Assim como na época do jovem Plinio, a mocidade de hoje procura resolver o problema da verdadeira felicidade

Quantos infelizes há hoje em dia! Contudo, nunca as pessoas correram tão febricitantemente ao encalço da felicidade como nossos contemporâneos. Nunca a felicidade lhes escapou tanto das mãos. Mas, saberão de fato o que procuram? E o objeto dessa busca incessante será a genuína felicida­de? Dr. Plinio aborda o assunto.

U m problema que freqüen­temente se põe para os jovens do mundo contem­porâneo diz respeito à verdadeira felicidade: onde e de que maneira alcan­çá-la?

Ainda me lembro de como esta ques­tão se apresentava aos moços do meu tempo de adolescente, e acredito que, com algumas variações, o modo de considerá-la continua o mesmo.

Em geral, eram rapazes que não enfrentavam dificuldades graves de nenhuma espécie, criados em ambien­tes familiares bem constituídos, e com toda uma existência regular à sua frente. Nessas condições, o moço logo pensava no que fazer para ser feliz. E começava a analisar algumas pessoas ao seu redor — parentes, amigos, ou simples conhecidos — as quais, no entender dele, destacavam-se por parecerem donas de uma indiscutível felicidade. Se ele era um pouco mais cres­cido ou exigente, seu panorama se alargava, procurando considerar também os “felizes” do seu país e os do mundo.

Rir e divertir-se continuamente, a máxima e falsa idéia de felicidade engendrada pelo egoísmo do homem moderno

Falsa idéia de felicidade

Dessas análises, a primeira noção que vinha ao espírito do jovem é a de que o homem nasceu para ser feliz. E se assim não fosse, a bem dizer não valia a pena ter nascido. Portanto, o normal nesta Terra é a alegria contí­nua, nunca interrompida por nada de desagradável. Apenas o bem-estar, as boas perspectivas, as idéias animadoras, aquilo que faça as pessoas conver­sarem de modo jovial, agradável e, sobretudo, as faça rir. Eis a máxima no­ção de felicidade.

Então, numa roda de amigos, quan­to mais se ri, mais se supõe que estão felizes. E se são pessoas que têm o há­bito de estarem sempre sorrindo, os ter­ceiros se referem a elas como sendo muito venturosas, porque demonstram seu contínuo regozijo interior.

As conseqüências desse estado de es­pírito eram as seguintes: primeiro, possuíam a felicidade ininterrupta aque­les que riam constantemente, os quais realizavam uma espécie de pa­raí­so neste mundo. Em segundo lugar, quanto mais alguém tivesse uma atitude que convidasse os outros à alegria e à diversão, tanto mais seria uma companhia procurada. Porque o jo­vem capaz de ditos jocosos e de provocar a hilaridade em torno de si, faz o papel de um spray de felicidade, de cujas ema­nações todos querem se beneficiar.

Assim, era uma verdadeira satisfa­ção a pessoa ser engraçada, pois a que­riam por toda parte. Havia um pique­nique, uma excursão, uma festa? Os pa­rentes mais afastados, os conhecidos mais vagos, os colegas que menos se davam com ele, o convidavam. Formavam grandes rodas em torno do personagem, riam de suas anedotas, e se encantavam vendo como ele espargia o júbilo à sua volta. O rapaz engraçado — ou a moça engraçada — era o eixo e o centro de tudo.

Para si próprio, esse indivíduo acaba não desejando outra coisa senão a felicidade de todas as formas. E para se pôr nessa perspectiva de bem-aven­turança terrena, ele estabelece planos e coordenadas, determina com que pes­soas deve andar, quais as atitudes que deve tomar, os objetivos que lhe inte­ressa alcançar, etc. E se lança na vida à procura do que ele imagina ser a completa felicidade.

Desiludidas com prazeres que não as satisfazem, crianças se suicidam nos Estados Unidos – algo inimaginável no tempo em que os alegres meninos da ilustração ao lado brincavam no interior de seu modesto lar (“A máscara” tela de Chierici)

Como não será difícil perceber, o contentamento assim concebido é exclusivamente egoístico, baseado na pro­cura e na fruição dos prazeres pessoais e mundanos. Trata-se de ir atrás de todas as satisfações, lícitas e ilícitas, fugindo da morte quanto for possível, das prolongadas doenças, das de­ficiências físicas, das contrarie­da­des morais e psicológicas, dos infortúnios e dos sofrimentos.

