sábado, noviembre 23, 2024

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Prelibando o convívio com Nossa Senhora

João S. Clá Dias

Dia 23 de setembro de 1988. Dr. Plinio iniciava sua última viagem à Europa, realizando um antigo e acalentado sonho: visitar o Santuário de Genazzano para venerar o afresco de Nossa Senhora do Bom Conselho, que lhe concedera uma insigne graça cerca de vinte anos antes1. A visita acabou se estendendo por três dias, permitindo a Dr. Plinio prolongados colóquios espirituais com a Rainha dos Céus.

Redigida nessa ocasião, a narração reproduzida abaixo é do secretário particular de Dr. Plinio.

O vôo de São Paulo a Roma deixou Dr. Plinio um tanto cansado. Como sói acontecer nas fatigantes travessias do oceano, ele nada conseguiu dormir no avião. Por isso, já no hotel, resolveu descansar até mais tarde, antes da viagem de automóvel a Genazzano.

Um camareiro do estabelecimento atendeu de modo especial Dr. Plinio. Ficou tão impressionado com a virtude irradiada por esse varão católico, que decidiu colocar-se o tempo todo à disposição dele, e não dar ouvidos a nenhuma chamada vinda de outras pessoas, mesmo em se tratando de seus superiores. Encontrando-se depois conosco, o bom jovem não se conteve, desejando expressar toda a sua admiração por aquele brasileiro tão bondoso, piedoso e distinto.

Às 14 horas, Dr. Plinio estava pronto, esperando-nos, a mim e aos outros que o acompanhariam. Tivemos nessa ocasião uma breve conversa a respeito de Roma e dos romanos, e meia hora mais tarde — sem ainda havermos almoçado — saímos em direção a Genazzano.

Dr. Plinio sempre teve admiração por Roma, não apenas por sua entranhada devoção ao Papa, mas também pelas obras arquitetônicas e pela história da cidade, muito especialmente por ser ela o centro da Cristandade. Imaginem-se, pois, os enlevados comentários que fazia ao encontrar diversas construções, especialmente as igrejas. Ao passar pela Igreja do Sagrado Coração de Jesus (construída sob a orientação de São João Bosco), tirou o chapéu e rezou três jaculatórias.

A certa altura do caminho, propôs que rezássemos um terço e a ladainha lauretana durante o trajeto até o santuário, a fim de pedirmos graças que nos preparassem adequadamente para a importante visita.

Estava tão tocado pela idéia de encontrar-se com Nossa Senhora que, depois dessas orações, externou o desejo de rezarmos mais dois terços, sugestão aceita imediatamente.

Encanto pela cidadezinha de Genazzano

Quando faltava uma dezena para encerrarmos o último terço, divisamos o arco de entrada de Genazzano. Dr. Plinio parecia um menino defronte a um castelo que estivesse vendo pela primeira vez. Manifestou enfaticamente o desejo de que o carro subisse pela rampa da porta principal das muralhas, e se entristeceu ao lhe dizerem que era contramão. Pediu então que o veículo prosseguisse o mais lentamente possível, para dar-lhe tempo de terminar de rezar o terço e ainda contemplar a cidade.

Findo o rosário, ia percorrendo seu olhar encantado pelo panorama. Afirmou sentir muita bênção já no exterior da cidade, chegando a exclamar em certo momento: “Até a movimentação das folhas das árvores é produzido por um ar que se diria sobrenatural”.

Entramos pela parte de trás de Genazzano, onde se localiza o castelo da família Colonna. Dr. Plinio, a todo instante, me perguntava se eu já havia fotografado tal porta, tal janela, tal vaso de flores, reação que denotava seu maravilhamento com a cidade, maior do que quando vira as fotos dela. Estas — ele o podia comprovar — nem davam idéia do que era a realidade. Chegou a dizer que gostaria muito de possuir uma casa dentro das muralhas de Genazzano, para visitar esta uma vez por ano.

Fachada e torre do Santuário, e muralha que fizeram o encanto de Dr. Plinio em Genazzano

Assim que as paredes do santuário despontaram, indicamo-las a Dr. Plinio, que no mesmo instante começou a rezar inúmeras jaculatórias, enquanto o carro ia se aproximando do edifício sagrado. Logo após descer, desejou dar uma volta pela praça, manifestando continuamente sua consolação com o que via. Quis entrar na igreja de forma lenta, analisando tudo: as paredes, o teto, o órgão, o altar.

