A Quaresma começou cedo em 2005, de tal maneira que, pouco após se extinguirem os sons do tempo do Natal, já sentíamos a proximidade deste “tempo forte” do ano, repassado de penitência e oração na expectativa da Paixão de Cristo. E apenas uma semana depois de o Evangelho da Festa da Apresentação do Senhor fazer ecoar as palavras do profeta Simeão, prevendo “a ruína e ressurreição de muitos” e a “espada de dor” que atravessaria o Coração Imaculado de Maria Santíssima, a Igreja celebrava a Quarta-feira de Cinzas.

Esse período de “suaves tristezas — dizia Dr. Plinio — encerra para todo católico um profundo ensinamento, pois dele se serve a Igreja, como mãe solícita, para reavivar em seus filhos a abnegação, o senso do sofrimento heróico, o espírito de renúncia à trivialidade quotidiana e o inteiro devotamento a ideais dignos de darem um sentido mais alto à vida humana. O único sentido que esta tem: o sentido cristão.”1

O Divino Mestre foi, Ele próprio, perfeito modelo dessa aceitação confiante e resignada da dor como companheira necessária do homem neste “vale de lágrimas”: No Horto das Oliveiras — comentava Dr. Plinio —, antes de padecer em seu Corpo as atrozes injúrias dos flagelos, espinhos e cravos, Jesus previu todos os tormentos físicos e morais que O aguardavam, e se curvou à suprema vontade do Pai. Sabia Ele que ali iniciava sua Paixão, e mediu todas as ingratidões, maldades, friezas e perversidades de que seria objeto ao longo daquele caminho. Conheceu as dores de sua Mãe, Co-redentora, unida ao Filho no imenso holocausto. Foi-Lhe dado ver os atos de virtude e os pecados de todos os homens; e se previu desfigurado de todas as maneiras possíveis por aquela maldade que O agredirá. Na visão profética mais grandiosa e sinistra da História, Ele começa a se impressionar, a sentir pavor e uma tristeza mortal que se convertem no suor de sangue a Lhe banhar a divina face. Porém, de seus lábios santíssimos brota como uma flor esta oração de doçura insondável: “Meu Pai, se for possível afaste-se de mim este cálice; mas, faça-se em Mim a tua vontade”. Ele é confortado por um anjo, recompõem-se e se ergue, pronto para o sacrifício…

Não era este, entretanto, um sacrifício estéril e vão. Os padecimentos do Salvador resgatariam para todo o sempre o gênero humano, franqueando-nos novamente as portas do Céu e a felicidade da bem-aventurança eterna. Per crucem ad lucem: pela cruz se chega à luz.

Por isso — concluirá Dr. Plinio — a Santa Igreja, depois de nos ensinar a grande missão austera do sofrimento, se serve das alegrias vibrantes e castíssimas da Páscoa para fazer brilhar aos nossos olhos a luz da esperança cristã, abrindo diante de nós os horizontes serenos que a virtude da confiança põe diante de todos os verdadeiros filhos de Deus. Ela faz reluzir à nossa vista, mesmo nas tristezas da situação contemporânea, a certeza triunfal de que Deus é o supremo Senhor de todas as coisas, de que seu Cristo é o Rei da glória, que venceu a morte e esmagou o demônio, de que a sua Igreja é rainha de imensa majestade, capaz de se reerguer de todos os escombros, de dissipar todas as trevas, e de brilhar com mais luzidio triunfo, no momento preciso em que parecia aguardá-la a mais terrível, a mais irremediável das derrotas.

Esse é o grande consolo para os homens retos que amam acima de tudo a Igreja de Deus: Cristo morreu e ressuscitou. A Igreja imortal ressurge de suas provações, gloriosa como Cristo, na radiosa aurora de sua Ressurreição2.

1) Cf. Legionário de 1/4/1945.

2) Idem.