Flavio Lourenço
Torre de Babel Museu Soumaya, Cidade do México

Consumado pelos filhos de Satanás, o pecado de Revolução excede em gravidade e amplitude os cometidos na Torre de Babel, em Sodoma e Gomorra, que mereceram o terrível castigo divino. Em nossos dias o mal circunscreveu e dominou tudo, tornando a situação cada vez mais insuportável para os bons.

Na linguagem empregada até há pouco tempo, quando se queria dizer que um lugar era de desordem, de caos, afirmava-se ser uma verdadeira Babel. Não sei se a expressão se conserva ainda hoje, em que tantas coisas têm caído, mas é muito razoável e indica o quanto ficou na memória dos homens, e permanecerá até o fim do mundo, a lembrança do castigo da Torre de Babel.

Com que palavras precisas a Sagrada Escritura nos relata esse castigo! A narração é ao mesmo tempo majestosa, simples, curta e suculenta, reunindo perfeições, na aparência opostas, que a palavra de Deus facilmente – porque para Ele todas as maravilhas são fáceis – põe ao alcance do homem.

Um mandato de Deus

O fato histórico narrado é o seguinte: Os povos tinham o mandato, concedido pelo Criador, de ocuparem a Terra inteira. Eles vieram caminhando do Oriente para o Ocidente e, em determinado momento, entenderam que precisavam se dispersar. Eram tão numerosos que naturalmente se dividiriam em vários povos, deveriam ocupar a Terra e fazer a conquista de riquezas e espaços novos. A população era por certo grande demais para a terra efetivamente possuída até então. Em vez de fazerem uma reforma agrária, eles resolveram se dispersar, e ninguém julgou isso uma tirania nem uma tragédia, era a saudável e gloriosa expansão dos povos pela Terra.

Efeito psicológico causado por uma invenção

A esse fato – que estava nos desígnios da Providência, era uma ordem de Deus – associou-se um estado de espírito mau, e daí veio o resto.

Eles fizeram uma invenção que pode ter causado no espírito deles um efeito psicológico parecido ao de todas as posteriores invenções do homem. Quando ele inventa algo – na ordem da natureza, das coisas materiais –, faz aplicação à Criação feita por Deus da inteligência que o Criador lhe deu, e descobre mais algo que não estava ao acesso do intelecto dos seus antepassados, permitindo-lhe um melhor modo de viver.

A invenção promove o homem aos olhos de si mesmo porque ele se torna mais senhor da terra, mais eminente, mais rei. E naturalmente isto lhe dá uma certa ebriedade, em razão da qual ele pode tomar pela vida um tal encanto que com facilidade se esqueça de Deus, e até mesmo pode passar pela sua mente desafiar o Criador. É este o fenômeno que se dá com o progresso moderno, o homem de hoje e Deus.

Flávio Lourenço
Ló, com suas filhas, fugindo de Sodoma – Museu de Belas Artes de Strasburg, França

O homem atual faz com frequência novas invenções pelas quais julga-se levado ao auge e se sente dignificado, mas ao mesmo tempo tem a tendência a esquecer e desafiar o Criador. Ele é quem descobriu, fez, arranjou… Deus não entrou em nada.

Procedimento moral dos homens diante das invenções

A julgar pelo texto bíblico, isto se deu com uma invenção bastante modesta, para nós tão simples que somos levados a sorrir, mas para eles muito importante: o tijolo.

Pode-se imaginar, no tempo em que as casas eram feitas de pedra, a trabalhadeira que dava para construí-las. Eles não tinham dinamite para desagregar as rochas. As pedras eram quebradas com trabalho, transportadas com esforço, deixando naturalmente fendas se não conseguissem talhá-las exatamente. Usavam blocos colossais, provavelmente para evitar muitos transportes.

De repente, eles descobrem uma pedra mole, o tijolo, que fazem do tamanho que querem, produzem próximo do local onde vai ser feita a construção, a qual levantam facilmente e com rapidez. A arte nasceu.