“Este é o lugar onde eu gostaria de morrer, bem junto a Nossa Senhora”

Ao deparar com a imagem de Nossa Senhora do Bom Conselho, imediatamente fixou nela seu olhar, e ali permaneceu em oração por volta de uma hora.

Logo de início, segurando uma parte da toalha do altar grande com sua mão esquerda, rezou quatro vezes seguidas o Confiteor. Comungou pouco depois e retornou ao lugar diante do santo afresco para fazer a ação de graças. Pouco antes de terminar as orações, pediu por uma série de intenções especiais, entre as quais: pelo triunfo da Santa Igreja; para que, aos filhos espirituais dele, sejam dadas graças extraordinárias de santificação; pelo retorno dos católicos a um grande fervor religioso e pela conversão de todo o mundo; e ainda, de modo particular, pelo Brasil.

Como Dr. Plinio havia preferido passar pela igreja antes do almoço, ao marcarem os ponteiros 17 horas dirigiu-se a um restaurante da cidade. Durante o percurso, manteve-se em silêncio. Tinha a intenção de permanecer recolhido o dia todo. Era patente estar impressionadíssimo e querer fixar-se inteiro na lembrança do belo afresco.

Manifestando sua profunda devoção à Mãe do Bom Conselho, Dr. Plinio oscula a toalha do altar acima do qual se encontra o milagroso afresco

Quando chegamos ao hotel, dissemos-lhe que certamente ele preferiria almoçar sozinho. Com bondade e muita distinção, agradeceu e aceitou o nosso oferecimento. No restaurante, escolheu o lugar que proporcionava melhor vista para contemplar toda a cidade, sendo a torre da Igreja da Mãe do Bom Conselho a parte mais saliente de todo o panorama.

Durante o almoço, ao chamar o garçom para desossar um coelho à caçadora, fez o único comentário que dele ouvimos nessa ocasião: “Este é o lugar onde eu gostaria de morrer, bem junto a Nossa Senhora”.

“Doravante, um ponto de atração fixo para as minhas idéias”

Dr. Plinio retornou à igreja por volta das 18h. Apenas subira no automóvel, rezou o Ângelus. Ao penetrar no recinto sagrado, quis visitar o corpo incorrupto do Beato Stefano Bellesini. A respeito deste, comentou depois: “A fisionomia dele é muito boa. Tinha-me chamado a atenção a estranha posição do corpo e julguei que fosse por obra de algum decorador artístico. Agora fiquei encantado, ao saber que foi um jeito que ele mesmo deu…” 2

O altar do afresco da Mãe do Bom Conselho, visto através da grade que o protege

Fez questão de tocar seu rosário no vidro que protege o afresco, em especial bem à altura do rosto de Nossa Senhora.

Por volta das 19h, disse estar sentindo frio e muito sono, e propôs retornarmos ao hotel. Conhecedor de meu encanto e devoção pela imagem de Nossa Senhora do Bom Conselho, voltou-se para mim e paternalmente me perguntou: “Meu filho, você não preferiria continuar aqui rezando, enquanto eu retorno ao hotel?”

Pedi então a ele que comparasse o afresco com algumas fotos que em outras ocasiões eu havia tirado daquela imagem. Ele destacou a beleza e os imponderáveis sobrenaturais do original, e comentou: “Eu acho que esta imagem é infotografável e impintável”.

Antes de se retirar, Dr. Plinio ainda disse: “Vamos rezar um ‘Lembrai-vos’ pela alma de Scanderbeg e dos dois albaneses que vieram para cá. Se eles estiverem no Céu, que rezem por nós”.3

Depois afirmou: “Mater Boni Consilii é a imagem mais expressiva que conheci. Meu filho, que grande bênção ter vindo até aqui! Quando eu voltar a São Paulo, Genazzano passará a ser um ponto de atração fixo para as minhas idéias.”

“Tem-se a impressão que a oração vai para o céu”

Quem teve o privilégio de observar Dr. Plinio nos momentos de seu encontro com a Mãe do Bom Conselho de Genazzano, dificilmente consegue exprimir todas as suas impressões. Contudo, dado seu modo de ser extremamente comunicativo e apostólico, o simples fato de ele desejar permanecer em silêncio o tempo inteiro mostra o quanto a imagem falava à sua alma.

Tanto assim que resolvemos lhe sugerir passar três dias inteiramente recolhido, sem ser incomodado com assuntos práticos ou ficar ao acesso de consultas de vários tipos, pois assim ele poderia se ocupar unicamente com Ela. Aceitou com toda a naturalidade, dizendo que já estava pensando em nos propor esse procedimento. O próprio retorno ao hotel — mais ou menos 30 minutos de percurso — foi feito em silêncio.

