A firme esperança no socorro divino, expressa em palavras repassadas de força impetratória e humildade admiráveis, constitui o pensamento final do Salmo 142, comentado por Dr. Plinio. Este, à luz das súplicas do Salmista, nos assevera como devemos ansiar pela renovação de todas as coisas, para que este mundo se torne uma verdadeira “terra da retidão”.

Após exprimir seu veemente desejo de andar nos caminhos do Senhor, de conformar suas cogitações e vias com as vias e cogitações de Deus, o Salmista pensa naquilo e naqueles que podem impedi-lo de alcançar a almejada união com o Criador. Então diz:

Livra-me dos meus inimigos, Senhor; junto de Ti me refugio…

Refere-se ele aos seus inimigos terrenos, em particular os que o perseguem por amor à justiça. São seus adversários, não porque o odeiam pessoalmente, mas por detestarem a Deus, a quem ele ama. Sobre aquele que é perseguido pelo fato de amar a justiça desce uma misericórdia especial.

Inteira submissão à vontade de Deus

…Ensina-me a fazer a tua vontade, porque Tu és o meu Deus.

O caminho de Deus é um símbolo para exprimir a vontade do Altíssimo, que o Salmista quer cumprir. O significado mais profundo de suas palavras é este: “Creio em Ti e te amo de todo o coração; adoro-te e me dou inteiramente a Ti. Se teu caminho for árduo e, ao longo dele, eu mesmo deva sofrer uma verdadeira crucifixão, se me deres graças e forças para tanto, quero padecê-la. Mas, se for marcado por uma benignidade especial, então eu a desejo. Serei como Jó: se todas as pragas da Terra caírem sobre mim, ou vierem dias em que me cumulares de felicidade, desejarei umas e outra. Porém, não almejo as pragas pelas pragas, nem a felicidade por causa da felicidade. Eu quero apenas a Ti, ó meu Deus!”

A terra da retidão

O teu bom espírito me conduzirá à terra da retidão. Por causa do teu nome, Senhor, me darás a vida segundo a tua justiça.

O Salmista deseja cumprir a vontade de Deus e caminhar nas vias do Senhor; sejam elas marcadas por alegrias ou por dores

Fotos: S. Hollmann
O Rei e Profeta David – Vitral de Notre-Dame de Paris (à esquerda) e tapeçaria do Castelo de Langeais (acima), França

Esta é uma linda metáfora: “terra da retidão”! Ou seja, Deus conduzirá o Salmista para o local onde se é reto.

O conceito enunciado neste versículo pode ser aplicado a várias situações históricas. Por exemplo, em nossa época, quando vivemos num mundo onde muitos homens a cada dia se distanciam mais da virtude, ansiamos por sair desse estado e chegar àquela terra da retidão que será o Reino de Maria. Desejamos alcançá-la, não porque nos trará benefícios particulares, e sim porque veremos nela a merecida glorificação da Mãe de Deus na História. Essa é nossa atitude de alma, pois queremos trilhar o caminho do Senhor. E percorrê-lo, pensando no seu termo: a contemplação do Criador, face a face, no Céu. A eterna bem-aventurança: para lá Deus leva o homem justo.

Prelibação da felicidade celeste

A esse propósito, recordo uma aparição da Mamma Margherita, mãe de São João Bosco, a seu filho.

Como se sabe, residia ela primeiramente num casebre, no Piemonte, região da Itália. Quando todos os seus filhos se tornaram adultos, foi ela morar e trabalhar com Dom Bosco, no Oratório que este fundara. Algum tempo depois de sua morte, ela apareceu ao santo, que lhe fez esta pergunta:

— Mamãe, estais viva ou morta?

São João Bosco experimentou algo dos esplendores do Paraíso, ao ter a visão da Mamma Margherita glorificada no Céu

V. Domingues
Mamma Margherita e São João Bosco Pintura conservada na Casa-mãe dos salesianos em Turim, Itália

São João Bosco fez tal indagação porque a mãe se apresentava tão radiosa e gloriosa, que talvez houvesse ressuscitado.

— Morta, sim, mas inundada de felicidade. — respondeu sua mãe.

Após uma breve mas substanciosa conversa, São João Bosco pediu a ela:

— Já que estais no Céu, fazei-me sentir algo, ainda que uma gota, da felicidade celeste.

Mamma Margherita tornou-se mais luminosa, brilhante, e uma música inundou o recinto da igreja onde ela apareceu ao filho. Este comentou depois ter tido a impressão de que era uma melodia cantada por milhares de vozes de anjos, glorificando sua mãe. Por fim, a visão cessou.

À exemplo do Salmista, confiemos em que Nossa Senhora removerá de nosso caminho rumo à eternidade todos os obstáculos que nos impedem de alcançarmos a perfeição espiritual
O Rei David canta e dança em louvor a Deus – Catedral de Colônia, Alemanha

Poder-se-ia dizer que São João Bosco teve uma experiência do Céu. Viu ele também, entre os anjos, meninos do Oratório, que já haviam morrido, cantando as glórias da Mamma Margherita. Naturalmente, os reconheceu como seus antigos discípulos.

Sirva a lembrança dessa aparição da Mamma Margherita como ocasião para incidir sobre cada um de nós um raio de luz sobrenatural, um toque da graça, para perseverarmos no caminho do bem, desejando sempre o Céu.

Continuemos, agora, os comentários ao Salmo 142.

Nunca esmorecer nas vias da perfeição

Afirma o Rei David:

Tirarás a minha alma da tribulação, e pela tua misericórdia dissiparás todos os meus inimigos.

Para não abandonarmos o método das analogias, consideremos que, ao longo de nossa vida, Maria Santíssima pode permitir que passemos por grandes provações e nos sintamos exaustos. Nessa hora, dois caminhos se apresentarão diante de nós. Um, o do poltrão, que diz: “Minha Mãe, não agüento mais, tirai-me da luta!”. O outro, do herói, que reza: “Minha Mãe, eu desfaleço, mas desejo lutar ainda mais; dai-me forças!”

De acordo com as inspirações do Divino Espírito Santo, a ação da graça em nossa alma, de um lado, e as de nossas más tendências, de outro, somos inclinados à primeira ou à segunda atitude. Nesses momentos, cada um de nós, olhando para dentro de si mesmo, deve pensar: “Estou lutando pela causa da Santíssima Virgem, quero ser justo. Quantas vezes Ela renovou em mim as forças que esmoreciam! E sempre que Ela me fortaleceu, fui capaz de me reerguer. Agora não será diferente.”

E, voltando-se para Nossa Senhora, implorar: “Estou mergulhado na tribulação. Mas Vós, ó Mãe, me tirareis dessa situação e dissipareis meus inimigos que não consigo vencer. A Vós, também, estendo minha mão!”

Esperança na renovação de todas as coisas

E destruirás todos os que atormentam a minha alma, porque eu sou teu servo.

Tão intensa é a beleza deste versículo final, que ela nos tolhe os comentários… Digamos apenas, na linha das aplicações, que nos é dado esperar uma especial proteção de Nossa Senhora no sentido de que Ela remova do nosso caminho rumo ao Céu tudo que nos atormenta, nos atribula, nos impede de correspondermos plenamente aos desígnios de Deus sobre nós.

Digamos, outrossim, que ainda nesta Terra, a Virgem Santíssima terá servos bons e fiéis com os quais renovará todas as coisas, implantando o Reino de Maria. E desse modo veremos confirmada, uma vez mais, a promessa divina de que as portas do inferno jamais prevalecerão contra a Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

Imbuídos de tais sentimentos, encerramos essas reflexões inspiradas pelo Salmo 142.