Com seu dolorosíssimo padecimento na Cruz, Jesus Cristo pagou o preço de nossos pecados e nos reabriu as portas do Céu. Infelizmente, porém, o homem continua a ofendê-Lo, a cada vez que transgride os mandamentos divinos. E a cada vez, o infinito perdão de Nosso Senhor se oferece àquele que, com firme propósito de emenda, procura a assistência de um confessor.
Acompanhemos a conclusão das considerações de Dr. Plinio sobre o Sacramento da Reconciliação, dirigidas a um auditório de jovens ouvintes.
A metáfora das esculturas de moços que adquirem vida insuflada por Deus, e modelam ou deformam sua fisionomia moral conforme pratiquem a virtude ou se entreguem ao vício, ajuda-nos a compreender como o pecado ofende o Senhor. Este, desde toda a eternidade, pensou em nos criar com as maravilhas que depositou em cada um de nós. Não há homem que não seja uma obra-prima d’Ele. O mais coxo e estropiado, o mais desagradável de trato, possui um lado de alma por onde foi chamado a ter determinada perfeição moral como nenhum outro teve nem terá.
Cada homem representa mais para seu genitor do que a escultura para o artífice. O pai ama mais o filho do que o escultor a escultura. Ora, criar é superior a gerar. Assim, Deus ama mais a criatura do que o pai ama o filho, ou o artista a sua realização em pedra. Com sua visão simultânea do passado, presente e futuro, Deus acompanha os passos de todos e cada indivíduo. E não apenas os nossos movimentos externos, nossas atitudes e gestos, mas, sobretudo, o que vai em nossa alma, a todo instante. Conhece o que pensamos, queremos, sentimos, seja em relação ao bem, seja quanto ao mal. Com sua onipresença augusta, vê cada criatura como se só esta existisse.
Nosso Senhor sofreu em vista dos nossos pecados
Como consideramos naquela metáfora, o escultor se aflige com a “escultura” que decai. O mesmo, entretanto, não se pode dizer de Deus com relação ao filho que peca. O Padre Eterno, causa de sua própria felicidade, possui no Céu o gáudio completo e imperturbável que nenhuma ofensa ou acontecimento contrário aos seus desígnios, neste mundo, é capaz de incomodar. Deus não sofre.
Podemos, contudo, dizê-lo no tocante ao Homem-Deus, unido hipostaticamente à Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, encarnado no seio puríssimo de Maria Virgem, para redimir o gênero humano. Do alto da Cruz, Jesus Cristo discerniu todos os nossos atos de virtude, tendo-se dado por bem pago. E também todos os nossos pecados, sofrendo por causa deles, com gemidos e estertores, a ponto de exclamar: Meu Pai, meu Pai, por que me abandonastes? (Mt 27, 46), e, por fim, bradar: Tudo está consumado (Jo 19, 30).
Do alto da cruz, Jesus Cristo discerniu nossos atos de virtude, assim como nossos pecados, e por estes sofreu acerbamente, até o brado de “tudo está consumado!”
Nosso Senhor padeceu com a intenção de nos salvar, acompanhando com sua presciência divina o que haveríamos de fazer. Conforme as explicações de alguns estudiosos da Paixão, do ponto de vista médico, Jesus, como todos os condenados à crucifixão, estava com os braços estendidos e os pés sobre um pequeno apoio, tal como aparece nas imagens do Crucificado. Permanecendo muito tempo nessa posição, a pessoa começa a sentir falta de ar. Para respirar melhor, é obrigada a se levantar ou abaixar um pouco. Ora, cada vez que o Redentor fazia esses movimentos — e à medida que o ar diminuía, eram eles mais freqüentes e intensos — os pregos cravados nos sagrados pés e mãos rasgavam mais os seus músculos. De maneira que Ele fugia de uma aflição para uma dor, e de uma dor para uma aflição.