Como tantas vezes sucede, quando o homem inventa um processo novo, este é prático, porém mais ordinário. E a invenção do mais recente importa numa baixa de nível.

Há palácios magníficos construídos de tijolos. Basta pensar em Versailles. Poder-se-ia mencionar centenas ou milhares de outros. Mas, sem dúvida nenhuma, aquilo que é edificado de pedra tem outra grandeza.

Inventa-se uma coisa mais fácil, mais rápida, mais barata, mais ordinária, e os homens se alegram. A partir desse momento entra o pecado, o castigo. É o gráfico do procedimento moral dos homens diante de tantas ocasiões em que encontram o progresso.

Seríamos quase tentados a dizer que todo o progresso material é uma ocasião de tentação. E seria melhor que não existisse progresso material para não haver tentação. Raciocínio simplório… Na Idade Média, os progressos materiais foram sem conta. Há alguns anos li uma lista que a historiadora muito boa, Elaine Sanceau1, apresenta dos progressos materiais havidos nessa época. Entretanto, os homens não se orgulhavam, tinham espírito de Fé e eram bons católicos.

Faltou esse fervor aos homens no momento de sua dispersão na Torre de Babel. E o castigo veio. Veremos agora como se deu isso.

De uma comemoração grandiosa…

Ora, a terra tinha uma só língua e o mesmo modo de falar. Mas os homens, tendo partido do Oriente, encontraram uma planície na terra de Senaar e habitaram nela. E disseram uns para os outros: Vinde! Façamos tijolos e cozamo-los no fogo. E serviram-se dos tijolos em vez de pedras, e de betume em vez de cal traçada. (Gn 11, 1-3)

Flávio Lourenço
Construção da Torre de Babel Museu Real de Belas Artes de Bruxelas, Bélgica

Flávio Lourenço

Não tive tempo de ver os exegetas, mas me parece que eles inventaram o tijolo nesse momento.

E disseram: “Vinde! Façamos nós uma cidade e uma torre cujo cimo chegue até o céu, e tornemos célebre o nosso nome, antes que nos espalhemos por toda a terra.” (Gn 11, 4)

Eles estavam, portanto, com o propósito de fazer uma cidade magnífica para os que permanecessem lá. Estes teriam duas vantagens: não precisariam realizar uma viagem e ficariam morando numa cidade com uma grande torre comemorativa.

A humanidade, antes de se dispersar, fazer uma enorme torre é uma bonita ideia, muito melhor do que essas plaquinhas comemorativas que se colam em todo lugar. Uma torre de comemoração é uma coisa magnífica. Que grandeza, que discernimento tem isso!

Seria um monumento venerado na terra inteira. Quem sabe se posteriormente se encontraria ali um tijolo contendo a narrativa – escrita ou pelo menos desenhada – da dispersão, com marcas características dos chefes dos principais povos! Faria parte da História Sagrada e se tornaria um lugar de peregrinação. A Igreja, que ama todo o passado, teria construído capelas magníficas dentro dessa torre.

… a um desafio insolente contra Deus

Mas eles não falam em dar à torre o significado de um monumento agradecendo a Deus, por ter desenvolvido o gênero humano até que chegasse a hora de se dispersar e conquistar a Terra. Dizem simplesmente que pretendiam engrandecer a si mesmos. Como? Chegando até o céu…

É algo completamente ridículo porque sabemos que o céu é inatingível. É uma ideia orgulhosa, o gráfico do progresso.

Então, Deus diz o seguinte:

O Senhor, porém, desceu a ver a cidade e a torre que os filhos de Adão edificavam. (Gn 11, 5)

O modo de exprimir é muito interessante, para dar a entender que o Criador tinha a atenção posta sobre a conduta dos homens.

E disse Ele: “São todos um só povo e têm a mesma língua, e começaram a fazer esta obra; e não desistirão de seu intento até que a tenham de todo executado.” (Gn 11, 6)

Quer dizer, eles estavam pertinazes naquilo. Deus viu que iriam fazer pelo menos uma torre altíssima e um desafio insolente a Ele. As graças não os demoveriam, eles permaneciam resolvidos.

