A tortura moral pode ser mais terrível do que os grandes sofrimentos do corpo! Ao meditar sobre as bem-aventuranças, Dr. Plinio nos mostra os incomparáveis prêmios reservados aos que são perseguidos por amor à justiça.
Eu gostaria de fazer uma reflexão a respeito de uma bem-aventurança: “Bem-aventurados os que sofrem perseguição por amor à justiça, porque deles é o reino dos Céus.”
Em cada uma das bem-aventuranças, Nosso Senhor enuncia um princípio que está de acordo com a própria ordem natural ou sobrenatural das coisas; enfim, é conforme a sabedoria, a justiça, a bondade de Deus que isto seja assim.
Enunciando-o, o Divino Salvador não faz com que naquele ato isto comece a ser assim. Desde o começo do mundo, de Abel morto por Caim, até o último mártir que deva morrer antes do fim dos tempos, todos aqueles que sofrem perseguição por amor à justiça têm a promessa do reino dos Céus, porque isto está na natureza das coisas.
Os grandes sofrimentos da alma são mais terríveis que os grandes sofrimentos do corpo
Para compreendermos por que está na natureza das coisas, devemos analisar o que é “perseguição” e “amor à justiça”.
Os que têm mais ou menos a minha idade1, de tal maneira ouviram falar das perseguições romanas contra os cristãos, dos mártires, que quando se trata de perseguição lembram-se daqueles que morreram no Circo Máximo de Roma ou no Coliseu. Quer dizer, daqueles que foram martirizados no tempo do Império Romano do Ocidente.
Estes, que pagaram com sua vida a sua devoção à Fé, são por excelência os perseguidos. Depois, com certo pequeno esforço de razão, concordamos em que as vítimas católicas dos campos de concentração nazistas também sofreram perseguição.
Foram perseguidos por serem católicos; então, eles também são mártires. Nessa qualidade está, por exemplo, o Padre Kolbe2, que Paulo VI beatificou há pouco, o qual era realmente um santo e morreu vítima de sua fidelidade à Fé católica e do desejo de ajudar pessoas que iam morrer de uma morte tremenda, numa câmara de extermínio nazista.
Mas sempre fica nos nossos espíritos a ideia de que a perseguição é cruenta; que a verdadeira perseguição é aquela que tira a vida de alguém ou ao menos lesa seu corpo. A perseguição psicológica, a tortura moral infligida contra uma pessoa porque ela ama a justiça, mais raramente passa em nosso espírito como sendo perseguição. Ora, acontece o seguinte: por mais duro que seja o sofrimento do corpo, a parte mais nobre do homem é a alma; e os sofrimentos da alma, quando são grandes, são mais terríveis que os grandes sofrimentos do corpo.
No horto, Nosso Senhor Jesus Cristo sofreu sua crucifixão psicológica e moral
O homem sofre mais na alma do que no corpo. Esta é a razão pela qual, de todos os episódios da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, eu tenho uma veneração mais profunda e mais fácil pela agonia no Horto, porque ali Ele, a bem dizer, sofreu sua crucifixão psicológica, sua crucifixão moral. O Redentor previu tudo quanto se faria com Ele até o fim e aceitou.
E ali mesmo teve que se sujeitar inclusive ao sono e à infidelidade dos Apóstolos; e depois veio todo o resto. Este sofrimento foi tão grande que Ele suou sangue. O Evangelho diz que Jesus começou a sentir tédio, quer dizer, aridez, e pavor diante do que ia acontecer, e chegou a suar sangue, que é uma das manifestações mais terríveis de sofrimento moral.
Esse sofrimento moral ao longo de toda a Paixão foi maior do que o sofrimento físico. A tal ponto que, tendo os sofrimentos físicos sido inenarráveis, Nosso Senhor no fim ainda fez uma queixa em razão do sofrimento moral, a aridez em que a Providência O deixou, o abandono em que ficou a sua humanidade santíssima: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”3
Não é uma pergunta de revolta, de descontentamento, mas parecida com a indagação cheia de submissão que Nossa Senhora fez a Jesus quando Ele era menino e desapareceu; Ela foi encontrá-Lo no Templo e Lhe perguntou: “Meu filho, por que fizeste assim conosco?” Quer dizer, foi um grande sofrimento de alma.