Graves conseqüências das alegrias frenéticas

Ora, essa corrida desenfreada atrás de uma felicidade incessante e equivo­cada esmigalha tanto a alma e a personalidade do homem, deforma-o tan­to que ele se esquece por completo do que seja a verdadeira felicidade. E não pode haver pior infelicidade do que a de ficar cego para a autêntica alegria. A pessoa a deseja e não compreende onde ela está; procura e não a encontra; e, no fim de longos ou breves anos, a vida dela se torna vazia e deixa de ter sentido. Daí surgem os desastres de toda espécie que vemos pelo mundo. É a catástrofe geral das coisas. Um triste exemplo dessa tra­gédia humana, a meu ver paradigmá­tico, é a espantosa ocorrência de sui­cídios de crianças nos Estados Uni­dos, por excelência a “terra da felicidade”…

Compreende-se. É o resultado do enganoso ambiente de prazer que cer­ca a criança desde o berço, e no qual sempre lhe fica faltando algo. Ela imagina que carece de prazeres ainda maiores. Então, é outro brinquedo, outra diversão. Não basta. Quer mais. E quan­to mais ela tem, mais ela se persuade de que não é suficiente. E neste ponto atinge um extremo de frenesi por on­de ela, nos rudimentos de lógica que possui, pensa: “Só o que é gostoso torna feliz. Se tudo que é gostoso a mim não me fez feliz, então…”. Ela acaba pondo um termo à sua própria existência.

Não muito distintas dessas desilu­sões infantis são as que acometem os homens que buscam a felicidade nos pecaminosos prazeres da impureza. Cumpre considerar de frente: as prá­ticas imorais e libidinosas que já não conhecem freios, também não trazem a almejada satisfação completa que as pessoas tanto desejam. A prova?

“Eu era um menino imensamente feliz. Que alegrias carregava dentro de minha alma! Sobretudo quando ia à igreja (do Sagrado Coração de Jesus), que me parecia um santuário celestial…”

Imagine-se o leitor sentado no ban­co de uma praça, defronte a um hotel de máximo luxo, cujas dependências oferecem a seus hóspedes o que pode haver de melhor, de mais opulento e confortável. Portanto, um lugar de gozo, de bem-estar e felicidade ideais. É tarde da noite, e nota-se que as lu­zes dos quartos começam a se apagar. Dir-se-ia o descanso delicioso depois de um dia magnífico, transcorrido na diversão e no prazer. Porém, dali a instantes uma luz se acende num dos aposentos. Depois em outro e em ou­tro… Os hóspedes passaram a madrugada mudando de quartos. Estas dependências lhes trouxeram felicida­de? Não, porque onde há mudança, não há satisfação.

A metáfora nos serve para comprovar a infelicidade decorrente da impu­reza: tantas combinações ilícitas, tantos concubinatos, tantos casamentos desfeitos, tantas ligações efêmeras e pecaminosas, tanta corrida frenética atrás de mais e mais prazeres sensuais, não são sintomas de que nin­guém encontrou a felicidade em cada um deles? Por isso mudam a toda hora, por isso nunca se saciam, como os hóspedes nos quartos do hotel mítico.

Eis a inevitável conclusão: o mundo de hoje não conhece a felicidade autêntica.

Onde encontrá-la?

O homem verdadeiramente feliz

A verdadeira felicidade não está nessa avidez de emoções e de sensa­ções prazerosas, mas na temperança oriunda da fé católica, apostólica, romana, bem correspondida. É feliz o homem que compreende a realidade desta vida como ela é, que sente todas as coisas nas suas devidas proporções e diante delas reage em conseqüência. É o homem imbuído da noção de que não é razoável nem é de acordo com a natureza humana — portanto, não é também de acordo com a moral católica — querer a todo momento algum prazer, alguma satisfação.

Nunca um homem foi tão invejável como o Homem-Deus no auge de sua tristeza (Cristo da Piedade, Avignon)

O homem feliz vive do equilíbrio entre a realidade e as vibrações que ela provoca. Não foge do sofrimento nem do que é desagradável. Se algo é ruim, ele procura remediá-lo. Se não é possível, pede a Deus resignação e forças para se habituar às condições desfavoráveis e às provações que Nosso Senhor dispôs que ele sofresse, entendendo que é para o seu bem, para alcançar méritos para a outra vida — esta, sim, feita de uma felicidade pe­rene e sem jaça.

O homem verdadeiramente feliz é aquele que tem a consciência tranqüila, porque possui uma alma batizada e virtuosa, fiel aos Mandamentos da Lei de Deus, do mesmo modo que quando se é pequeno e inocente.

Volto, uma vez mais, a um exemplo pessoal. Sempre me lembro, com sau­dades, da minha primeira infância, antes de entrar no Colégio São Luís. Eu era um menino imensamente feliz. Que alegrias eu carregava dentro de minha alma! Que felicidade eu sentia dentro de mim! Tão intensa que, um pouco mais capaz de raciocinar, co­mecei a analisá-la e a procurar a cau­sa de tanto júbilo.

Era a sensação da consciência sa­tisfeita consigo mesma e em paz com Deus. Era a felicidade da inocência primeva, que a pessoa carrega em si enquanto não ofende a Nosso Senhor. É uma disposição de espírito con­so­nante com a doutrina católica, de tal maneira que todas as coisas criadas por Deus aparecem aos olhos do ino­cente com o fulgor de uma extraor­dinária beleza, e produzem no seu íntimo um deleite cuja razão ele não sa­be explicar bem; mas é que, no fundo, essas coisas são símbolos do próprio Deus, foram criadas à imagem e se­melhança d’Ele, e por isso despertam essa alegria que não sabemos definir, parecida vagamente com aquele gáudio inimaginável que teremos quando contemplarmos face a face o Criador.

