Imagem venerada na Igreja do Sagrado Coração de Jesus, em São Paulo

Graças a Dona Lucilia, desde muito criança Dr. Plinio desenvolveu uma profunda devoção ao Sagrado Coração de Jesus, aspecto do Homem-Deus que ele procurou cada vez mais explicitar e amar durante toda a vida. Eis um excerto de uma das numerosas conferências dele sobre o tema.

Estando no mês em que se celebra a festa do Sagrado Coração de Jesus, parece-me muito oportuno admirarmos a beleza de algumas das invocações com que O honramos na sua Ladainha. Esta é um verdadeiro tesouro de maravilhas e louvores, próprio a encher nossas almas de amor e adoração a Ele.

Coração do Filho, Coração da Mãe

Tomemos, por exemplo, essa belíssima invocação: Coração de Jesus, formado pelo Espírito Santo no seio da Virgem Mãe.

De algum modo, o Coração de Jesus é o próprio Coração de sua Mãe Santíssima

Se considerarmos o Coração de Jesus em sua realidade material e carnal, objeto de nosso culto como símbolo da vontade de Nosso Senhor e, portanto, do seu amor para conosco; se o considerarmos enquanto formado no seio imaculado de Nossa Senhora, com a matéria que a Mãe fornece para a constituição do corpo do Filho, ligada à divindade d’Ele em união hipostática — compreendemos que a carne de Jesus é a própria carne de Maria, o sangue de Jesus é o próprio sangue de Maria, e, portanto, o Coração de Jesus é de algum modo o Coração de Maria.

Se nos detivermos na evocação desse processo de geração tão admirável, pelo qual Jesus foi assim formado do corpo de Maria, num oceano, num incêndio de amor e de adoração d’Ela para com esse filho que se modelava em suas entranhas, compreenderemos ainda mais como o Coração de Jesus está ligado ao Coração Imaculado de Maria, e como podemos ter uma confiança sem reserva na eficácia da intercessão de Nossa Senhora junto a Nosso Senhor.

Com efeito, Ele jamais poderia recusar qualquer coisa a essa Mãe Santíssima, perfeitíssima, da qual Ele não tem nenhuma queixa, antes o mais superlativo e total contentamento que o Criador pode ter em relação à sua criatura. Mais ainda: de cuja carne virginal Ele sabe ter sido formado a sua própria carne, e cujo Coração pulsa em uníssono com aquele que lateja em seu sagrado peito.

Creio que, para os devotos de Nossa Senhora, essa invocação se reveste de imenso significado, e merece ser recitada com especial fervor.

Um céu de majestade

Outra lindíssima invocação é esta: Coração de Jesus, de majestade infinita.

Segundo o luminoso ensinamento de Santo Agostinho, onde está a majestade, ali se acha também a humildade. As duas são inseparáveis. Daí concluímos que o Coração de Jesus, abismo de humildade, é por isso mesmo um firmamento de majestade.

Se dons artísticos eu tivesse, muito me alegraria representar a figura de Nosso Senhor, exprimindo não apenas a sua majestade ou somente a sua humildade, mas retratá- Lo numa dessas apresentações em que se vê, num só relance, aquilo que a majestade tem de comum com a humildade, ou vice-versa, e que é aquela esfera superior de virtude onde essas duas excelências particulares como que se encontram e se fundem.

Detalhe do altar-mor da Igreja do Sagrado Coração de Jesus (São Paulo)

Algo dessa ligação da suma majestade com a suma humildade me parece existir numa imagem em que não está visível o Sagrado Coração, mas nem por isso deixa de ser muita expressiva nesse sentido: trata-se do Beau Dieu d’Amiens. Ali O vemos com um rei digníssimo, um doutor nobilíssimo, mas ao mesmo tempo tão sereno, tão manso, tão senhor de si, que se percebe que Ele seria capaz de receber a pior injúria e de se conservar inteiramente quieto, pacífico, sem nenhuma reação de amor próprio, desde que fosse esta a atitude mais santa no momento.

No “Beau-Dieu d’Amiens” (ao lado) transparece o vínculo de duas excelências particulares de Nosso Senhor: suprema majestade e suma humildade

Foco de todo o amor de Deus

Outra invocação: Coração de Jesus, fornalha ardente de caridade.

Caridade é o amor de Deus. O fato de o Coração de Jesus ser essa fornalha ardente — ou seja, não só uma fornalha, que de si já traz a idéia do ardor, mas uma fornalha ardentíssima — exprime bem a idéia de que Ele é o foco de todo o amor de Deus. E que a devoção ao Coração de Jesus, por intermédio do Coração Imaculado de Maria, é especificamente esplêndida para quem se lamenta de ser tíbio, de estar se arrastando de maneira vagarosa na vida espiritual. É a devoção mais indicada e mais excelente, capaz de comunicar o fogo e o fervor da caridade a essas almas que deploram sua estagnação nas vias da piedade.

Modelo de verdadeira paciência

Também me parece muito importante para nossa época, a invocação com a qual louvamos o Coração de Jesus, paciente e misericordioso.

