de um gigante; não conheço uma representação de Nosso Senhor Jesus Cristo que dê a ideia de estar exercendo uma força atlética contra qualquer coisa. Mas sobretudo com o Padre Eterno é característico. É um ancião que paira no meio de nuvens, as quais são seu único suporte, e que parece não pesar sobre elas, que parecem carregá-Lo sem esforço. Tudo é leve.

Imaginemos a impressão que teríamos ao ver um Padre Eterno enorme, esmagando o homem com sua simples presença e sobre um maço de nuvens rachadas debaixo do peso dele. Alguém dirá: “Não, isso não é o Padre Eterno. Essa representação está malfeita, manda destruir!”

Ele deve ter, até na sua Majestade infinita, uma certa leveza própria daquilo que é excelso. Essa leveza, essa sobranceria, essa elegância são, portanto, imagens, semelhanças criadas de Deus Nosso Senhor que tem isso de um modo absoluto.

Transcender dos reflexos criados para o Criador

Isso quer dizer que Deus é parecido com uma árvore? De nenhum modo. Quem conhece um relógio, tem uma certa ideia de como é o relojoeiro, mas não se pode dizer que ele tenha cara de relógio. É uma coisa completamente diferente.

Há uma transposição, e aí é a transcendência que nos leva até Deus. Como se faz a transposição? Eu fiz a exclamação elegante, altaneira e leve. Desta exclamação eu passei para a seguinte consideração: a altaneria, a leveza, a elegância incriadas; altaneria, leveza e elegância absolutas, em relação às quais todas as formas de elegância, de altaneria e de leveza existentes na Terra não são senão reflexos criados e, já desde aí, estão para o incriado como o relógio para o relojoeiro.

(Extraído de conferência de 27/12/1974)

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