Esse brado de Nosso Senhor na Cruz tem um sentido especial: é um dos versículos de um salmo que prevê a ressurreição4. Esse salmo fala do Messias completamente abandonado que morrerá, mas depois ressuscitará. Então, são uma profecia da ressurreição as últimas palavras que Ele pronuncia antes de morrer.
Jesus sofreu em seu Corpo santíssimo dores atrocíssimas, durante a Paixão; mas as dores morais foram maiores.
Desde o começo do mundo, de Abel morto por Caim, até o último mártir que deva morrer antes do fim dos tempos, todos aqueles que sofrem perseguição por amor à justiça têm a promessa do reino dos Céus.
Por causa disso a iconografia da Igreja nos apresenta Nosso Senhor com o Corpo coberto de feridas, mas o olhar traduzindo um sofrimento maior devido às infidelidades e ingratidões que Ele recebeu, e à maldade com que foi perseguido.
Quer dizer, a perseguição mental, moral, que faz sofrer a alma é mais cruel do que a perseguição que faz padecer o corpo.
A pior forma de perseguição é tentar as almas, arrastando-as para o pecado
Temos uma contraprova disto na atitude de alguns mártires do tempo do Império Romano do Ocidente, quando eram mortos. Certo número deles compareciam à arena tão alegres que se diria já estarem entrando no Céu, porque o sofrimento de alma lhes estava sendo poupado por um desígnio de Deus. Na hora de serem vítimas de um jaguar, um tigre, um leão, eles estavam inundados de consolação, resplandecentes de alegria, deixando completamente abismados os pagãos que assistiam ao martírio e não compreendiam como, num lance tão terrível, uma pessoa pudesse estar alegre.
Por que esta alegria? O sofrimento do corpo estava presente, mas o sofrimento de alma estava ausente. Então, a principal forma de perseguição é a da alma, por onde se procura tentá-la, arrastá-la para o pecado, fazendo que a alma sofra desde que não consinta em pecar. Esta é uma forma quintessenciada de perseguição.
A palavra justiça significa todas as virtudes
Outro ponto: perseguidos “por amor à justiça”.
O que é a justiça? Não é só o que se chama a virtude da justiça, pela qual se dá a cada um aquilo que lhe compete, a que ele tem direito. A justiça é uma palavra usada no Antigo Testamento para indicar as virtudes como um bloco: as virtudes teologais, as virtudes cardeais, todas as virtudes.
Passemos agora à razão profunda das coisas. O indivíduo que sofre perseguição por amor à justiça sabe perfeitamente. E se não for um homem culto, ele pelo menos intui, porque cada um, quando se trata de seu interesse individual, é muitíssimo intuitivo. Ele intui perfeitamente que está sendo perseguido por essa razão. E que se deixar de amar a justiça, de praticar a virtude, ou de promover a virtude dos outros, cessará a perseguição contra ele.
O menino, do qual os companheiros caçoam porque é casto, sabe bem que se praticar alguma indecência toda antipatia contra ele acaba. Todo aquele que é perseguido conhece de um modo mais ou menos confuso a razão de sua perseguição.
O “reino dos Céus” já se realiza nesta Terra
Ora, apesar de saber por que é perseguido, ele prefere aceitar uma vida difícil, cheia de oposições, de calúnias, de críticas, a deixar a virtude. O que quer dizer o seguinte: por amor de bens que são eternos, sobrenaturais, ele sacrifica a felicidade na Terra.
A castidade, por exemplo, é uma virtude natural. Se o indivíduo a pratica para fazer a vontade de Deus, na perspectiva da Revelação, da observância dos Mandamentos, ele faz um ato sobrenatural.
Ele prefere ser perseguido a romper com isso que, numa expressão inadequada, chamaríamos um valor sobrenatural. Por amor a esse valor sobrenatural ele sacrifica a vida terrena, dando assim uma prova evidente de que ama mais o que é extraterreno e eterno do que aquilo que é terreno.