Todo esse martírio, Nosso Senhor deu por bem empregado, por amor às suas “esculturas”. Como Lhe seria fácil ordenar às legiões de anjos do seu Pai que viessem libertá-Lo daquela situação, fazendo-O descer de modo triunfante do patíbulo ao qual fora condenado! Em seguida, caminharia serenamente em direção à casa de Anás e Caifás, ao pretório de Pilatos, com tanta suavidade que seus algozes ficariam estarrecidos de pavor. Que vitória magnífica!
Porém, quis padecer aquele tormento até o fim, transpor os umbrais da morte e nos abrir as portas do Céu. Tudo para salvar cada um dos homens. Esta é a realidade.
Nobreza e elevação do arrependimento
Devemos ter presente esse sacrifício inaudito que custou nossa salvação, quando fizermos o exame de consciência e trazermos a lume os pecados que cometemos. “Que fiz eu? Infligi outros tantos tormentos Àquele que tanto me amou! Desfigurei minha alma com as faltas cometidas. Fui relapso, mole, não evitei as ocasiões de pecado, cedi às tentações, ofendi a Nosso Senhor. Não combati como deveria os meus defeitos, e estes me dominaram. Ora, o Criador me concedeu tantos dons! Depois que fui batizado, e até certo tempo de minha infância, era uma pessoa inocente. Anjos esvoaçavam em torno de mim, cantando a nova maravilha que Deus havia criado. Ou seja, eu mesmo. E agora penso em que estado se encontra minha alma! Meu Deus, pequei!”
Essa atitude caracteriza o verdadeiro arrependimento. Como a contrição é nobre, razoável, elevada! Diante de alguém assim contrito, tem-se o desejo de ajoelhar ao seu lado e pensar: “Como eu quereria que essa lepra do pecado fosse curada em sua alma. Mãe de Deus, Maria Santíssima, Vós podeis tudo com vossas súplicas irresistíveis; sois a Co-redentora do gênero humano; por vosso intermédio, recorro a Deus. Salvai este meu irmão. Arrancai-o de tal pecado e de tal vício. Estou disposto a sofrer por ele, conquanto que melhore.”
Quão belo é ver alguém que, estando num triste estado de culpa, faz seu exame de consciência para em seguida se confessar! Que maravilha há nessa atitude de alma!
Porém, às vezes o espírito humano é tão miserável que todas essas considerações não lhe bastam. Ele não se arrepende. Pensa: “O pecado é tão agradável, que voltarei a cometê-lo”. Entretanto, sem que perceba, conserva no fundo do coração um resto de amor a Deus. Um anjo sussurra-lhe ao ouvido palavras de temor, recebe uma graça e cogita: “Que louco sou eu! Transformei-me num trapo moral. Se não me arrepender e continuar a pecar, e morrer nessa situação, serei condenado ao inferno por toda a eternidade. Oh! horror! Expulso da presença de Deus para todo o sempre, porque não O amei como devia. E a qualquer momento posso morrer… Com o auxílio da graça e a proteção de Nossa Senhora, não pecarei mais!”
A necessidade do firme propósito
Além do arrependimento, é necessário o firme propósito de nunca mais ofender a Deus. A palavra “nunca” merece ser analisada com profundidade. A pessoa tem de pensar no que lhe cumpre renunciar para não voltar a cair. E estabelecer um programa de emenda que a possibilite permanecer na prática da virtude.
Digamos, por exemplo, que ela seja obrigada a fazer determinado percurso, todos os dias, para ir ao trabalho, ao colégio, etc. No caminho há uma banca de jornal onde, além dos periódicos, estão também expostas revistas imorais que constituem para ela ocasião próxima de pecado.
Ou a pessoa se sente fortalecida pela graça e nunca mais deitará olhares para a banca, ou tem de tomar a deliberação de mudar seu trajeto, para evitar de uma vez por todas aquela perigosa proximidade com o pecado: “Andarei pelo outro lado, embora seja um caminho mais longo. Sirva para me humilhar e formar minha vontade na linha do bem.”
Importa, pois, estudar o que se deve fazer para não cair novamente.