“Vinde pois! Desçamos e confundamos em tal sorte a sua linguagem que não se entenda a voz um do outro.” E assim o Senhor os dispersou daquele lugar por todos os países da Terra, e cessaram de edificar a cidade. (Gn 11, 7-8)

Ou seja, embriaguez no progresso, ateísmo. Resultado: confusão, dispersão.

Eu pergunto: É diferente o que se dá hoje no mundo? É bem isso: confusão geral em tudo e dispersão. Os homens, julgando a Terra insuficiente para nela viver, tentam até passar para outros planetas: conquistar, saber como é, mas no mundo reina o caos, a dispersão, a confusão. Mais ainda: na Igreja Católica reina a mais terrível confusão. As “línguas” se tornaram diferentes.

Aquela despedida poderia ter sido em ordem, fraterna: Todos estariam cansados por terem imolado a Deus incontáveis vítimas. Então, uma luz do céu desceria sobre essas vítimas, iluminando todo o campo e indicando o caminho dos vários povos. Eles, entretanto, com certeza partiram guerreados uns com os outros e num frenesi de mal-estar, de conquista, de dominação que marcou com uma nota de agitação e inquietude toda a História Universal.

É inútil fazer uma ONU para consertar isto. Porque só se conserta com uma penitência, uma verdadeira emenda de coração a Deus Nosso Senhor.

Gabriel K.
Abraão recebe os três Anjos – Galeria Nacional de Otawa, Canadá

Temos, assim, uma narração ilustrativa de como são as vias do Criador quando Ele pune.

Dignidade patriarcal que tem perfume de incenso

Podemos passar para outra narração bíblica.

E o Senhor apareceu a Abraão, no vale de Mambré, quando ele estava sentado à porta de sua tenda, no meio do calor do dia. E tendo levantado os olhos, apareceram-lhe três homens que estavam em pé junto dele.

Logo que os viu, ele correu da porta da tenda ao seu encontro e prostrou-se por terra, e disse: “Senhor, se achei graça diante de teus olhos, não passes sem parar na casa do teu servo. Mas eu trarei um pouco de água e lavarei os vossos pés, e descansareis debaixo desta árvore. E vos servirei um pedaço de pão e refareis as vossas forças, e depois continuareis o vosso caminho, porque para isso viestes para o vosso servo.” E eles responderam: “Faze como disseste.” (Gn 18, 1-5)

Tudo é interessante nessa cena e reconstrói os costumes antigos. Tão simples, mas com uma nota de dignidade patriarcal que tem um perfume penetrante de incenso, o qual não sei como qualificar.

Naquele tempo as estradas eram muito inseguras. Não havia propriamente estradas, nada que pudesse lembrar nem de longe uma autoestrada, eram atalhos, veredas meio feitas por animais e outros homens que a tinham percorrido, nenhum hotel. A pessoa, portanto, hospedava-se nas casas por onde passava. E o viajante era considerado enquanto tal um carente, para usar a linguagem de hoje, um necessitado. Porque não podia viajar levando as malas cômodas, uma ou outra vez elegantes, que se usam hoje, com todos os recursos que se consegue transportar com os meios de locomoção modernos. Uma pessoa, às vezes, necessitava andar dois, três dias comendo, bebendo mal, dormindo ao relento com perigo de tempestade. Resultado: quando chegava a algum local estava exausta, quase numa condição de mendigo. Então qualquer dono de casa tomava como ponto de honra tratar muito bem os que passavam.

Mais: Como Deus queria que se tratasse os passantes como se fossem Ele mesmo, os viajantes eram considerados emissários do Criador, mandados por Deus. Portanto, era preciso recebê-los como um presente do Onipotente.

