Há 70 anos, em julho de 1938, esteve na capital paulista o Almirante Estêvão Shinjiro Yamamoto, líder católico de destaque no Japão, além de célebre veterano de muitas batalhas, tanto na guerra Russo-Japonesa quanto na Primeira Guerra Mundial.
Ao chegar a São Paulo, logo procurou entrar em contato com Dr. Plinio e o Legionário. A fim de lhe retribuir a cortesia da visita, Dr. Plinio convidou-o para jantar em sua casa, certo de que Dª Lucilia teria muito gosto em recebê-lo.
Descendente de samurais, fazendo-se acompanhar de uma alta personalidade do corpo consular nipônico em São Paulo, o insigne convidado compareceu com pontualidade militar à casa de Dª Lucilia, que o acolheu com sua característica amabilidade. A conversa, toda ela em francês, desenrolou-se de modo espontâneo em torno de recordações religiosas, militares e sociais do ilustre visitante. Tendo ele participado de inúmeras ações navais, não foi difícil levá-lo a contar alguns dos feitos que o cobriram de glória. Bastou tocar no assunto para seu enigmático olhar amendoado se acender, por detrás de uma impassível expressão fisionômica.
— Ah! batalhas! São uma coisa muito bonita!
Dr. Plinio perguntou amavelmente:
— Mas, almirante, o senhor participou de vários combates navais, não é?
— Sim, inúmeros.
— Não o cansaria descrever o episódio culminante, mais arriscado, das guerras de que o senhor participou? — propôs Dr. Plinio.
O almirante sentiu-se à vontade, ao comprovar o real interesse de seu anfitrião, tanto mais que se tinha entregado de corpo e alma à profissão da guerra.
— Pois não, professor, com muito gosto — respondeu.
No seu entusiasmo pelo combate, o visitante talvez não se tenha dado conta de não penderem os gostos e preferências de Dª Lucilia especialmente para este lado. Um certo suspense tomou conta dos circunstantes, mas como a conversa era feita para agradar ao visitante, ninguém o interrompeu, prosseguindo ele seu relato:
— Foi na batalha de Tsushima, durante a Guerra Russo-Japonesa, em 1905, em que pusemos a pique o grande couraçado russo Tsarevich.
— Mas como se deu isso? — perguntou Dr. Plinio.
— Ah! O senhor não imagina, que maravilha! O couraçado, um dos mais bem equipados do mundo, orgulho da marinha de seu país, era o navio-almirante da frota que combatíamos. Foi uma batalha terrível, com dezenas de navios afundados…
A fisionomia de Dª Lucilia ia-se tornando cada vez mais séria e consternada ao ouvir aquelas palavras. O almirante Yamamoto, sem atinar com a reação dela, prosseguiu calma e alegremente:
— Aquele enorme couraçado passou bem diante do navio que eu comandava, em posição tal que não podíamos perder a oportunidade… Nossos tiros foram certeiros! Depois de o bombardearmos, emborcou de tal modo que a popa afundou e a proa ficou no ar. Vimo-lo quase inteiramente na vertical.
Dª Lucilia acompanhava a narração passo a passo, compadecida com o terrível sofrimento daqueles pobres marinheiros que iriam ser tragados pelas profundezas dos mares. Chegando a esse ponto, perguntou ela, penalizada:
— E como foi, então?
Entusiasmado, continuou o almirante:
— Minha senhora, afundou completa e diretamente!
— Ahhh! — exclamou Dª Lucilia, com ligeiro sobressalto no qual transparecia seu pesar pelos soldados falecidos.
Terminado o jantar, Yamamoto se despediu com cortesia de Dª Lucilia, levando para sua distante terra natal a recordação daquela afável senhora.
Anos mais tarde, ao ter notícia de sua morte, Dª Lucilia ficou muito entristecida e rezou fervorosamente por seu eterno descanso, pois não era só o Japão que perdia um guerreiro de valor, mas, sobretudo, era a Igreja que via suas fileiras desfalcadas de um destemido militante. v
(Extraído da obra “Dona Lucilia”, de João S. Clá Dias)