Quiçá a fase crucial da vida de uma pessoa seja a adolescência. É a época em que lutam na alma tendências boas e más que, reprimidas ou cultivadas, exercerão influência até o fim da vida. É a hora em que a inocência corre perigo e, infelizmente, quase sempre naufraga. No 5º aniversário    do falecimento do varão católico que foi Dr. Plinio — homem de profunda fé, de fortaleza inquebrantável e de pureza virginal — é bem o momento de lembrar o decisivo apoio e a vigilância de sua querida mãe naquela difícil fase da vida.

Como vimos em anteriores artigos, Dª Lucilia se esmerava por dar a seus filhos, em casa, a melhor educação possível. Contudo, em 1919, tendo Plinio atin­gido a idade adequada para tal, viu-se ela na contingência de, não sem grande apreensão, ter de matriculá-lo numa escola.

Naturalmente deveria ser a melhor de São Paulo na oca­sião, o Colégio São Luís, dos padres jesuítas. Era sob a orientação dos discípulos de Santo Inácio que o menino devia continuar seus estudos, mas isto não bastava para tranqüi­lizar seu maternal coração. Possuía ela inteira noção dos perigos que, já naquele tempo, podia acarretar o convívio entre estudantes.

Seu filho resistiria ou não, ao entrar em choque com um mundo em diversos aspectos oposto à preservação mo­ral inerente à atmosfera do lar? Só o futuro o diria.

Um dia o próprio Plinio abordou o assunto com sua mãe. Seus primos, que já freqüentavam aquele colégio, ha­viam-no convidado insistentemente a ir estudar também com eles. Um primo mais chegado, a fim de atraí-lo com mais facilidade, dissera que no pátio do recreio havia mui­tas cerejeiras, sendo um dos passatempos dos alunos come­rem dessas saborosas frutas no intervalo das aulas.

Devendo matricular seu filho num estabelecimento de ensino, Dª Lucilia o colocou no que havia de melhor na São Paulo daquele tempo: o Colégio São Luís, dos jesuítas, então dirigido pelo Padre Du Dréneuf (no destaque)

À tardezinha, quando Dr. João Paulo voltou do trabalho, Dª Lucilia tratou com ele do assunto. Ficou acertado que ele iria ao Colégio São Luís no dia seguinte falar com o rei­tor, Pe. du Dréneuf, para matricular o filho. Tudo se fez sem a menor dificuldade. O sacerdote, recebendo-o ama­velmente em sua sala, expôs o sistema e o horário do estabelecimento, informou que material Plinio necessitaria le­var, e em pouco tempo estava o assunto resolvido. Despe­diram-se com cortesia e voltou cada um aos seus afazeres. O jesuíta, satisfeito por receber um aluno a mais; Dr. João Paulo, aliviado por ter um problema a menos para solucio­nar.

No primeiro dia de colégio, após uma ou duas aulas, che­gou a hora do recreio. Ao sair para o amplo pátio, Plinio procurou seus primos com o olhar, em meio àquela multidão de meninos correndo de um lado para o outro e gritando, pois eles lhe haviam prometido apresentá-lo aos demais colegas. E onde estariam as cobiçadas cerejeiras? Por fim um deles apareceu, ofegante, agitado:

— Plinio! — gritou.

— E as cerejeiras, onde estão? — perguntou o novo aluno, desejoso de, já naquele primeiro intervalo, deliciar-se com seu manjar preferido.

— Vamos jogar futebol! — respondeu o primo.

O jovem Plinio (o primeiro no fundo à esquerda) ao lado de alguns de seus colegas no São Luís

Esse esporte, que para a época ainda fazia parte das ino­vações da modernidade, atraía a atenção e a participação dos alunos. Entretanto, que diferença dos serenos entre­te­nimentos de casa!…

Sob o apreensivo olhar materno

Para Plinio começava a dura batalha da vida, com suas tragédias, desilusões e fracassos, pela qual todo filho de Adão irremediavelmente tem de passar. A primeira dece­p­ção foi a de não encontrar as sonhadas cerejeiras. Depois, ante seus olhos, dois mundos se desenvolviam lado a lado, porém em constante oposição: o dos padres que, vol­tados para o sagrado, por seu porte grave e seus trajes austeros, criavam em torno de si um ambiente que simbolizava a tradição e lembrava as verdades eternas; e o dos alunos, empolgados, naquele pós-guerra, pelas “modernidades” soezes de Hollywood, e atraídos pelos costumes simples e fáceis daí decorrentes.

Dª Lucilia discretamente observava as mínimas reações do filho, para ver se ele estava resistindo às más influências, ou se, de modo imperceptível, ia-se deixando levar por elas. Pelo modo de Plinio falar, gesticular, tratar os ou­tros e, sobretudo, por aquele “sexto sentido” que só o des­velo materno dá, ela procurava discernir nele os eventuais sintomas de adaptação aos novos padrões.

Ao fim da tarde, ao se aproximar a hora de Plinio retor­nar da escola, Dª Lucilia ia ao terraço da casa e o aguardava. Queria vê-lo ao longe chegando, a fim de observar os ma­tizes quiçá deixados no espírito e no modo de ser de seu filho, quando trazia em si os vestígios acumulados, de ambientes tão diversos quanto o colégio, a rua e a casa de família.