É pitoresca a cena: Abraão no calor do dia sentado junto a sua tenda. Passam três homens, grande novidade no silêncio e na solidão da vida daquele tempo. Abraão corre em direção a eles e não diz o seguinte: “Se quiserem entrar um pouco estejam à vontade.”; ele, pelo contrário, afirma: “Por favor, entrem. Vós sois emissários de Deus, não passeis pela casa de vosso servo sem vos deterdes.” Ou seja, “Eu sou servo dos que passam aqui segundo os desígnios da Providência. Descansai, refazei-vos, quero vos ajudar.”

Flávio Lourenço
Os três Anjos em casa de Abraão – Museu de Belas Artes de Arras, França

As formas francesas de polidez ainda não estavam em uso, a douceur de vivre2 não havia florescido como nos séculos XVI, XVII, XVIII. A resposta é muito simples: “Faze como disseste.”

Deus expõem a Abraão as razões da destruição e Patriarca intercede pelos justos

Tendo-se, pois, levantado dali aqueles homens voltaram os olhos para Sodoma, e Abraão ia com eles acompanhando-os. E o Senhor disse: “Acaso poderei Eu ocultar a Abraão o que estou para fazer, visto que ele há de vir a ser pai de uma nação numerosíssima e poderosíssima, e que todas as nações da terra hão de ser benditas nele?” (Gn 18, 16-18)

Para fazer a vontade de Deus, Abraão caminhava com esses homens rumo a Sodoma porque disseram que iriam para lá. E o Criador, tendo um desígnio em relação a essa cidade, julgou ser cordial contá-lo a Abraão tão seu dileto, pai de um povo que se tornaria numerosíssimo e poderosíssimo, mas sobretudo antepassado do Messias. Está dito no texto: “Pai daquele no qual serão abençoadas todas as nações”, ou seja, Nosso Senhor Jesus Cristo.

E falando de Si para consigo, Deus acrescentou:

“Porque Eu sei que há de ordenar a seus filhos, e a sua casa depois dele, que guardem os caminhos do Senhor, e que pratiquem a equidade e a justiça, para que o Senhor cumpra a favor de Abraão tudo o que lhe prometeu.” Disse pois o Senhor a Abraão. (Gn 18, 19)

É um modo de dizer que Deus conversa assim de Si para consigo, de expor os desígnios de sua Sabedoria, as razões pelas quais Ele agiu. E são expostas de um modo muito bonito e nobre desta maneira.

“O clamor de Sodoma e Gomorra aumentou, e o seu pecado agravou-se extraordinariamente. Descerei e verei se as suas obras correspondem ao clamor que chegam até Mim, ou, se assim não é, para saber.” (Gn 18, 20-21)

A linguagem imita a do homem. É como um rei que mora no alto de um monte, embaixo há uma aldeia e lhe contam que nela se fazem orgias de toda ordem. Um belo dia ele diz: “Vou à aldeia para saber. Se for alguma coisa má, eu castigo; se não for, terei ficado sabendo.”

Numa linguagem análoga, é descrito então que Deus desce até Sodoma e Gomorra, e comenta isso com Abraão.

E partiram dali e foram para Sodoma, mas Abraão estava ainda diante do Senhor. E aproximando d’Ele disse: “Perderás Tu o justo com o ímpio?” (Gn 18, 22-23)

Abraão percebeu que Sodoma ia ser destruída. Levantou uma oração a favor de quem prestasse ali e disse: “Mas na cidade deve haver gente boa… Tu perderás o justo com o ímpio?” Como quem afirma: Tenha pena do justo!

Gabriel K.
Abraão – Igreja de Santa Cuz, Lazio, Itália

E continuou:

“Eu te conjuro, Senhor, não te enfades se eu falar ainda uma vez. Que será se lá forem achados dez justos?” (Gn 18, 32a)

Ele está advogando: Se houver pelo menos dez não se poupará a cidade?