“Paciente” significa aquele que sofre. É, portanto, o Coração de Jesus sofredor e misericordioso, pronto a padecer até mesmo as injúrias que Lhe fazem os homens. É o Coração d’Ele enquanto amando o sofrimento, compreendendo que ele é a grande lei da vida e que, sem ele, a existência não vale absolutamente nada. Pois, em última análise, consideradas as coisas sob certo ângulo, o valor de uma criatura humana se mede por sua capacidade de aceitar com coragem e resignação as dores que a Providência dispõe em seu caminho.

E então temos o Coração de Jesus como nosso modelo de paciência. E uma das formas importantes de sermos pacientes, nesse sentido superior da palavra, diz respeito à atitude que tomamos em relação aos nossos próximos. Quer dizer, sabermos aturar os desaforos e provocações, sermos amáveis e bondosos para com aqueles que nos fazem sofrer pelo seu mau gênio, pelas dificuldades de trato, etc. Para isso, é necessário pedirmos ao Sagrado Coração de Jesus essa paciência de que Ele é a fonte.

Além dessa forma preciosa de paciência, uma das expressões mais típicas da capacidade de sofrer é o espírito de iniciativa, por onde o homem vence a preguiça, a moleza, o tédio, o amor a si mesmo e se lança ao trabalho, à sua luta apostólica, e se joga até ao mais grosso e ardoroso dessa luta, se necessário for, quites a deixá-la imediatamente se o interesse da Igreja conduzi-lo no sentido oposto.

Eis a melhor forma de paciência que devemos rogar ao Coração de Jesus, e que é esse espírito de iniciativa e de combatividade, por onde renunciamos a todos os nossos relaxamentos.

Paciente e misericordioso. É a misericórdia enquanto corolário da paciência, disposta a tudo aturar e a tudo perdoar. Sim, convençamo-nos dessa maravilhosa verdade: o Sagrado Coração de Jesus nos perdoa uma vez, duas vezes, duas mil vezes, e só não quer que nos desanimemos de seu perdão.

Assim, esta é a magnífica invocação para nunca perdermos a confiança na clemência de Nosso Senhor, pela intercessão do Coração Imaculado de Maria: Coração de Jesus, paciente e misericordioso. Paciente com os meus defeitos, com os meus pecados; misericordioso em relação às minhas lacunas. Pelos rogos do Coração de vossa Mãe Santíssima, tende pena de mim, ó Senhor.

Vítima que pagou por nossos pecados

Envolvendo idéias análogas à da invocação anterior, temos aquela com que veneramos o Coração de Jesus, propiciação pelos nossos pecados.

Às vezes acontece de nos sentirmos — e as almas mais puras e mais altas o podem sentir até com maior intensidade — fundamentalmente indignos. E compreendemos que diante da justiça infinita de Deus, não somos absolutamente nada. Donde essa invocação constituir inestimável motivo de tranqüilidade para nós. Ela significa que, se meus sacrifícios, sozinhos, não têm valor diante do Altíssimo, há entretanto uma Vítima que vale tudo: porque é uma Vítima sem mancha, sem jaça, ligada por união hipostática à própria divindade. E essa Vítima é Nosso Senhor Jesus Cristo, que se ofereceu por mim, de tal maneira que tudo aquilo que eu tenho receio de não conseguir, esta Vítima alcança.

O Cordeiro de Deus, “propiciação pelos nossos pecados” (imagem do Hôtel-Dieu de Beaune)

Ela carregou os meus pecados, por eles sofreu, e em virtude desse holocausto eu considero minhas faltas vergonha, com contrição, pelo menos com atrição, mas em todo caso com imensa confiança, porque Alguém se imolou e derramou por mim, pela minha salvação, todas as gotas do seu sangue. Por isso eu devo ter confiança, não em mim, mas neste sangue infinitamente precioso que por mim foi vertido à exaustão.

Esse é o Sagrado Coração de Jesus, propiciação pelos nossos pecados.

Fonte de toda consolação

Consideremos uma última invocação: Coração de Jesus, fonte de toda consolação.

A palavra “consolação” encerra dois sentidos: num, quer dizer fortalecimento; noutro, significa alegria, suavidade, unção do Divino Espírito Santo na alma. E nos dois sentidos o Sagrado Coração de Jesus é fonte de toda consolação.

Sabemos o quanto Ele enche de júbilo e de satisfação espiritual as almas que Lhe são devotas, os corações que se abrem para a sua bondade infinita.

Mas importa compreendermos, também, que a nossa força vem d’Ele. E quando nos sentimos fracos, tíbios, desorientados, sobretudo quando estamos sem coragem diante de algum grande ato de generosidade, não devemos fazer olimpismo e praticá-lo, imaginando que por nosso próprio mérito o conseguiremos. Não. O Coração de Jesus é a fonte de toda a força. Por meio do Coração Imaculado de Maria, canal único e necessário para nos aproximarmos do Coração de Jesus, temos de nos dirigir a Ele e implorar as forças de que carecemos.

E seguramente não seremos frustrados em nosso pedido. Em determinado momento sentiremos a força de que precisamos, inclusive e acima de tudo, para realizarmos as coisas mais árduas e difíceis com relação à nossa vida espiritual.

Aqui ficam, portanto, algumas considerações que nos podem ser úteis em nossa piedade. Por exemplo, quando comungarmos, procuremos nos lembrar dessas invocações, pensando que recebemos na alma, por presença real, física, verdadeira e viva, esse Coração no qual adoramos todas as perfeições expressas na sua Ladainha.