Felizmente, seus acompanhantes compreenderam ser melhor deixá-lo só diante de Nossa Senhora do Bom Conselho. Era preciso permitir que ele tivesse um convívio íntimo, sacral e privado com Aquela que sempre foi o vigor de sua fortaleza, a luz de sua fé e a realização de sua esperança.

Na manhã seguinte, Dr. Plinio afirmou haver em Genazzano algo de sobrenatural que lembrava um aspirador de pó — imagem um tanto singular, dizia ele, mas muito expressiva. Genazzano parecia ser um eficientíssimo aspirador de orações: “Rezando-se aqui, tem-se a impressão que a oração vai de fato para o Céu. É uma verdadeira maravilha!”

Na mesma manhã, comentou que há certas ocasiões em que devemos rezar por nós mesmos: “Eu não oculto que, ontem, diante da imagem de Genazzano, o principal objeto de minhas orações, além da Igreja, fui eu próprio. Eu sou responsável por mim diante de Deus. Se eu não rezar bastante por mim mesmo, onde vou parar?”

Nossa Senhora “abre” o Santuário de Genazzano a horas não habituais

Com visita marcada a Subiaco, situado a não grande distância de Genazzano, Dr. Plinio pretendia aproveitar o ensejo para novamente estar com  a Mãe do Bom Conselho: “Indo a Subiaco, ainda vou rezar um pouquinho a Ela, na ida e na volta, porque é indispensável. Agora, vamos. São Bento nos chama” — disse ele.

Aproveitando a oportunidade de enriquecer ainda mais aqueles dias de contemplação e recolhimento, Dr. Plinio visitou o célebre mosteiro beneditino de Subiaco

A ida ao célebre mosteiro tomou toda a manhã. Certamente pela estafa resultante da travessia do oceano e da mudança de fuso horário, etc., Dr. Plinio, após o almoço, dormiu das 15h às 18h. Ao despertar, seu primeiro anseio foi retornar aos pés da Mãe do Bom Conselho. Foi comovedor perceber sua tristeza quando ele soube ser impossível chegar a tempo ao santuário, pois o rush de domingo à noite tornaria moroso nosso acesso a Genazzano, partindo de Fiuggi, onde nos encontrávamos. Entretanto, tal era seu empenho que insistiu: “Mas não haverá um meio de me introduzirem na igreja, apesar da hora?”

Telefonou-se, então, para o convento dos agostinianos e, por condescendência, um dos padres prometeu aguardar-nos por mais trinta minutos após a hora normal de fechamento do templo. Apesar da benevolente promessa do bom frade, quando chegamos já eram 19h30, e, por cúmulo, os que ali estávamos não sabíamos com qual dos sacerdotes fora feita a combinação.

A situação estava sem saída, quando, por uma graça que só posso atribuir à Mãe do Bom Conselho de Genazzano, outro padre veio nos abrir a porta.

Longo tempo ante o santo afresco

O sacerdote que nos atendeu estava tão solícito que deixou Dr. Plinio das 19h45 até 21h30 diante do afresco. Foram momentos de muita graça e muita unção. Novamente osculou várias vezes a toalha do altar, tal qual o fizera no seu primeiro encontro com a Mãe do Bom Conselho. Porém, agora não o vimos rezar o “Confiteor”. Ao terminar de orar, voltou-se para nós e propôs recitarmos o “Magnificat” em conjunto. Como lhe pedíssemos que nos ouvisse recitar um “Confiteor”, quis participar também. Ao lhe dizermos que ele não tinha essa necessidade, fechou a fisionomia, retrucando com muita gravidade que queria rezá-lo conosco. Quis prosseguir as orações com o “Te Deum”, mas não o encontrando no livro de preces, escolheu o “Veni Creator Spiritus”. E, por fim, rezou a Consagração a Nossa Senhora segundo o método de São Luís Maria Grignion de Montfort, na qual incluiu os que estavam presentes, como também os integrantes de sua obra espalhados pelo mundo, os que virão a ser dela, e uma prece especial pelos que dela haviam participado.