Em seguida entrava e, por uma janela, o via abrir e fe­char com calma o pesado portão do jardim, ganhar ajui­za­damente a escada que conduzia à moradia e tocar a campainha. Esperava-o numa sala, abraçava-o, beijava e dava-lhe a bênção. Tranqüilizava-se, notando que seu filho continuava o mesmo, como no primeiro dia de aula.

Irredutibilidade e doçura

Plinio deu só contentamento a Dª Lucilia durante o curso secundário. De sua parte, continuava ela a dispensar-lhe todos os extremos de carinho de que era capaz. Provara-o mil vezes em circunstâncias diversas, e seu filho tinha expe­riência disso a cada momento. Eis um pequeno exemplo:

Normalmente Plinio ia e voltava do colégio de bonde. Porém, quando chovia, Dª Lucilia mandava-lhe tomar um táxi, pois tinha receio de que, molhando-se, adoecesse. Plinio, que nunca deixava de seguir a recomendação materna, à saída do colégio já ia convidando alguns amigos para retornarem com ele no veículo.

Evidentemente, se por preguiça ele quisesse ficar mais tempo na cama na hora de levantar, Dª Lucilia não tolera­ria, pois no cumprimento do dever não permitia moleza. Mas a irredutibilidade dela tinha sempre como contrapeso a doçura, que se manifestava por sua atitude compassiva em favor de quem havia-se esforçado para se desincumbir de uma obrigação.

Deliciosos sanduíches

Outra manifestação dessa doçura estava no modo de Dª Lucilia, todos os dias, preparar e com todo o cuidado empacotar sanduíches para seu filho. O conteúdo ia variando agradavelmente a cada dia, constituindo afetuoso incentivo para ele enfrentar a aridez dos estudos ou o ardor das polêmicas. Ora vinham recheados de saborosas fatias de língua, ora de lombo de porco ou filé, queijos ou alface, sem nunca faltar a manteiga. Tais petiscos faziam a cobiça dos outros meninos…

Um dia, Plinio pediu a sua mãe que dali em diante pre­parasse sempre um pacote de sanduíches a mais, pois ficava mal para ele estar tomando lanche e não poder oferecer nada a um colega com quem estivesse conversando.

Dª Lucilia alegrou-se com a atitude de seu filho e, dian­te de tão bons sentimentos, prontamente o atendeu. Mal sabia ela o destino real do inocente sanduíche. Plinio utili­zava-o sagazmente para atrair a amizade de certos compa­nheiros mais corpulentos, que o protegessem contra as investidas de certos alunos de mau caráter, visto que sua com­pleição, ainda pouco robusta, não lhe permitiria agüentar um embate físico contra seus primeiros opositores ideoló­gicos.

Sem o saber, Dª Lucilia prestou assim um valioso au­xí­lio às pugnas iniciais de seu filho.

O Menino Jesus entre os doutores no templo

Apesar de em sua delicadeza não compreender certos métodos ou argumentos mais enérgicos utilizados por Pli­nio, Dª Lucilia de modo algum estava alheia à batalha que diariamente ele travava para se manter fiel aos princípios da Igreja Católica, Apostólica e Romana, ensinados por sua mãe ao longo dos anos.

Por certos comentários dele a respeito dos próprios co­legas, por seu relacionamento com eles, bem como por ou­tros pequenos detalhes, notava Dª Lucilia que Plinio necessitava sobretudo de auxílio do alto. Talvez por isso, após a Missa dominical na Igreja do Sagrado Coração de Jesus, ela se detinha longamente a rezar diante de um belo conjunto de imagens de um altar lateral. Representam elas o encontro de Nossa Senhora com o Menino Jesus, em discussão no Templo com os Doutores da Lei.

Grupo de esculturas diante do qual costumava Dª Lucilia rezar, pedindo graças para seu pequeno Plinio sair vitorioso nas polêmicas travadas no colégio

Nunca seu filho lhe perguntou o motivo daquelas preces, nem ela alguma vez o revelou. Mas certamente rezava para que o Divino Infante, vencedor da soberba e incre­du­lidade dos orgulhosos escribas, concedesse também àquele menino, ali a seus pés, a vitória nas polêmicas mantidas com seus colegas de colégio.

“Por que você há de ser tão ruinzinho assim?”

Embora Dª Lucilia tivesse perfeita noção de como o mundo ia piorando cada vez mais, e das dificuldades que em conseqüência seus filhos enfrentariam, nunca lhes permitia qualquer falta de objetividade no apreciar as pessoas.

Em certa ocasião, estando ela a conversar com Plinio, fez este um comentário depreciativo a respeito de um conhecido, carregando demais as tintas em certos defeitos da pessoa em questão. Dª Lucilia, sempre pronta a tomar a defesa dos outros, logo atalhou:

— Por que você há de ser tão ruinzinho assim, meu fi­lho? Você não vê que não se deve ser desse modo? Tenha pena, afinal!…

Seu tom de voz ameno, era de quem queria dizer: “Des­se pobre miserável, diga apenas o que é justo. Você não vê como sou benévola para com ele? Afinal, ele é filho de fulana, pessoa que tem lados muito bons, e a quem eu quero bem por isso”.

A esse propósito, Dr. Plinio mais tarde comentaria: “Era tal a bondade com a qual mamãe corrigia seus filhos, que eu me sentia inteiramente tomado por sua benevolência. Esta contribuía mais para me afastar do perigo de rein­cidir na falta, do que o próprio temor de uma repetição da censura…”

(Transcrito e adaptado da obra “Dona Lucilia”, de João S. Clá Dias.)