Então, porque nesta vida a pessoa de tal maneira se apegou ao que é eterno e sobrenatural, que sacrificou a alegria terrena, ela tem como prêmio aquilo que amou: o reino dos Céus.
Quer dizer, o reino dos Céus é dado como recompensa àquele que, sofrendo perseguição, perseverou; para defender esses valores eternos, imolou a vida terrena a fim de obter a vida eterna. Como prêmio ele é osculado por Deus, o Qual vai contemplar face a face por toda a eternidade. Deus é a personificação daquelas virtudes que ele praticou. Ele sacrificou tudo na Terra e terá tudo no reino dos Céus.
De todos os episódios da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, a agonia no Horto é o que mais me provoca veneração. Ali Ele, a bem dizer, sofreu sua crucifixão psicológica, sua crucifixão moral. O Redentor previu tudo quanto se faria com Ele até o fim e aceitou.
Mas o reino dos Céus não existe apenas no outro mundo, na outra vida. O reino dos Céus já se realiza nesta Terra. Ou seja, aquele que é perseguido por amor à justiça tem uma paz, uma tranquilidade de consciência, uma ordem interior que o pecador não possui. Nele já existe o reino dos Céus, pelo fato de que pratica os Mandamentos e está em estado de graça; por causa disto, ele tem a proteção, o amparo de Nossa Senhora já nesta Terra; pode ele passar por aridezes e provações terríveis, mas é continuamente sustentado, tendo em si uma ordem, uma felicidade interior que vale mais do que todas as felicidades da Terra.
São Paulo, numa de suas epístolas, conta tudo quanto tinha sofrido, inclusive de chegar até o fundo do mar, sair através de uma cesta da janela de uma casa e uma série de outras coisas5. Pois bem, no meio dessas tribulações ele transbordava de alegria.
Não era diretamente uma alegria de bem-estar, de consolação sensível, mas uma alegria no fundo da alma, procedente da retidão que ele possuía.
“Coloque seus pés onde pus os meus”
Imaginemos um rei que chega junto a um súdito e lhe diz o seguinte:
— Eu amanhã tenho que entrar numa cidade solenemente, mas não posso ir. Então você vai fazer as vezes de rei; chegando lá, dê esse aviso; será bem recebido por todos e colocado num carro com um acento magnífico; passeando por toda a cidade, o povo vai ovacioná-lo.
O súdito se ajoelharia aos pés do rei e diria:
— Meu senhor, que honra poder vos substituir numa função destas, eu vos agradeço.
Mais do que isso, devemos dizer a Nosso Senhor Jesus Cristo por meio de Nossa Senhora: “Meu Senhor, que honra fazer as vossas vezes e carregar a vossa Cruz! Que bondade de vossa parte conferir-me isto, eu aceito, dai-me força! Mãe de misericórdia, ajudai-me!”
Dir-se-á que, às vezes, é duro ter essa força. Houve uma santa — não me lembro do nome dela — que teve uma vez uma visão de Nosso Senhor Jesus Cristo carregando a Cruz e convidando-a para segui-Lo. Então, ela se pôs a caminhar, mas pisava em pedras e coisas que faziam sofrer horrivelmente, e mal conseguia seguir os passos do Redentor.
Então, Nosso Senhor voltou-se para ela e lhe disse: “Eu vou lhe ensinar um meio pelo qual as forças não lhe faltarão. Olhe para o chão e note onde Eu deixo as marcas dos meus pés; em vez de pôr os seus pés em qualquer lugar, coloque-os onde pus os meus e aí o caminho lhe será fácil.”
Unamo-nos a Nossa Senhora e procuremos sofrer em união com Ela; assim estaremos no caminho fácil, seguro de que fala São Luís Maria Grignion de Montfort. Maria Santíssima nos ajudará e chegaremos até nosso termo.
(Extraído de conferência de 2/6/1975)
1) Dr. Plinio estava então com 66 anos.
2) São Maximiliano Kolbe, canonizado por João Paulo II em 10 de outubro de 1982.
3) Mt 27,46; Mc 15,34.
4) Sl 21,2.
5) 2Cor 11, 23-27.