A majestade terrível de Jesus, prostrando ao solo seus perseguidores: uma virtude silenciada... ("O beijo de Judas", por Fra Angélico)

O amolecimento dos católicos, um fenômeno típico do século XX, agravava-se no início da década de 40, conforme denúncia feita por Dr. Plinio nessa época. Hoje podemos analisar o assunto numa situação privilegiada, com o recuo permitido pela História.

Se Deus quiser, jamais me fartarei se sustentar que, no Brasil, nos contentamos por demais com rótulos e exterioridades.

Quando vemos uma grande multidão comparecer a uma cerimônia católica, nosso peito se dilata de entusiasmo, e uma tranqüilidade rotunda nos invade euforicamente: o Brasil é mesmo um grande país católico.

Espanha, México e Alemanha

No entanto, se tomássemos em conta que multidões não menores se aglomeravam nas praças públicas da Espanha, do México, da Alemanha, etc., antes da perseguição, uma reflexão amarga não poderia deixar de nos passar pela mente: estará o Brasil vacinado contra perigos tão grandes quanto os que hoje flagelam aqueles três países?

Manifestação católica diante do Santuário de Guadalupe, no México, antes da perseguição: na aparência, um vigor religioso que jamais seria abalado

Não conheço mais particularmente as circunstâncias que formavam o clima da vida religiosa do México antes da perseguição. Na Espanha, porém, como também nas regiões católicas da Alemanha, é incontestável que um grande renascimento religioso se operava. Os católicos pareciam cada vez mais aguerridos, empreendedores e firmes. Suas organizações prometiam ganhar de dia para dia maior solidez. Tudo fazia prenunciar uma grande primavera espiritual.

Seria injustiça imaginar que as massas enfeixadas nas organizações católicas alemãs e espanholas eram levadas por uma religiosidade balofa. Os triunfos da Igreja na Alemanha e na Espanha, antes da perseguição, não eram apenas triunfos efêmeros como o de Nosso Senhor em Jerusalém. A própria resistência que o elemento católico tem desenvolvido em um e outro país prova-o de sobejo. E, no entanto, a verdade patente, incontestável, evidente, é esta: as multidões católicas, tão frementes de santo entusiasmo antes da perseguição, e tão invencíveis em sua esplêndida constância sob o aguilhão dos adversários, não foram suficientes para evitar a tormenta e esmagar o mal quando ainda em gérmen.

A exaltação exagerada das “virtudes passivas”, enquanto as “ativas” eram silenciadas e injustamente denegridas, acabou redundando no esmorecimento da fibra católica, incapaz de esmagar o mal quando ainda em gérmen.
(Ao lado, Procissão de “Corpus Christi” na Espanha de outrora; na página seguinte, “Jesus enfrenta seus algozes”, escultura de Aleijadinho)

Exclusividade para as virtudes “passivas”

Penso que não será difícil explicar este fato tão lamentável quanto curioso. Durante muito tempo, os órgãos da propaganda liberal timbraram em inculcar nos católicos uma visão incompleta – e portanto errônea – de seus deveres. A ignorância religiosa, aliada ao pouco acatamento à voz dos Papas e dos Episcopados, permitiu que essa propaganda se infiltrasse insidiosamente no espírito de muitos católicos, até mesmo dos mais preparados e fervorosos. E, assim, uma flexão geral se fez sentir, que teve como conseqüência o cultivo das virtudes que poderíamos chamar (embora impropriamente), passivas, enquanto as virtudes ativas eram postas sob silêncio, ou injustamente denegridas.

É claro que Nosso Senhor há de ser, eternamente, o ideal de perfeição de todo  verdadeiro católico. E, por isto mesmo, a propaganda liberal não hesitou em apresentar às massas uma imagem deformada de Nosso Senhor, uma imagem radicalmente diversa da que a Igreja, única intérprete infalível dos Evangelhos, nos apresenta.

À força de elogiar a mansidão, a brandura, a inefável doçura de Nosso Senhor, a propaganda liberal conseguiu ocultar no mais profundo silêncio sua não menos adorável energia.

Quanto se escreveu sobre o inefável amor com que Nosso Senhor, ainda no último beijo, procurou atrair a Si a alma negra de Judas! E, entretanto, quão pouco se escreveu sobre a majestade terrível com que Nosso Senhor, dizendo “Ego sum!” aos que O procuravam, a todos prostrou por terra, transidos de pânico! Entretanto, seria Nosso Senhor menos adorável em uma atitude do que na outra? Este hábito de ocultar alguns dos exemplos que Nosso Senhor nos deu, e de só pôr em relevo outros, trouxe os resultados que normalmente dele deveriam decorrer.

Qualquer católico mediano compreende a sublimidade do perdão, da cordura, da mansidão, da misericórdia; compreenderá igualmente a sublimidade da energia com que deve combater o erro, castigar os que erram, desarmar a heresia e sagazmente lhe desvendar as tramas e conspirações? […]

Conseqüência inevitável

Dissemos que certas virtudes foram exageradamente exaltadas. Outras entretanto foram, ou deturpadas, ou postas sob o mais impenetrável silêncio. […]

Lutar, proclamar os direitos de Cristo e de sua Igreja, fazer face denodadamente ao erro, desmascará-lo com invencível desassombro, tudo isto parecia impróprio da mansidão católica. Quanto à perspicácia, não havia virtude menos compatível com a formação religiosa de muita gente, do que ela. Se fôssemos praticar ao pé da letra as doutrinas que certos católicos possuem a respeito do juízo temerário… […]

Desconfiar? Investigar? Multiplicar ao serviço do Bem todos os recursos da astúcia da serpente? Quem diria, em certos meios católicos, que isto foi expressamente recomendado por Nosso Senhor?

Não espanta que pessoas com tal formação, excelentes para suportar, sem se vergar, as mais tremendas tempestades, não fossem capazes de evitar o tufão, de se articular, de lutar e de esmagar o neopaganismo quando ainda ele estava em gérmen.

(Excertos do “Legionário”, 10/8/1941. Título e subtítulos nossos.)