E o Senhor disse: “Não a destruirei por amor dos dez.” E o Senhor retirou-se depois que cessou de falar com Abraão, e Abraão voltou para sua casa. (Gn 18, 32b-33)

Hospitalidade de Lot

Pela tarde chegaram os Anjos a Sodoma …

Aqueles homens eram Anjos. Tinham feito bonecos provavelmente para dar ideia de que eram homens. Eles desceram e chegaram a Sodoma.

… quando Lot estava sentado às portas da cidade…

As cidades eram muito apertadinhas porque dentro delas precisava caber a maior população possível, para resistir em caso de cerco. Ruas estreitas, quase não havia jardins, mas sim claustros internos nas casas, de maneira que era um tanto abafado viver na cidade. Em época de paz suas portas ficavam abertas, e então as pessoas que queriam tomar um pouco de frescor, à tarde sentavam-se do lado de fora da cidade olhando o campo; era um modo de respirar. E Lot estava sentado do lado de fora da cidade, quando chegaram os Anjos.

Divulgação (CC3.0)
Ló à porta de sua casa

…e ele, tendo-os visto, levantou-se, foi ao seu encontro, prostrou-se por terra e disse: “Vinde vos peço, senhores, para a casa de vosso servo e ficai nela; lavarei os vossos pés, e pela manhã continuareis o vosso caminho.” E eles disseram: “Não! Nós ficaremos na praça. Lot insistiu com eles para que fossem para sua casa. E depois que entraram preparou-lhes um banquete, fez cozer pães ázimos e eles comeram.” (Gn 19, 1-3)

A mesma hospitalidade que tivera Abraão, tem Lot para com os estrangeiros que chegam. Ele não sabia que eram Anjos.

Obstinação dos malditos que deliravam pelo pecado

Mas antes que se fossem deitar, os homens da cidade, desde os meninos até os velhos, e todo povo junto ficaram em frente à casa. Chamaram por Lot e disseram-lhe: “Onde estão aqueles homens que entraram em tua casa ao cair da noite? Faze-os sair, para que os conheçamos.” Saiu Lot fechando às suas costas a porta e disse-lhes: “Não queirais vos rogo, meus irmãos, fazer esse mal.” (Gn 19, 4-7)

Flávio Lourenço
A destruição de Sodoma – Museu de l’Oise, Beauvais, França

Vejam bem o tamanho do pecado! Custa crer, mas é esta a narração. Sendo a cidade pequena, soube-se que tinham chegado estrangeiros, porque isto fazia acontecimento. Então foram à casa de Lot para vê-los. Naturalmente o aspecto material que tinham tomado esses Anjos era formoso, o que fez o povo delirar de sensualidade.

Moleza de Lot frente ao castigo

Os dois Anjos disseram a Lot:

“Tens ainda aqui alguns dos teus? Genros ou filhos ou filhas, fazei sair desta cidade todos os que te pertencem, porque nós vamos destruir este lugar, visto que o clamor dos seus crimes aumentou diante do Senhor, o Qual nos enviou para que os exterminássemos.”

Lot, pois, tendo saído falou a seus genros que estavam para casar com suas filhas, e disse-lhes: “Levantai-vos, saí deste lugar, porque o Senhor destruirá esta cidade.” E pareceu-lhes que Lot falava zombando. (Gn 19, 12-14)

Quer dizer, apesar de tudo os próprios genros de Lot, vendo a cidade cega, não atinavam com a gravidade da situação.

Ao amanhecer, instavam os Anjos com Lot dizendo: “Levanta-te com tua mulher e as duas filhas que tens, não suceda que também pereças na ruína da cidade!” (Gn 19, 15)

Parece que o bom Lot estava meio mole. E apesar de ele ser um bom homem, Deus ameaçou-o de morte porque não queria romper com a cidade pervertida. Ai dos que não querem romper com as cidades pervertidas!

Às vezes dizemos isto à graça: “Romper eu quero, mas não tanto. Vou morar longe da Revolução, mas meio chegadinho para dar umas vistas d’olhos a fim de matar um pouco a saudade; quero ter alguma coisa em comum com a Revolução.”