A posse de um estado de alma on­de tudo nos oferece essa impressão, onde estamos em condições de ver e de nos encher dessa alegria, porque é um reflexo de Deus e, portanto, nos comove de modo intenso — isso sim dá uma verdadeira felicidade. Uma ale­gria que chega a seu ápice genuíno quando se começa a conhecer e a amar a Santa Igreja Católica. Mais do que um magnífico panorama, mais do que uma estupenda flor, mil vezes mais do que qualquer saboroso prato de comida, mais que tudo nos cumula de satisfação a Esposa Mística de Nosso Senhor Jesus Cristo.

No que me diz respeito, já tive oportunidade de narrar como me sentia feliz ao ir à igreja nos dias de preceito. Como ela me parecia um santuário celestial, transmitindo-me as mais eloqüentes impressões de harmonia, na sua composição de cores e de formas, parecendo-me tão digna, tão séria, tão recatada, enfim, a expressão da própria santidade. Sobretudo no momento da Missa, quando os sinos e o órgão tocavam, o sacerdote entrava revestido de lindos paramentos e o coro entoava belos cânticos religiosos. Depois, a hora da Consagração, a elevação do cálice, atos que me enchiam de amor e entusiasmo pela Liturgia católica. Eu comun­gava, e tinha a convicção de que o Cor­deiro de Deus que tira os pecados do mundo, o Homem-Deus estava dentro de mim. Misteriosamente, toda aquela felicidade chegava ao auge: “Oh! Que maravilha!”

Além disso, comecei a notar que havia uma correlação e uma unifor­midade entre os aspectos exteriores da Igreja e os seus ensinamentos, sua doutrina e a vida dos seus Santos. Ha­via uma correlação entre a forma de uma pia de água benta, por exemplo, e o espírito de tal santo, ou entre a virtude de um outro e a cor de um vi­tral ou o som de um órgão. Parecia-me que tudo isso provinha de um ser infinitamente superior, que se deixava ver misteriosamente aqui, lá e acolá por aqueles símbolos da Santa Igreja e por aquela ação que ela produzia no interior das almas fiéis.

Daí a conclusão: “Por mais que so­fra, por mais que lute, por mais que haja dificuldades, ainda que fosse ape­nas para levar uma existência, tanto quanto possível, digna de ser vivida neste vale de lágrimas, valia a pena, só para ser filho da Igreja. Aí o ho­mem encontra a parcela de felicidade — mas que parcela de ouro! — que a vida pode de fato dar.

Que Maria Santíssima, Causa de Nossa Alegria, alcance-nos a felicidade autêntica

O bem-estar da dor cristã

Mas, ao mesmo tempo em que se alcança essa felicidade, compreende-se também que a venturosa influência da Igreja só perdura nas almas na medida em que elas saibam sofrer. Então o bom católico começa a compreender o valor do sofrimento, do qual os pseudo-felizes tanto fogem. De fato, a dor é para a alma humana o que é o fogo para um metal que deve ser sepa­rado da ganga e purificado: sofre-se, porém com resignação e dignidade. Isso dá à alma uma tranqüilidade, uma harmonia, uma força que não há prazer que pague. Oh, o bem-estar da dor cristã!

Às, vezes, quando pequeno, eu me colocava diante de crucifixos ou imagens do Senhor Bom Jesus e, olhando-as, pensava: “É misterioso, Ele está co­berto de dores, mas se percebe n’Ele uma congruência, um vigor, uma coerência, uma resignação que me levam a dizer: nunca um homem foi tão invejável como o Homem-Deus no auge de sua tristeza!”

É preciso, portanto — se este for o desígnio da Providência para nós —, ter a coragem de penetrar no mar de dores e agüentá-las. Quando se procede assim por amor de Deus, uma certa doçura penetra em nós e nos habita, uma suavidade que é única e que faz parte desse bem-estar de ser filho da Igreja.

E quando perseveramos nes­se estado de espírito, no extre­mo do cami­nho as alegrias do tempo de infância renascem, alcandoradas e elevadas a um grau muito maior, porque ba­nha­­das pelo sobrenatural. Então as compreendemos e apro­veitamos melhor. Chegamos felizes ao término da vida, à espe­ra de sermos conduzidos por nos­so Anjo da Guarda até a pre­sença do Altíssimo, para O contemplarmos numa inunda­ção de felicidade de que não se po­de ter idéia. Aí nos serão fran­queados todos os graus e formas de alegria, superiores às mais ino­cen­tes de nossa melhor e mais primeira inocência, às mais fervo­rosas dos momentos cruciais de nossa vida.

Peçamos a Nossa Senhora, Ela que é a Causa de Nossa Alegria, que nos conceda a verdadeira felicidade. Será, muitas vezes, a felicidade da dor. Per crucem ad lucem : pela cruz se vai à luz. Tenhamos coragem, e lá chegaremos.