Passeio pelas ruas de Genazzano

Ao nos retirarmos da igreja, desejou fazer um passeio pelas ruas não carreáveis de Genazzano. São estreitíssimas, de um pitoresco excepcional. Novamente, parecia um menino visitando uma cidade medieval pela primeira vez. Não havia canto, arco, floreira ou janela que não elogiasse. Qualquer detalhe lhe chamava a atenção e era por ele comentado. Imbuído de senso altamente construtivo, passou a imaginar uma grandiosa e eloqüente cena de teatro, tendo como base aquele pitoresco e inocente quadro da história da pequena cidade. Quiçá algum dia as pedras daqueles muros e ruelas poderão contar o que ouviram nessa ocasião…

Quando Dr. Plinio deixava as inspiradoras muralhas da cidade, um suspiro aflorou a seus lábios: “Ai, ai! retornar à rotina da vida moderna! Deixar os perfumes históricos e legendários dessas ruelas para retomar o quotidiano sem graça das cidades de hoje em dia! Comparada com Genazzano, até Fiuggi parece sem muita substância” (cidade já mencionada atrás, onde ele estava hospedado, e que também tem seu pitoresco).

Dr. Plinio diante do corpo incorrupto do Beato Stefano Belesinni

Despedida de Genazzano: “Sai-se daqui dilacerado”

O dia 26 de setembro constituiu para ele uma verdadeira maratona.

Novamente, ao chegar à igreja de Mater Boni Consilii, as portas iam sendo fechadas pelo Pároco. Não sabemos explicar mais uma vez o que se passou nessa ocasião: o sacerdote não apenas deixou a igreja aberta para Dr. Plinio rezar quanto quisesse, como se dispôs a auxiliá-lo em tudo o de que necessitasse.

Terminadas suas orações diárias, no momento de sair do recinto sagrado, Dr. Plinio exprimiu sua dor por abandonar aquela redoma de bênçãos: “Sai-se daqui dilacerado”. Antes de ir embora, fez questão de visitar pela última vez o corpo incorrupto do Beato Stefano Belesinni.

O próximo encontro foi no céu

Ao entrarmos em Roma, Dr. Plinio exclamou: “Se pudéssemos viver numa cidade como Genazzano, seria extraordinário. Apesar desse desejo, eu preciso voltar a São Paulo. Se eu decidisse ficar aqui, na hora de ir à Missa, sentir-me-ia como um soldado que se apresentasse a seu general, dizendo: ‘Resolvi abandonar aquele campo de batalha, porque este aqui me é mais cômodo’. Sinto que, se não retornasse a São Paulo, estaria cometendo uma grande falta”.

Dr. Plinio não mais voltaria a visitar, em Genazzano, sua querida Mãe do Bom Conselho… a não ser 7 anos depois, em 3 de outubro de 1995, mas aí, já no palácio celeste onde Ela está em seu trono.

(João S. Clá Dias foi secretário particular de Dr. Plinio e é autor de vários livros, entre os quais “Mãe do Bom Conselho”, de 1992, publicado em português, inglês, italiano e albanês.)

1) Em dezembro de 1967, Dr. Plinio encontrava-se internado em um hospital paulistano, convalescente de uma operação motivada por grave enfermidade. Ali foi que ele recebeu de presente um quadro com a reprodução fotográfica do afresco de Nossa Senhora do Bom Conselho de Genazzano. Ao contemplá-lo, foi favorecido por uma insigne graça sensível de consolação e confiança, que assinalaria profundamente sua alma até o fim de seus dias. Para maiores detalhes,  ver o artigo «Uma graça que marcou a vida de Dr. Plinio», em nossa  edição de dezembro de 1999, pp. 16-23.

2) O corpo do Beato encontra-se num esquife de cristal. Na ocasião em que foi transladado, constatou-se que essa urna era pequena para a estatura do cadáver. Sendo impossível acomodá-lo nela, o superior dos agostinianos ordenou-lhe, em nome da santa obediência, que encolhesse as pernas. Foi imediatamente atendido, e nesta postura o corpo é visto hoje.

3) Scanderbeg foi o último — e o maior — herói católico da Albânia do século XV, na luta contra a invasão maometana. Após sua morte, a resistência albanesa se esboroou. Georgio e De Sclavis representavam o que a Albânia ainda conservava de fiel. Quando, dominado o país pelos turcos, o afresco de Nossa Senhora do Bom Conselho se destacou milagrosamente da parede e se alçou nos ares, acima do Mar Adriático em direção à Itália, os dois o seguiram caminhando sobre as águas. Acerca dessa história extraordinária, ver o mesmo artigo mencionado na nota 1, e “Mãe do Bom Conselho”,  de João S. Clá Dias.

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