Más saudades levam à falta de integridade de alma

O Senhor fez, então, chover sobre Sodoma e Gomorra enxofre e fogo vindos do céu. E destruiu essas cidades e todo o país em roda, todos os habitantes da cidade e toda a verdura da terra. E a mulher de Lot, tendo olhado para trás, ficou convertida em estátua de sal. (Gn 19, 21-26).

Olhar para trás significa evidentemente que ela teve saudades, xodó, quis encostar um pouquinho e ficou naturalmente transformada em estátua de sal. Ai daqueles entre nós que durante os castigos tenham saudades desta época!

Assim, compreendemos o que essas más saudades podem trazer e que integridade de alma deve-se ter, para não querer de nenhum modo possuir nada em comum com o mundo. Não ser daqueles que, como os judeus que fugiram do Egito, quando chegaram no deserto, tiveram saudades das cebolas.

Nossa alma na vida cotidiana está tão isenta de qualquer admiração pelas coisas do mundo contemporâneo, que ela realmente se alegrará com saudades quando entrar no Reino de Maria? É um exame de consciência que devemos fazer.

O pecado de Revolução é de todo o gênero humano

No pecado de Adão há um aspecto que nos ilustra a respeito disso. Adão era o único homem – ele e Eva o único casal –, mas nele estava contido todo o gênero humano, de maneira que o pecado dele foi, debaixo de certo ponto de vista, um pecado do gênero humano tomado como um todo. E daí o castigo para todo o gênero humano.

Arquivo Revista
Dr. Plinio em novembro de 1981

O pecado de Sodoma e Gomorra foi gravíssimo, chegando até ao delírio, mas de duas cidades e não do gênero humano inteiro, não tendo, portanto, a gravidade diante de Deus de ser um pecado de todo o gênero humano.

Porém, em nossos dias o pecado de Revolução é de todo o gênero humano.

Até o fim do século XIX mais ou menos, dando uma data um pouco arbitrária, muito imprecisa, ainda havia muitos povos que não estavam inteiramente no pecado de Revolução. O povo japonês seria um desses; tinha pecado de outra maneira, a outro título, mas não havia cometido o pecado específico de ter abandonado a Religião Católica e assumido a posição gnóstica e igualitária oposta a ela.

O pecado de Revolução ainda não se tinha tornado, pelo menos num certo sentido, inteiramente universal. O mundo todo era pecador, mas não do pecado de Revolução.

Com a expansão das duas superpotências depois da II Guerra Mundial, mas sobretudo da URSS, os lugares mais distantes se impregnaram da influência delas ao último ponto. O Japão com a americanização prodigiosa; outros lugares do Oriente Próximo, Médio, Extremo, pela comunistização.

Mas o pecado de Revolução hoje é geograficamente mundial, e a esse pecado vai aderindo o mundo inteiro. Pecado muito maior como gravidade e literalmente universal. E a obra que os missionários católicos não puderam conseguir levar a cabo, porque a crise interna da Igreja determinou um retraimento das missões por toda a parte, a Revolução realizou. Então esse pecado foi consumado pelos filhos de satanás, e na Terra o mal rodeou tudo, circunscreveu tudo e dominou tudo.

Naquele tempo, apesar do pecado, Abraão vivia tranquilo. Ele observava aquele pecado, mas estava à margem daquilo. Lot vivia naquilo, mas se não fosse aquele incidente parece que não se desviavam as filhas nem os genros dele.

Hoje não, os últimos que são fiéis ou se unem para formar um mundinho dentro do mundo, convivendo noite e dia juntos, ou prevaricam.

Compreende-se que isto vai tornando a situação cada vez mais insuportável para os bons. E o que se configura não é mais uma semelhança com as condições iniciais da História humana, mas finais, em que os últimos dias serão abreviados porque senão até os justos se perderão.

(Extraído de conferência de 12/11/1981)

1) Escritora e historiadora inglesa (*1896 – †1978).

2) Do francês: doçura de viver.