Outro exemplo: as más companhias. O pecador arrependido deve pensar: “Tal indivíduo tem sobre mim uma péssima influência e me conduz ao pecado. Se ele portasse uma doença contagiosa, eu o evitaria? Provavelmente. Ora, com seus defeitos e maldades conscientes, ele transmite a pior das doenças, que é a falta grave contra Deus, e não vou evitá-Lo? Onde está meu firme propósito de emenda?”
Como é igualmente belo ver uma pessoa que pesa essas circunstâncias e sente no seu interior a força, inspirada pela graça, de dizer: “Não mais cometerei pecado”, e cumpre seu propósito!
O reerguimento após anos de quedas
Por vezes a pessoa não tem essa força, mas deseja seriamente não cair, e sabe que, na hora da tentação, pelos rogos de Nossa Senhora, obterá a graça de resistir. Diz à Santíssima Virgem: “Vede que mulambo sou eu. Sinto-me fraco, nem sinto desejo de que me concedais o vigor de alma necessário para vencer a tentação. Porém, rezarei tudo quanto possa e farei algum esforço, minha Mãe, para caminhar em direção a Vós. No momento, estou disposto a não cometer pecado. Estarei assim amanhã? Ah, minha Mãe…! Não sei. Mas desejo querer. Tende pena de mim e obtende-me o perdão.”
Após essa prece, ela recebe um graça e persevera no bom caminho.
Há casos de pessoas que caem inúmeras vezes no pecado e, por fim, se reerguem definitivamente. Já comentamos em outras ocasiões o fato tocante narrado por Louis Veuillot — célebre escritor católico francês do século XIX — em seu livro Perfume de Roma. Conta ele que, durante sua visita à Cidade Eterna, estando junto aos muros de uma velha igreja, reparou numa pedra na qual se distinguiam certas inscrições. Leu-as, anotou-as e as publicou: “Ano tanto, tal data: perdão, meu Deus, pequei! Confessei-me no dia tal. Dia tanto: perdão, meu Deus. Pequei e mais gravemente. Confessei-me…”
Em síntese, tratava-se de um diário de quedas e ascensões sucessivas, ao longo de anos. Aos poucos aquela alma ia melhorando, adquirindo novas energias morais, e subiu lentamente a imensa montanha da vida espiritual. Em certo momento, recebeu uma graça insigne, emendou-se de modo completo, e escreveu na pedra: “Aleluia! Magnificat! Neste ano, não pequei mais!”
Impressionado, Louis Veuillot comenta que, se essa pedra estivesse salpicada com sangue de mártires vertido no Coliseu, ele não a veneraria mais do que como então se apresentava a ele, “tingida” do sangue de uma alma contrita e humilhada.
Como isso é verdade! E esse sangue, nós o podemos verter pela prática assídua da confissão, seguida da Comunhão.
A paz restabelecida entre Criador e criatura
Após o exame de consciência, contrita, detestando cada um dos seus pecados, a pessoa diz para si mesma: “Não tive vergonha de cometê-los, não devo ter vergonha de declará-los ao sacerdote. Vou contá-los para me humilhar.”
Dirige-se ao confessionário, ajoelha-se e afirma: “Padre, andei mal! Fiz tais coisas, com tais agravantes. Perdoai-me!”
Esta é a hora verdadeiramente celeste. O ministro de Deus ergue sua mão e traça o sinal da salvação, dizendo: “Eu te absolvo dos teus pecados, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.”
Então sucede algo que escultor algum poderia dar a uma estátua viva: a graça para não pecar mais. O pecador se inclinara diante do padre como um miserável verme, uma larva que se arrasta na terra e, de repente, torna-se borboleta e começa a voar! É a indizível beleza da alma que se ajoelha desfigurada pelo pecado e se ergue limpa e justificada. Aceitando a penitência imposta pelo sacerdote, recebe a absolvição.
Uma vez mais, estão seladas as pazes entre o pecador e Deus, entre o Criador e a criatura.